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Por , Um Só Planeta — Manaus (*)

Um estudo recente da consultoria Deloitte intitulado Financing the Green Energy Transition, aponta que o financiamento concessional , aquele concedido por instituições multilaterais, como bancos de desenvolvimento e fomento, poderia facilitar o fluxo de capital privado para projetos de transição energética, reduzindo a necessidade de investimentos em US$ 2 trilhões por ano. Isso porque eles podem, por mandato, absorver mais riscos, entrando em fases iniciais ou disponibilizando recursos a fundo perdido. Dessa forma, o mercado financeiro tradicional pode se sentir menos desconfortável em financiar ou investir em projetos necessários para o desenvolvimento sustentável e descarbonização do país.

O oposto também é verdadeiro: sem esse tipo de financiamento, a transição para emissões líquidas zero (net zero) custaria mais de US$ 7 trilhões por ano até 2050. E ao menos 70% desses investimentos seriam necessários em mercados emergentes e economias em desenvolvimento, onde o acesso ao capital é mais limitado.

“Os bancos de desenvolvimento e multilaterais têm um papel crucial na diminuição de riscos de projetos para destravar financiamento privado”, destaca Luiz Assis, sócio responsável pela prática ESG da Deloitte.

Ele explica que há diversas maneiras de o capital concessional contribuir com a diminuição da percepção de risco no mercado - e, consequentemente, permitir condições mais acessíveis a quem precisa de dinheiro.

Uma delas é chamada de A/B Loan, um tipo de estrutura de dívida que permite a emissão em duas etapas, uma primeira (A), que seria de capital dos fundos de desenvolvimento ou capital filantrópico e absorveria o risco da primeira fase dos projetos, e uma segunda (B), que captaria recursos junto a investidores privados após o risco terem diminuído.

Outro instrumento financeiro é o blended finance, que mistura capital não reembolsável e investimento privado, que visa retorno, em uma mesma emissão. O capital concessionário pode servor, neste caso, como garantia da operação ou como os primeiros empréstimos.

Para projetos que visam minimizar impactos das mudanças climáticas, e desenvolver mecanismos de adaptação, chamados de projetos de "loss and damages" (perdas ou danos), há diferentes alternativas.

Algo que está sendo testado, por exemplo, pelo próprio BID, é a troca de dívida de países em desenvolvimento por compromisso de preservação ambiental, como no caso de Galápagos (Equador) e Barbados (Caribe). Esses estão sendo chamados de debt swap for climate (ou debt-for-nature swap). Um segundo instrumento é o título de catástrofe (catastrophe bond), que levanta recursos para reconstrução de áreas atingidas por eventos extremos.

"Geralmente, os loss and damages são filantrópicos, não buscam retorno", comenta Assis.

Sobre formas de mitigar riscos, o sócio da Deloitte explica que projetos que conseguem fechar contratos com antecedência para a oferta futura do produto ou serviço (chamado de off taking) têm mais chance de mitigar risco e se tornar atrativo para investidores privados. "Em projetos de crédito de carbono a partir de restauração florestal, por exemplo, a antecipação do dinheiro a partir de contratos com grandes empresas que querem compensar suas emissões permite que o desenvolvedor faça o projeto e garanta a demanda", diz.

Hervé Duteil, líder de Sustentabilidade para as Américas do banco francês BNP Paribas, pontua ainda que os países em desenvolvimento têm riscos específicos em comparação com os países desenvolvidos, como riscos políticos e cambiais, por exemplo. Além disso, se os projetos estão relacionados ao setor agrícola, estes apresentam uma camada adicional de complexidade, pois possuem uma cadeia produtiva profunda e fragmentada de pequenos agricultores, tornando a análise financeira mais complicada.

"É muito mais fácil financiar grandes corporações porque elas já têm um mapa de risco bastante bem definido e mais fácil de analisar, ao contrário de um setor com pequenos agricultores que não podem ser avaliados individualmente", diz Duteil. Nesses casos, ter apoio público ou garantias de crédito absorvendo parte do risco pode desarriscar o financiamento e atrair capital privado, na opinião do executivo.

O que está sendo discutido ativamente, acrescenta, é o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros, como os títulos de resultado, que dependem da monetização futura de créditos assistenciais, por exemplo, ou capital catalítico/filantrópico, possivelmente uma emissão de títulos do setor público, e participação de investidores do setor privado.

"Esta é uma nova fase no desenvolvimento do financiamento misto. Esses novos instrumentos estão começando a atingir um nível de padronização que pode eventualmente ajudar a acelerar sua replicação para vários tipos de projetos de sustentabilidade, como tal, eles facilitarão a participação do setor privado e escalarão o fluxo de capital para projetos de sustentabilidade de mercados emergentes."

Originate to share

Para encontrar maneiras de destravar o capital privado que poderia já estar fluindo para a economia verde e a transição energética, o BID Invest, unidade focada investimento privado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) decidiu promover sua Semana de Sustentabilidade, eventual bianual, em Manaus (AM).

A ideia, segundo o CEO do BID Invest, James Scriven, e o presidente do BID, Ilan Goldfajn, reforçaram em suas falas durante painéis e nas falas com jornalistas, foi trazer o setor financeiro para perto da Floresta Amazônica e mostrar as potencialidades econômicas da região também para as áreas de indústria, infraestrutura, serviços básicos, agronegócio, entre outros.

Foi no evento também que o BID Invest reforçou sua mudança de postura recente: o foco agora, aprovado por seus conselheiros, é atrair o capital privado para investir junto com o banco.

O nome dado a esse modelo de negócio é "originate to share" (originar oportunidades para compartilhá-la), diferente do anterior "originate to hold" (originar para ficar com elas na carteira). Essa mudança de dinâmica permite atrair mais recursos e exponencializar o impacto, segundo o CEO do BID Invest falou em entrevista exclusiva ao Valor.

Na última conferência do organismo em março, em Punta Cana (República Dominicana), foi aprovado um aumento do capital disponível para o BID Invest da ordem de US$ 3,5 bilhões, acima até do que há hoje disponível (US$ 3,1 bilhões).

“O BID sente e está convencido que o desenvolvimento não é apenas financiar governos, mas também financiar o privado. Quando setores público e privado se juntam, é quando o desenvolvimento realmente acontece no país”, diz.

Para Zeca Doherty, diretor-executivo da Anbima, essa é “uma ótima ideia”. “Mobiliza todo o ecossistema para ampliar o alcance de investimentos de alto impacto socioambiental" , justifica.

Ele acrescenta que o BID, como organismo de desenvolvimento, tem um papel de desenvolver a região, mas não tem o papel de substituir o capital privado. Neste contexto, diz, entra o mercado financeiro. “O conceito de ‘originate to share’ traz o mercado de capitais e o banco de fomento como aliados para maior mobilização e escala dos fluxos de capital para o desenvolvimento sustentável.

Doherty explica que há muitos projetos em estágios bem iniciais que, apesar de poderem trazer um grande impacto positivo, também carregam muito risco. “O mercado sozinho não consegue absorver”, diz. Por isso, cada vez mais se faz necessário, na opinião do executivo, o lançamento de mecanismos que permitam mesclar capital concessional como o dos bancos de fomento (sujeitos a um risco maior) e o capital privado, que visa retorno. “É uma abordagem mais colaborativa do ecossistema financeiro."

O blended finance, na opinião de Doherty, é um dos principais mecanismos para fazer o chamado de-risking, que é a minimização de riscos de um projeto. O instrumento mistura recursos públicos, de fomento ou filantrópicos com o capital comercial, com foco em projetos de impacto socioambiental. “Esse mecanismo pode se valer de vários instrumentos financeiros, como dívida, equity ou até mesmo os dois. O capital catalítico pode vir para trazer garantias/seguros, grants (doações) para apoio a projetos ou até mesmo financiando assistência técnica para o projeto”, comenta.

Especificamente sobre Amazônia, o diretor-executivo da Anbima destaca que há desafios muito complexos que não podem ser resolvidos, porém, por um único agente.

“Esse modelo mais colaborativo permite o desenvolvimento econômico aliado à manutenção da floresta em pé, algo que falamos muito por aqui nestes três dias”, se referindo aos debates em Manaus.

Uma pessoa importante de um banco internacional que esteve no evento do BID em Manaus e não quis se identificar também comentou ao Um Só Planeta que só a presença desses bancos de desenvolvimento como parceiro dentro do projeto tem o poder de enviar um sinal de confiança ao mercado e, portanto, melhorar o seu rating (nota de risco de inadimplência). Pode, portanto, ser um diferencial para assegurar acesso ao mercado de capitais e ao dinheiro mais barato. "Também entendo que a presença dos bancos multilaterais ajuda na diversificação do risco", diz.

Especialistas destacam que, quando recebe uma proposta de investimento ou concessão de crédito, o setor financeiro costuma avaliar caso a caso. O interesse vai depender do tipo de projeto, o seu tamanho, a sua localização, a sua matriz de impactos, e os seus stakeholders. E o apetite ao risco também vai depender da tese de investimento e objetivo.

Um fundo de impacto, por exemplo, pode ter um mandato e uma tese específica que ofereça mais “espaço” e apetite para aceitar maiores riscos, desde que o projeto possa segurar impactos positivos verificáveis no meio ambiente e as populações.

Projetos que envolvem muitas variáveis ambientais (por exemplo, áreas de proteção, espécies protegidas, ou trabalho com substâncias químicas ou desenvolvimento de obra civil em local que seja social ou ambientalmente complicado) e sociais (povos indígenas, quilombolas, pequeno produtor rural, inclusive comunidades vulneráveis dentro das cidades, aproveitamento ilegal de recursos, tomada ilegal de terras, etc.), também precisam de maiores controles e são mais caros para bancos e gestores.

Para minimizar seus próprios riscos, bancos como o BID apostam na assistência técnica aos projetos. Dão dinheiro, mas também acompanham sua implementação, oferecendo especialistas, acesso à ferramentas e networking comercial.

A aposta do banco é cada vez maior em projetos em que eles possam fazer a diferença no início e, provada sua viabilidade técnica e comercial, oferecem a oportunidade de investimento ao mercado.

“Vamos dobrar de tamanho e capacidade de atingir um desenvolvimento maior com o setor privado”, diz Goldfajn. “Ser maior em escala significa maior impacto”, completa.

(*) A repórter viajou a convite do BID Invest

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