O avanço da restauração de florestas no país, marcado pelo anúncio de políticas de governo e iniciativas empresariais de larga escala, movimenta o setor que abastece os projetos com mudas nativas, na expectativa de um aumento de demanda em níveis jamais vistos. Além dos plantios de árvores para adequar fazendas ao Código Florestal, recuperar áreas degradadas, produzir água, explorar produtos da biodiversidade e fazer compensação legal de impactos ambientais, o mercado de carbono se impõe como uma realidade. Negócios no contexto climático representam um filão para viveiros florestais e coleta de sementes, mas há obstáculos para os investimentos chegarem ao chão no tempo certo.
A contar pelos maiores empreendimentos de restauração com viés de carbono, as metas anunciadas - no total de 10 milhões de hectares- projetam uma demanda de 500 milhões de mudas por ano, durante uma década, segundo cálculo da Nativas Brasil, associação que representa o setor de viveiros. Esse volume corresponderia, anualmente, a R$ 1,5 bilhão. Mas, como a capacidade brasileira é estimada entre 250 milhões e 300 milhões de mudas por ano, há um déficit de 50%, sem considerar a demanda de iniciativas menores, pulverizadas nos biomas.
“Apesar do potencial, trabalhamos com capacidade ociosa de 30% a 40% no setor”, diz Rodrigo Ciriello, presidente da Nativas Brasil, que reúne 73 viveiros. “A promessa investimentos gera expectativas, mas o ritmo está muito mais lento que o imaginado”, diz o empresário, também diretor comercial do viveiro Futuro Florestal, em Garça (SP). Uma alternativa é desenvolver projetos próprios de carbono para garantir demanda de mudas e fechar as contas.
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Além do planejamento de longo prazo, com acesso antecipado a capital para investir na produção, faltam linhas de crédito e de seguros baseadas na realidade dos viveiros, diz Ciriello. “Caímos no esquecimento, mas não adiantam grandes projetos de restauração sem preparar a base da cadeia.”
O setor é estratégico na garantia de diversidade genética, essencial ao sucesso da restauração, além da importância social ao envolver produtores locais. “Muda é insumo importante, principalmente para plantios intensivos em áreas mais degradadas no passado”, afirma Thiago Picolo, CEO da Re.Green. Com investimento da Microsoft para carbono, a empresa refloresta áreas no Pará e Bahia, no objetivo de atingir 1 milhão de hectares e também para obter madeira. As mudas vêm de viveiro próprio de 3 milhões de mudas por ano, em Piracicaba (SP), e de outros Estados no Sudeste e Amazônia.
Contratos plurianuais que eliminam incertezas na demanda são indispensáveis aos viveiros, afirma Picolo. A empresa recebeu R$ 187 milhões em financiamento do BNDES para restaurar 15 mil hectares na Amazônia e na Mata Atlântica. Tereza Campello, diretora socioambiental do banco, adverte: “Só os grandes viveiros não darão conta da restauração megadiversa”. Os pequenos e médios, detentores de saberes sobre as plantas, estão na mira de novos programas de crédito, em construção. “O maior obstáculo é não ter demanda firme e ambiente seguro [para os negócios]”, diz Campello.
Estima-se que mudas e sementes absorvam cerca de 30% dos recursos aportados nos projetos de restauração. Além do Fundo Clima, com previsão de R$ 550 milhões neste ano em empréstimos ao setor privado, a iniciativa Arco da Restauração tem edital na praça para o repasse de R$ 450 milhões não reembolsáveis do Fundo Amazônia, abrangendo 6 milhões de hectares na fase inicial. Já no Floresta Viva, o BNDES captou R$ 160 milhões de empresas para projetos socioambientais com contrapartida do banco. A estimativa é chegar a R$ 500 milhões no ano.
“Há um hiato entre os grandes projetos anunciados e a baixa demanda”, observa José Francisco Azevedo Júnior, socio-fundador do grupo Natureza Bela, com seis viveiros no país, totalizando 700 mil mudas por ano. Um risco é a falta de credibilidade no mercado. “Não se produz mudas de um dia para outro e a atividade requer investimento desde a coleta de sementes”, explica o empresário, que iniciará restauração de 1,5 mil hectares no sul da Bahia, com recursos do BNDES e da dinamarquesa Kirkbi, dona da marca Lego.
Para Daniel Jimenez, fundador da startup Silva, voltada a criar pontes entre viveiristas e quem restaura, “não alcançaremos metas climáticas se grande parte da cadeia da restauração já existente não for preparada na gestão financeira e expandida”. “O gargalo está nas sementes em qualidade e quantidade, setor marcado pela informalidade”, aponta Gilberto Terra, diretor agroflorestal da Courageous Land, com 150 hectares de agroflorestas na Mata Atlântica e Amazônia. Lá, a empresa produz cacau, açaí e madeiras, como mogno africano e pau-de-balsa, demandado para pás eólicas. As primeiras transações no mercado climático estão sendo finalizadas, na expectativa de capturar 30 milhões de toneladas de CO2 no médio prazo.
“A logística em grandes distâncias é complexa”, diz Gilberto Derze, à frente da Radix, de silvicultura, que precisa transportar mudas de avião de São Paulo para Roraima, onde restaura florestas para produzir madeiras e também gerar créditos de carbono. Ele defende a criação de polos de mudas descentralizados, com efeitos na redução de custos, além de alternativa de renda para comunidades afetadas pelo garimpo.
Na visão de Filipe Silva, coordenador de restauração florestal da Fundação SOS Mata Atlântica, “a produção no geral não está preparada para garantir qualidade e diversidade de plantas, e o resultado pode ser a criação de ‘florestas vazias’, sem atrair fauna.” Com viveiro de 750 mil mudas por ano, em Itu (SP), a SOS Mata Atlântica distribui mudas no raio de 300 km para plantios apoiados por empresas, o que assegura a origem das plantas em matrizes selecionadas. Nas regiões mais distantes, a entrega é terceirizada. “A valorização da cadeia produtiva tem que fazer parte dos custos”, ressalta Silva.
“Políticas públicas são fundamentais para dar escala”, acrescenta Miriam Prochnow, fundadora da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, em Atalanta (SC). O viveiro local foi modernizado com tecnologia dinamarquesa de mudas para plantio em embalagens biodegradáveis. Cerca de 200 mil delas são distribuídas por ano a projetos socioambientais da indústria de papel Klabin. “As soluções da natureza estão diretamente ligadas ao desafio da crise climática”, diz.