O movimento de articulação da coleta de sementes em rede, verificado nos últimos anos nas várias regiões brasileiras, estabeleceu capacidade de entrega em grande escala para a reconstrução de florestas. A iniciativa do Redário, que reúne hoje 24 grupos de coletores comunitários, está pronta para produzir 50% a mais do que tem recebido de encomendas. E há uma fila de coletivos regionais que aguardam participar do fornecimento conjunto pela rede. “O que falta para a agenda da restauração não é semente, mas áreas para plantar, à espera da implementação do Código Florestal, que prevê recuperar passivos de vegetação nativa das propriedades rurais”, analisa Laura Antoniazzi, sócia da consultoria Agroicone.
Há, ainda, incertezas quanto à regulamentação do mercado de carbono, mas existe clara tendência de crescimento, afirma Antoniazzi. Foram iniciadas conversas junto a coletivos de sementes para suprimento de grandes projetos de restauração florestal voltados ao mercado de carbono, anunciados nos últimos anos. “Conforme as iniciativas se desenvolverem, com aquisição de áreas para chegar à casa do milhão de hectares, as redes de sementes vão acompanhar”, explica a pesquisadora.
No momento, afirma Antoniazzi, há um descompasso natural entre o que foi anunciado para carbono e o que acontece na prática em termos de demanda por sementes. “Isso se ajustará com o tempo, até que os planos virem, de fato, operações”, diz. Segundo ela, o mantra da falta de sementes como gargalo não tem embasamento na realidade. Há contínua expansão produtiva, também para entrega a projetos de plantio de árvores voltados a produtos florestais e conservação de água.
Em 2023, o Redário produziu 84 toneladas de sementes sob encomenda, 60% a mais em relação a 2020, com fornecimento para 54 projetos de restauração (2,1 mil hectares). “É uma agenda que veio para ficar no contexto da mitigação climática e do novo cenário político-institucional”, aponta Rodrigo Junqueira, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA). O desafio, diz ele, é “fortalecer os arranjos produtivos para os recursos chegarem na ponta”.
A Rede Sementes do Xingu, maior coletivo que integra o Redário, é pioneira no modelo e hoje reúne 647 grupos de coletores, entre os quais seis etnias indígenas. Até agora, foram comercializadas 353 toneladas de sementes, no total de 220 espécies, o que rendeu R$ 7 milhões às comunidades. “Não será somente com projetos de milhões de hectares que teremos sucesso na restauração, mas com envolvimento de atores locais que detêm o conhecimento”, enfatiza Junqueira.
Na região do Xingu (PA), a iniciativa em rede surgiu da união entre produtores rurais, que precisam de água para produzir, e indígenas, com acesso às sementes. O modelo se espalhou pelos biomas. “Hoje, estamos na quinta geração dessas redes, com mais de 50 grupos de coletores no país, respaldados por marcos legais e políticas públicas, com sistema de produção organizado”, diz Fátima Pina Rodrigues, pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos, em Sorocaba (SP).
O movimento começou há 30 anos, no Rio de Janeiro, quando a agenda de plantar árvores em cidades estava aquecida e havia necessidade de capacitação para fazer a ponte entre órgãos públicos, que alegavam não haver sementes no mercado, e os viveiros, que não tinham para quem vender. “O momento atual é de um novo esforço de união, agora para a demanda do carbono”, diz Rodrigues. Além de geração de renda local, o viés social típico das redes de sementes proporciona maior diversidade de espécies, com material genético mais adequado às regiões.