Alexandre Mansur
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Por Alexandre Mansur

É diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos

As eleições americanas estão esquentando. Como vimos no primeiro debate, os dois candidatos — o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump — são bem diferentes, mas os temas fortes que decidirão o pleito parecem comuns. Eles estão falando de assuntos como economia, emprego, inflação, poder de compra e defesa das empresas e produtos americanos.

Além da indefectível pauta de costumes. Um dos desafios mais importantes dos Estados Unidos e do resto do mundo no momento — mudança climática —, claramente, não está no foco. Apesar de ser preocupante, essa não é uma surpresa porque, tradicionalmente, embora nas eleições europeias e até nas brasileiras essa seja uma pauta forte, o tema não costuma ser muito debatido pelos candidatos americanos em época de eleição. Mas, este ano, pode ser que eles se vejam obrigados a falar do assunto.

Além da campanha eleitoral mais dramática da história americana, existe outra coisa preocupante no ar. O mundo também está esquentando. O hemisfério norte já vive um verão anormal, entre outros motivos, porque a atmosfera Terra está mais quente que nunca e as águas do Atlântico estão mais aquecidas que o normal, gerando furacões extraordinários como o Beryl. Os próximos meses podem sacudir os americanos com três grandes tipos de consequências dos extremos desastrosos provocados pelo clima.

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O primeiro tipo de impacto climático são as temperaturas extremas. Estima-se que mais de 2 mil americanos tenham morrido por efeitos do calor excessivo no verão passado e, segundo análises do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, 2024 deve ser ainda mais mortal porque o calor será ainda maior. Na cidade de Phoenix, uma das mais quentes do país em algumas épocas do ano, as pessoas já são aconselhadas a não sair no sol em determinados períodos do dia porque a exposição ao clima coloca a saúde em risco.

A cidade fica dependente de ar condicionado, o que aumenta o consumo de energia e a torna mais suscetível a um blecaute, que poderia ser mortal. Segundo um estudo, publicado em uma relevante revista científica americana, se ocorresse uma falha da rede elétrica junto com uma onda de calor de vários dias em Phoenix, metade dos seus 1,6 milhões de residentes necessitariam de cuidados médicos urgentes e 1% da população, mais de 13 mil pessoas, poderiam morrer, literalmente, de calor. O estudo diz que a confluência de eventos é pouco provável, mas nem por isso deveria deixar de ser considerada, justamente pela gravidade da crise que poderia causar.

Para além do calor, o segundo tipo de desastre possível nesse verão anormal pode vir com o fogo. Com temperaturas acima da média, secas prolongadas e ventos persistentes, os incêndios florestais estão piorando. A fumaça é um risco para a saúde, causando e agravando problemas respiratórios e cardiovasculares, mas também causa um enorme impacto econômico, com perda de infraestruturas, custos de combate ao fogo e operações de recuperação, entre outros prejuízos associados.

Um comitê do congresso americano (Joint Economic Committee) estima que o custo total dos incêndios florestais nos Estados Unidos fica entre US$ 394 bilhões e US$ 893 bilhões a cada ano. Relatórios recentes indicam que o risco de fogo deve permanecer acima do normal pelo menos até setembro, o que pode também acender o debate público a respeito.

E o terceiro tipo de desafio climático para os Estado Unidos são os furacões. Para piorar, cientistas já estão avisando que a temporada de furacões no Atlântico, que vai de junho a novembro, pode ser a mais forte já registrada, justamente por conta da temperatura alta do Atlântico. A NOAA, o centro nacional que monitora atmosfera e oceanos, estima que esta temporada pode produzir 17 a 25 tempestades nomeadas (com potencial de destruição). Isso inclui a previsão de de 8 a 13 furacões, sendo quatro a sete de grandes proporções até o final de novembro — o maior número em qualquer previsão de pré-temporada. O Furacão Beryl bateu os recordes históricos ao ser o mais precoce na temporada classificado na categoria 5 de intensidade.

Esses três tipos de desastres climáticos podem gerar comoção forte o bastante para forçar o ingresso na lista de temas eleitorais. Nada é garantido em uma política que já funciona de forma estranha há alguns anos. Mas colocar as mudanças climáticas na agenda dos candidatos seria um ganho para os Estados Unidos e para o mundo. Para começar porque, historicamente, os países industrializados, como é o caso dos EUA, são responsáveis pela maior parte das emissões globais de gases de efeito estufa.

Segundo o Climate Watch, plataforma de dados do WRI, os Estados Unidos ainda são os segundos maiores emissores de CO2, atrás apenas da China. As análises dizem que o país tem os níveis mais altos de emissões por habitante em todo o planeta, com uma taxa per capita que chega a ser o dobro da chinesa e oito vezes maior que a indiana.

Junto com outros países industrializados, os EUA têm uma parcela expressiva maior da responsabilidade pelo aquecimento global e, portanto, deveriam assumir a liderança na busca por soluções para o problema. É importante lembrar que, assim como o Brasil, o país tem grande potencial de reduzir emissões investindo em energias renováveis, por exemplo. Esse foi, inclusive, um dos grandes avanços do governo Biden, que criou um plano para incentivar a transição para a economia limpa, o que é só o começo, porque eles podem (e devem) fazer muito mais.

De toda forma, se não estão pensando no resto do mundo neste momento, os americanos precisam se lembrar do clima por eles mesmos, pois vivem em um país onde a produção agrícola e a qualidade de vida das pessoas é bastante vulnerável às mudanças climáticas. Daqui até 5 de novembro, quando começam as votações, o clima pode entrar em debate com mais força porque os americanos vão sofrer por causa dele.

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