Alexandre Mansur
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Por Alexandre Mansur

É diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos

O mundo tem lidado, cada vez mais, com desastres e eventos climáticos extremos, de consequências apavorantes. As enchentes no Sul do Brasil; o verão quase sem fim e as ondas de calor no Sudeste; as chuvas torrenciais no Chifre da África; a onda de calor sem precedentes na Índia, entre outros. O El Niño, em atuação desde meados do ano passado, já foi acusado de ser o grande vilão. No entanto, embora influencie nos termômetros e nas chuvas, não pode ser apontado, sozinho, como a causa do caos. Um boletim da Organização Meteorológica Mundial (OMM), mostra que o fenômeno natural se aproxima do fim, mas isso não quer dizer que podemos respirar aliviados.

O El Niño está se despedindo, mas a mudança climática chegou para ficar. Esse já é o novo clima da Terra e a tendência é piorar. Segundo a OMM, em relatório repercutido pelo Le Monde, o fim do fenômeno que esquenta as águas do Pacífico não vai amenizar a mudança climática. O planeta deve continuar a aquecer por conta dos gases do efeito estufa, que retêm o calor das temperaturas mais altas da superfície do mar. Ou seja, continuaremos num estado de superaquecimento e podemos ter mais eventos extremos nos próximos meses, apesar da provável chegada da La Niña, que resfria as águas do mesmo oceano — os dois fenômenos se sucedem em um ciclo chamado ENSO (El Niño-Southern Oscillation).

Cada El Niño, em seu momento de pico, pode causar um aquecimento global de cerca de 0,25 °C. Isso é importante porque o Pacífico Tropical representa um quarto da superfície do planeta. No entanto, segundo a análise do jornal francês, muitos cientistas questionam o fato de o fenômeno, sozinho, ter provocado os aumentos de temperatura sem precedentes de 2023. O ano passado foi, de longe, o mais quente já registrado na Terra, chegando a uma média de aumento de 1,45 °C, já perigosamente próximo dos 1,5 °C, limite previsto no Acordo de Paris. Isso sem falar nos demais eventos climáticos, como os citados no início do texto.

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As previsões são nada animadoras. É provável que 2024 iguale ou até mesmo supere os recordes de temperatura de 2023 porque, de acordo com especialistas, o segundo ano do fenômeno El Niño costuma ser o mais quente. Pela previsões da OMM, as temperaturas devem permanecer acima do normal pelo menos até julho. Para piorar, a chegada da La Niña não é exatamente uma boa notícia porque também pode causar chuvas torrenciais e inundações. Alguns cientistas acreditam que, combinada às temperaturas excepcionalmente altas do oceano Atlântico, a La Niña pode, inclusive, aumentar a possibilidade de furacões. Apavorante!

Diante disso, o que fazer? Depois de entender que agora vivemos num mundo onde teremos eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes, precisamos começar a lidar com o fato. O primeiro passo é segurar o aquecimento global, pois não podemos deixar a situação piorar ainda mais. Para isso, é para ontem acelerar o processo de saída de uma economia global baseada em combustíveis fósseis para um modelo de baixo carbono, zerar o desmatamento e começar a recuperar as florestas para capturar carbono da atmosfera.

Além disso, precisamos de segurança. Segurança climática. É hora de pensar na defesa contra os extremos climáticos. A segurança climática nos desafia a pensar diferente. As medidas de defesa para desastres climáticos não passam por pensamento individual. Aqui, a segurança assume um sentido diferente daquele ao qual estamos acostumados. Não vai adiantar nos fechar em condomínios de muros altos, andar em carros blindados ou estocar comida. Não tem guardas armados contra enchentes.

Não tem muro alto contra tempestade. Não tem ar condicionado e janela blindada contra calor extremo com blecaute geral de dias. Contratar milícias particulares não protege ninguém dos desastres climáticos.

Não existe segurança privada no clima. A única garantia é coletiva. Ela inclui todas as pessoas, que devem estar engajadas na manutenção e recuperação dos ambientes naturais, em mudanças de hábitos e no planejamento inteligente para ambientes urbanos e rurais.

É urgente cuidar das margens dos rios e encostas, que nos protegem das enchentes, inclusive nas cidades. Se existem construções nessas áreas, talvez elas devam ser desconstruídas — literalmente. Pode ser necessário destruir ruas, avenidas, canais e casas, legais e ilegais, que estão onde não deveriam estar. Independente se eles atendem a gente rica que fez mansão onde não devia ou a gente pobre que não encontrou outro lugar para viver.

O litoral deve ser despavimentado e, num futuro próximo, precisaremos dar adeus aos calçadões (que serão comidos pela elevação do nível do mar), recuperando vegetação de restinga e manguezais. Privatizar praias para construir mais nelas, nem pensar. Já temos estudos que preveem ressacas cada vez mais destruidoras, além de uma elevação do nível do mar que ameaça cidades inteiras.

Algumas dessas sugestões podem parecer exageradas, mas vivemos um momento absurdo. Só com tudo isso (e mais um pouco) vamos aumentar nossas chances de sobrevivência, evitando que a mudança climática e os eventos extremos trazidos por ela cheguem a um nível que torne a nossa civilização insustentável. A segurança climática é um projeto coletivo. Entre todas as pessoas e países. Não existe outra alternativa.

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