O desmatamento em terras indígenas localizadas no Cerrado aumentou 188% em 2023, atingindo mais de 7 mil hectares, informa análise divulgada nesta segunda-feira (1) pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que aponta ainda o avanço sobre territórios quilombolas (665%) e unidades de conservação (252%).
Os dados integram o Relatório Anual do Desmatamento, produzido por pesquisadores do instituto na rede MapBiomas.
Em 2023, o Cerrado registrou o desmatamento de mais de 1,1 milhão de hectares de vegetação nativa, 61% da área desmatada no país, ultrapassando pela primeira vez a Amazônia, que teve mais de 454 mil hectares desmatados no mesmo período.
“No ano de 2023, 98% do desmatamento no Cerrado teve como vetor de pressão a agropecuária. O fato se reflete em terras indígenas, UCs [unidades de conservação] e territórios quilombolas do bioma. Áreas que enfrentam um cenário de deficiência na sua gestão, fiscalização e monitoramento”, afirma Roberta Rocha, pesquisadora do Ipam.
Em 2023, 79% da área desmatada no Cerrado concentrou-se em terras privadas, que incluem propriedades rurais, territórios quilombolas e assentamentos. Ao todo, 62,4 mil hectares foram desmatados dentro de territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação, um aumento de 6,5% em relação a 2022, aponta o mapeamento.
A pesquisadora comenta que é preciso investir na gestão e monitoramento desses espaços e no reconhecimento de territórios tradicionais. Além de ações de fiscalização focadas no combate ao desmatamento nestas áreas protegidas e no bioma como um todo.
Territórios Quilombolas
A supressão de vegetação nativa em territórios quilombolas totalizou 2,5 mil hectares, um crescimento de 665% em relação a 2022. Com uma área desmatada de 1,5 mil hectares, Barra do Aroeira, localizado há 100 km de distância de Palmas, no Tocantins, foi o território quilombola com a maior área desmatada do país no ano passado.
Com exceção do território do povo tradicional Kalunga, que reduziu em 11% a área desmatada, todos os outros nove territórios na lista dos 10 mais desmatados registraram aumento em 2023. Juntos, esses 10 territórios concentram 61% de todo o desmatamento observado em quilombos no Brasil no ano passado.
A pesquisadora do Ipam Isabel de Castro explica que povos quilombolas conservam seus territórios mantendo tradicionalmente formas de uso e ocupação do solo. “Garantir os direitos territoriais do povo quilombola é garantir a proteção do Cerrado”, defende. Atualmente, menos de 30% dos territórios quilombolas conhecidos foram titulados, segundo o instituto.
![Vista aérea do desmatamento do Cerrado nativo em São Desidério, oeste da Bahia, Brasil, em 25 de setembro de 2023. — Foto: Getty Images](https://cdn.statically.io/img/s2-umsoplaneta.glbimg.com/Nbzhgjav1A8h76sVQQuTwRd53a8=/0x0:1024x683/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_7d5b9b5029304d27b7ef8a7f28b4d70f/internal_photos/bs/2024/A/f/DNSxcsS5AfA0nzBA8m5Q/gettyimages-1734340598.jpg)
Terra Indígenas
A área desmatada em terras indígenas do Cerrado chegou a mais de 7 mil hectares, um aumento de 188% em 2023, enquanto, no geral, as terras indígenas do país reduziram 27% da área desmatada.
Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, lar dos indígenas Canela Apanyekrá, foi o território indígena com a maior área desmatada de todo o país em 2023, perdendo mais de 2 mil hectares.
O número representa um aumento de 608% na sua área desmatada, em relação ao ano anterior. Delimitada em 2019, o território está localizado na porção sul do Maranhão, estado mais desmatado do Brasil em 2023.
Entre as dez terras indígenas mais desmatadas do Cerrado, quatro estão no Maranhão, e seis no Mato Grosso. Neste último, a TI Uirapuru, onde vive o povo Paresí, registrou uma diminuição de 69% na sua área desmatada, passando de 220 hectares para 68 hectares perdidos em 2023. Essa foi a única terra índigena entre as 10 mais desmatadas que registrou diminuição na perda de vegetação nativa, segundo o Ipam.
Unidades de Conservação
Em 2023, Unidades de Conservação de Proteção Integral do Cerrado (UCs) – grupo composto por estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre – tiveram alta de 252% nos índices de desmatamento, atingindo quase 3 mil hectares. De toda área impactada no Cerrado em 2023, 5% foi em unidades de conservação.
“São espaços em que a supressão de vegetação, em regra, não deveria acontecer, pois seu principal objetivo é preservar a natureza, não sendo permitido qualquer atividade que cause prejuízo aos recursos naturais, apenas o uso indireto dos seus recursos”, explica Roberta Rocha.
Com relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável, a perda foi de mais de 49 mil hectares, e destes, 98% estão em Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Mesmo com uma redução de 9% na área desmatada em UCs de Uso Sustentável, em comparação a 2022, o grupo ainda concentra cerca de 94% do desmatamento nas UCs do Cerrado.
A UC com a maior área desmatada do país, em 2023, também está no Cerrado. A APA do Rio Preto, na Bahia, registrou um desmatamento de 14 mil hectares.
![Vista aérea de vegetação nativa do Cerrado nativo ao redor de um campo agrícola em Formosa do Rio Preto, na Bahia — Foto: Getty Images](https://cdn.statically.io/img/s2-umsoplaneta.glbimg.com/lqfRmAnulza03qBpAOallLmCXU8=/0x0:1024x698/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_7d5b9b5029304d27b7ef8a7f28b4d70f/internal_photos/bs/2023/a/W/qAu96SQ0mPUR8uGA2XBQ/gettyimages-1148990185.jpg)
Matopiba é área de pressão sobre o Cerrado
Desde o início de 2024, o Cerrado já ultrapassou 10 mil focos de queimadas, um aumento de 31% em comparação ao mesmo período no ano passado, segundo levantamento divulgado pelo WWF-Brasil em junho a partir de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em 2023, entre 1º de janeiro e 17 de junho, houve 8.157 focos.
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, os quatro estados que formam a região conhecida como Matopiba, concentraram 52,3% das queimadas detectadas no bioma.
O Tocantins teve aumento de 48% em comparação ao mesmo período em 2023, atingido por 2.707 focos de queimadas desde o início do ano. Contudo, os quatro estados do Matopiba tiveram aumento do número de focos de incêndios no Cerrado em comparação às médias do mesmo período nos quatro anos anteriores: +47% no Maranhão (1.615 focos), +57% no Tocantins (2.707 focos), +43% no Piauí (483 focos) e +16% na Bahia (771 focos), aponta o comunicado.