Folha de S. Paulo


Bibli�filo encontra vers�o in�dita de poema de Fernando Pessoa

Reprodu��o
Pessoa, em 1929, em foto do livro 'Fernando Pessoa. Uma Fotobiografia', de Maria Jos� de Lancastre
Pessoa, em 1929, em foto do livro 'Fernando Pessoa. Uma Fotobiografia', de Maria Jos� de Lancastre

A crise econ�mica em Portugal, que come�ou em 2008, fez surgir nos alfarrabistas –os sebos lusitanos– raridades de um tempo perdido. Documentos e livros raros de colecionadores, quase sempre an�nimos e precisando de dinheiro, brotaram da poeira dos s�culos.

Quem pode faz a festa nessas horas. Foi o caso do bibli�filo e advogado brasileiro Jos� Paulo Cavalcanti Filho. No ano passado, ele recebeu a liga��o de um alfarrabista portugu�s, que queria vender um "livro de aut�grafos" com um manuscrito de Fernando Pessoa na �ltima p�gina.

Alfarrabista � bicho esperto, mas �s vezes se engana. � verdade que nem Cavalcanti se deu conta, mas a poesia no caderno, que come�a com "Cada palavra dita � a voz de um morto" –aparentemente conhecida–, � uma vers�o in�dita de texto do qual at� hoje s� se conheciam rascunhos.

Arquivo Pessoal
� esq., um dos rascunhos do poema no acervo de Pessoa; � dir., o poema in�dito encontrado agora
Reprodu��o
� esq., um dos rascunhos do poema no acervo de Pessoa; � dir., o poema in�dito encontrado agora

Tamb�m � a �nica vers�o �ntegra e clara do poema. Para se ter ideia, mesmo quem n�o � especialista na caligrafia de Pessoa –que escrevia garranchos, �s vezes b�bado– consegue l�-la. Conclui-se, do documento, que o escritor registrou ali a vers�o final do texto. Nem o acervo do autor, guardado na Biblioteca Nacional de Portugal, tem a poesia.

O caderno ainda guarda uma hist�ria inusitada. Ele pertenceu a o intelectual portugu�s Jos� Os�rio de Castro e Oliveira. Aos 13 anos, em 1913, viajando do Rio a Lisboa, ele pedia para os passageiros escreverem o que quisessem.

O navio K�nig Wilhelm 2�, no qual estava Os�rio, era o mesmo em que Fernando Pessoa foi da �frica do Sul para Lisboa em 1901.

Jeca, como sua m�e lhe chamava, cresceu e continuou a usar o caderno. Em 1918, pediu a Pessoa para escrever algo –e ganhou o poema.

"Nem o dono do caderno nem o alfarrabista sabiam que o poema era in�dito. Sen�o, teria custado tr�s vezes mais", conta Cavalcanti, que n�o revela o valor pago. Antes disso, ele –que tem uma das maiores cole��es privadas de Pessoa do mundo (veja abaixo)– j� havia comprado a mesa e a escrivaninha do poeta por 95 mil euros (hoje R$ 365 mil).

assista

Nem o bibli�filo se deu conta do que tinha em m�os. Ele diz que foi depois de uma conversa com Richard Zenith, um dos principais estudiosos da obra pessoana no mundo, que resolveu checar.

A fonte de consulta nessas horas s�o as edi��es cr�ticas com a obra de Pessoa que a Casa da Moeda lusitana tem publicado nas �ltimas d�cadas. Quem olha o volume organizado por Jo�o Dion�sio, em 2005, com poemas de 1915 a 1920, pode atestar que a vers�o no documento � in�dita –e sem lacunas, como as conhecidas at� hoje.

Por via das d�vidas, a Folha pediu a Jer�nimo Pizarro, pesquisador da Universidade de Los Andes, na Col�mbia, e l�der de uma nova gera��o de estudiosos da obra do poeta, para avaliar uma imagem do documento.

"� a caligrafia de Pessoa sim. Ele devia ter dois ou tr�s rascunhos e, como tinha que deixar uma lembran�a nesse caderno, pegou os pap�is e registrou uma vers�o mais limpa. A descoberta esclarece muito a situa��o do poema", afirma Pizarro.

*

O poema

Cada palavra dita � a voz de um morto.
Aniquilou-se quem se n�o velou
Quem na voz, n�o em si, viveu absorto.
Se ser Homem � pouco, e grande s�
Em dar voz ao valor das nossas penas
E ao que de sonho e nosso fica em n�s
Do universo que por n�s ro�ou
Se � maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda � ser como o Destino
Que tem o sil�ncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.

Arquivo Pessoal
A primeira p�gina do caderno de aut�grafos do colecionador Jos� Paulo Cavalcanti
A primeira p�gina do caderno de aut�grafos do colecionador Jos� Paulo Cavalcanti

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