Folha de S. Paulo


1984

Lula, Fernando Henrique Cardoso e a Folha. Os tr�s convivendo em paz. Mais do que isso, embalados em uma mesma campanha. O jornal, crescendo rapidamente em circula��o e em prest�gio, � uma unanimidade na "sociedade civil".

O que hoje parece imposs�vel era realidade em 1984. O pano de fundo: as Diretas-J�. A Folha percebeu antes as oportunidades da abertura pol�tica e, enquanto os outros ve�culos da grande imprensa hesitavam, abra�ou a causa do voto direto para presidente da Rep�blica. Conquistou jovens e intelectuais. Virou o "jornal das Diretas".

Por alguns meses, as p�ginas de pol�tica ganharam um tom militante, rom�ntico e empolgado. A descri��o do com�cio na pra�a da S�, de 25 de janeiro de 1984, ocupou praticamente toda a capa do jornal no dia seguinte. O texto afirmava que o verdadeiro "her�i" da manifesta��o foi a "multid�o, as 300 mil pessoas que provaram ser poss�vel (e desej�vel) fazer pol�tica com amor, garra e alegria".

Quando a emenda constitucional que previa a elei��o direta n�o foi aprovada, em abril do mesmo ano, a manchete foi "A NA��O FRUSTRADA!", assim mesmo em letras mai�sculas, sob uma tarja que convidava o leitor a "usar preto pelo Congresso Nacional".

Trinta anos depois, parece que estamos falando de outro jornal. A Folha n�o se engaja mais em campanhas – a �ltima foi pelo impeachment de Fernando Collor– , busca um tom s�brio em pol�tica, e a camaradagem com Lula e FHC terminou quando cada um ocupou a Presid�ncia da Rep�blica.

Aquele texto sobre o grande com�cio da S� n�o passaria pelo editor e tamanho entusiasmo destoaria at� dos editoriais, em geral ponderados e comedidos. As circunst�ncias pol�ticas mudaram radicalmente. � dif�cil imaginar uma causa que obtivesse um consenso suprapartid�rio como o que havia para combater a ditadura. Conquistada a abertura, cada um foi para o seu lado e come�ou a disputa pelo poder, o que � da natureza do regime democr�tico.

Da mesma forma, a Folha n�o � mais unanimidade. Muitos dos que se apaixonaram pelo jornal nas Diretas-J� est�o hoje entre os seus cr�ticos mais ferozes. Sentem-se tra�dos pela metralhadora de den�ncias e de cr�ticas.

O distanciamento que se tomou dos partidos pol�ticos e dos chamados "formadores de opini�o" foi deliberado. Ainda em 1984, quando surfava na empolga��o das Diretas-J�, a Folha desafiou os anseios da "sociedade civil" ao n�o apoiar a candidatura de Tancredo Neves, que disputava com Paulo Maluf a Presid�ncia. Foi acusada de malufista.

No ano seguinte, cobriu a doen�a do presidente eleito com informa��es que contradiziam a tese oficial de que Tancredo estava melhorando. Foi acusada de agourenta e antipatri�tica ("M�dicos esfriam Tancredo" era a manchete de 16/04).

Nesse mesmo ano, o novo projeto editorial pregava que "n�o devemos ambicionar as unanimidades, mas sim o reconhecimento da identidade pela diferen�a". Com um �mpeto quase juvenil, o texto defendia que "praticar a cr�tica substantiva (...), contra tudo e contra todos, � obriga��o n�o apenas moral mas pol�tica do jornalismo, especialmente em um pa�s que as circunst�ncias dotaram t�o generosamente de problemas e de possibilidades".

� bom relembrar essas palavras 30 anos depois, quando acontecem elei��es presidenciais e uma Copa do Mundo. Impuseram-se ao jornal novos desafios, como manter a relev�ncia e a qualidade num mundo inundado por informa��o, mas "apartidarismo", "cr�tica" e "pluralidade" ainda s�o metas a serem perseguidas com afinco.

Mal come�ou o ano, as acusa��es j� esquentaram. Uns dizem que a Folha torce para que tudo d� errado na Copa, outros que o jornal serve de fornecedor de muni��o � oposi��o, enquanto um grupo v� a Reda��o rendida ao petismo. Que venham muitas cr�ticas, ajuda valiosa no trabalho de um ombudsman, mas que levem em conta aquilo a que a Folha se prop�e.


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