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'Felizes para sempre'? Casamentos duram cada vez menos no Brasil

A instituição casamento ainda está de pé no Brasil, mas o "para sempre" tem durado cada vez menos.

O UOL analisou dados do IBGE publicados nos últimos 20 anos e conversou com dezenas de pessoas para traçar um panorama dos relacionamentos de hoje.

O retrato é o de um país em que nunca se separou tanto nem se casou tanto de novo. Não há mais idade para tentar ser feliz.

Os dados de destaque são os seguintes:

  • 13,8 anos é o tempo médio que os brasileiros permanecem unidos formalmente - quatro anos a menos que em 2009
  • Quase metade (48%) dos divórcios em 2022 ocorreu entre casais com até dez anos de união -- em 2010, o índice era de 37%
  • Jovens solteiros estão se casando menos
  • Dobrou na última década o número de casamentos entre pessoas com mais de 40 anos
  • Entre divorciados, o número de casamentos aumentou 80%

Não à toa, o reality show "Casamento às Cegas", da Netflix, estreou uma temporada apenas com participantes que já tinham se casado antes — todos entre 30 e 40 anos.

"Os números mostram que o brasileiro não perdeu a esperança", diz a professora Marília Millan, do curso de psicologia da PUC-SP e chefe de um grupo de pesquisa sobre relacionamentos e família.

"Naturalizamos a ideia de se separar quando o casal não funciona mais, de não insistir e de tentar encontrar outros parceiros."

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Imagem: Arte/UOL

Experiência para tentar de novo

A empresária Karen Bozzano, 46, fala sorrindo do momento em que o atual marido, Filipe Trielli, 46, lhe perguntou se já tinha se casado na igreja.

"Foi no elevador, uns três dias depois de a gente se conhecer. Respondi que não e ele disse baixinho: 'Que bom'", conta ela.

Os dois se casaram no religioso e no civil, em 2023.

Ele, divorciado desde 2017, com dois filhos; ela, solteira desde os 32, depois de uma união estável de seis anos, mãe de um filho.

"Cheguei a pensar que ficaria sozinha", conta Karen. "E aí nos encontramos."

Karen Bozzano e Filipe Trielli, ambos com 46 anos, em seus segundos casamentos
Karen Bozzano e Filipe Trielli, ambos com 46 anos, em seus segundos casamentos Imagem: Keiny Andrade/UOL

"Hoje estamos comprometidos a superar os problemas, porque eles vêm. A maturidade traz isso. Casar não é 'final feliz' como nas comédias românticas. É aqui que começa", diz.

A fisioterapeuta Wilma Manduca, 62, conta que o segundo casamento lhe deixou uma lembrança amarga. Apesar disso, casou-se pela terceira vez aos 48.

"Tenho uma relação mais saudável. Enquanto a lista do bom estiver maior que a do ruim, a gente vai levando. Se não der certo, separo e caso de novo", brinca.

Wilma Manduca, 62, com o atual marido José Roberto Fernandes, 78. Ela está no terceiro casamento; ele, no segundo
Wilma Manduca, 62, com o atual marido José Roberto Fernandes, 78. Ela está no terceiro casamento; ele, no segundo Imagem: Rosane Torchio/UOL

Pessoas estão mais independentes

Demógrafa do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Sandra Maria Garcia observa que as novas gerações têm envelhecido com independência financeira e são mais propensas a tomar decisões que visam ao bem-estar.

Para o sociólogo Rhuann Fernandes, professor na Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, o casamento nos moldes tradicionais está ficando de lado na era do individualismo.

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Imagem: Arte/UOL

"É a sensação de invasão ou de sufoco, quando acabam sendo afetadas a liberdade e a autonomia dos parceiros", ele explica.

Para Fernandes, a pandemia apenas acelerou uma tendência entre as mulheres.

"O casamento como meta de vida, historicamente naturalizado na biografia feminina, vai cedendo espaço para a ideia de projeto pessoal. Quando esse projeto se torna incompatível com o do parceiro, a gente tende a um término ou à alteração da relação", explica Rhuann.

Luiz Alberto Gomes, 32
Luiz Alberto Gomes, 32 Imagem: Keiny Andrade/UOL

Amor romântico em segundo plano

Aos 32 anos, o gerente de produto Luiz Alberto Gomes entende o período do pós-divórcio como um momento de autoconhecimento.

Foi a partir das sessões de terapia que ele colocou fim no casamento de cinco anos.

"Modificou minha visão sobre relação, meus limites, o que eu aceitava e tinha como prioridade ou não", explica Luiz.

Ele se casou aos 26 anos, com cerimônia ecumênica e registro civil.

"Minha mãe achava que éramos muitos novos, mas a gente tinha gostos e ritmos de vida parecidos. Demos o próximo passo porque muita coisa caminhava em conjunto", afirma.

Os conflitos, porém, mostraram outras nuances da vida a dois.

"Ninguém casa pensando em se separar, mas o registro no civil foi importante para dar segurança jurídica no momento que tivemos que resolver questões legais."

Até os 40, ele planeja se casar novamente de papel passado, mas com outro olhar.

"Tirei um pouco desse lugar do amor romântico, de a pessoa ser o centro da sua vida. É manter um espaço que seja meu e ainda assim construir algo junto", diz.

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Prioridades mudaram

O estranhamento da mãe de Luiz com o casamento aos 26 não foi à toa.

Enquanto os dados confirmam que adultos 40+ ainda veem o casamento como um objetivo — na segunda ou terceira tentativas -, os mais jovens têm feito o caminho contrário.

A faixa etária dos 25 a 29 anos representava 30% de todos os casamentos no Brasil em 2012. Dez anos depois, ela corresponde a 20%, segundo o IBGE.

Os números brasileiros coincidem com dados da pesquisa "Futuro do Namoro", produzida pelo app de relacionamentos Tinder, que ouviu 4.000 entrevistados dos EUA, Reino Unido, Austrália e Canadá em 2023.

Para aqueles com idades entre 18 a 25 anos, casar aparece em décimo lugar na lista de objetivos de curto e longo prazo.

Para 69% da geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010), os padrões de relacionamento "precisam se atualizar para se adequar à sociedade mais moderna e diversificada".

"Os casamentos atualmente trazem uma inédita fluidez e flexibilidade. O compromisso do tipo 'até que a morte os separe' parece cada vez mais uma armadilha que as pessoas evitam a todo custo", observa o sociólogo Rhuann Fernandes.

Por isso, diz ele, é que crescem os divórcios, as relações sem registro formal e os relacionamentos em que as pessoas preferem viver em casas separadas.

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Imagem: Arte/UOL

Casar e descasar se tornou comum

Aos poucos, esses padrões se espraiam para outras gerações.

A empregada doméstica Edina Silva, 64, ficou casada por 28 anos. Teve três filhos. Com o tempo, foi crescendo o incômodo com a relação.

"A vida a dois é bem delicada. Ele era uma pessoa muito boa, muito trabalhadora, mas não tinha tempo para a família. Antes porque bebia, depois por causa da religião. Foi esfriando."

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Imagem: Arte/UOL

Passou cinco anos sem se relacionar, mas tendo uma vida mais agitada que a dos filhos aos sábados à noite.

Foi o tempo necessário para viver novas aventuras. Namorou um pouco, largou o parceiro ciumento e, por fim, casou-se na igreja com um viúvo trinta anos mais velho — casar de véu e grinalda era seu sonho antigo.

Quando o fogo dos primeiros anos se apagou, separou-se novamente.

Com o namorado novo, Edina quer "se juntar", sem festa nem papel passado.

"Meu sonho eu já realizei. Quero apenas um companheiro."

Vários tipos de união

Para o IBGE, casamento é a mudança de estado civil, com a assinatura de um contrato formal.

Para muitos brasileiros, porém, casamento já é morar junto e/ou assinar uma união estável — forma menos burocrática e mais prática de união.

Serve, por exemplo, para dividir o plano de saúde.

Em 1970, cerca de 7% dos pares viviam uniões estáveis. Em 2010, esse percentual saltou para 36,4%, de acordo com os dados do Censo.

Ainda assim, 32,4% dos brasileiros vivem uma união estável sem nenhum tipo de registro.

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Imagem: Arte/UOL

Mesmo com recordes, casamentos entre pessoas LGBTQIA+ correspondem a apenas 1,1% dos matrimônios no Brasil.

Os números da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) foram compilados pela pesquisadora Joice Melo Vieira, da Unicamp.

Vida prática fala alto

A cantora Camila Toledo, 40, viveu uma união estável por quatro anos.

"Já nos considerávamos casados por morar juntos", diz. "A gente pensava em fazer a celebração, mas, como é muito cara, não virou uma prioridade."

Camila Toledo, 40
Camila Toledo, 40 Imagem: Keiny Andrade/UOL

"É a crise do simbólico", afirma a psicanalista Maria Homem.

"A gente duvida das lideranças, das instituições, das autoridades. A vida é essa mesma, então a gente quer aproveitar todas as possibilidades."

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