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Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido, e Marciele Albuquerque, do Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido, e Marciele Albuquerque, do Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Os bois Garantido e Caprichoso, do Festival Folclórico de Parintins, proporcionam anualmente uma das maiores manifestações culturais do mundo. O evento, famoso pelo espetáculo e pela competitividade entre os bois, leva para 35 mil pessoas no Bumbódromo do município (a 369 quilômetros de Manaus), enredos sobre a preservação da natureza e histórias da colonização do Brasil.

Tradicionalmente realizada no último fim de semana de junho, o evento foi cancelado pelo segundo ano consecutivo por conta da Covid-19. Para manter a essência da cultura popular, será feita a Parintins Live 2021 neste sábado (26), um ato simbólico e sem competição. A a live será transmitida a partir das 22h (Brasília) pela TV A Crítica no YouTube.

A forma on-line da festa, reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), será também uma forma do povo amazônida se pronunciar artisticamente sobre o recorde de queimadas na floresta durante a pandemia.

Entre os itens levados à arena estão as cunhãs-porangas de cada boi, que são como “rainhas de bateria”, representando força e beleza. Em conversa com Quem, para o projeto Um Só Planeta, Isabelle Nogueira (Garantido) e Marciele Albuquerque (Caprichoso) destacam a importância do Festival de Parintins para a conscientização ambiental e preservação da Amazônia.

“A gente conta no Bumbódromo de uma forma muito lúdica a história primitiva dos povos, a colonização, a invasão… é como uma aula sobre nossa identidade, como o brasileiro foi gerado, abordando história, geografia e ciências. A gente fala sobre desmatamento e ensina a ‘desmatar’. Mostramos o homem branco desmatando com machado e máquinas. Por outro lado, a gente mostra o correto, com o exemplo das tribos indígenas e com o curupira, o protetor da mata. Nossas canções [chamadas no festival de toadas] são sobre como preservar, sobre a Amazônia. É a forma de inserir na cultura esse debate tão importante”, explica Isabelle, de 28 anos.

“O item cunhã-poranga representa a índia mais bonita da aldeia. Ela é uma guerreira e, ao mesmo tempo, tem carisma. Mas a gente vai além disso, da cultura para a representatividade. A importância da cunhã-poranga para o festival é poder levantar a bandeira da resistência indígena, mostrar que a gente está lutando, sempre aqui, que ninguém vai largar a mão de ninguém. A gente sai da arena para o mundo real”, afirma Marciele, de 27.

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Nascidas na região, as cunhãs dizem que o mundo alerta atualmente para o que os amazônidas já chamam atenção há cerca de 20 anos. Isabelle e Marciele afirmam ainda que o povo local não é ouvido como deveria, que é “esquecido”.

“A floresta é a grande maloca [habitação por várias famílias indígenas] do mundo inteiro. Hoje fala-se muito sobre aquecimento global para o mundo todo, para os brancos principalmente. Mas nós aqui já falamos sobre isso desde o começo dos anos 1990, principalmente na arena. Falamos sobre como o homem desmata, a questão do carbono, dos combustíveis, da água, das terras indígenas… é tudo o que as pessoas vêm ouvindo, mas de uma forma cantada e divertida”, conta a cunhã do-poranga do Garantido.

“O mundo todo falou da Amazônia durante a pandemia, vários artistas internacionais, mas nós já sabíamos. Nós, amazônidas, acreditamos que ainda existe um grande preconceito com o povo da floresta no Brasil inteiro, não somos ouvidos como deveríamos. Fazemos parte de um Brasil que é esquecido, somos vistos como minoria. As pessoas querem lutar pela Amazônia agora. Não tem que lutar quando a floresta está em fogo, mas quando ainda está em pé”, acredita.

“O boi desde quando começou sempre foi um tema que ele abordou muito. As toadas, os temas desenvolvidos na arena, sempre foram voltados para a preservação da nossa Amazônia. Nós vivemos no pulmão do mundo. A gente vê o tema que é abordado por muitos, mas não é discutido. O boi é uma porta de entrada para mostrar a importância da conscientização ambiental. A gente vive e tem experiência pra falar sobre isso”, garante o ícone do Caprichoso.

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

No dia a dia, Isabelle e Marciele percebem que brasileiros e estrangeiros sequer entendem a localização da Amazônia e como os biomas são divididos. As cunhãs acreditam que parte do desinteresse em preservar a floresta vem do desconhecimento sobre as riquezas naturais. “O brasileiro viaja o mundo todo, mas não vem para a Amazônia, para Manaus. Claro que fora do Brasil tem lugares incríveis, mas tem gente que diz que aqui é quente, tem muito mosquito e não tem o que fazer”, diz Isabelle.

“Toda vez que eu viajo as pessoas acham que a Amazônia é o Pantanal, até mesmo quem é do Brasil. Na época das queimadas, no ano passado, me perguntavam se a situação já tinha normalizado aqui. Sempre falo pras pessoas conhecerem a Amazônia. É tudo muito lindo, e ver é melhor do que ouvir falar. As pessoas precisam ter a noção de que a gente mora aqui, mas não é só nosso. O compromisso de cuidar não é só de quem é daqui”, destaca Marciele.

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

As cunhãs afirmam ter intimidade com a natureza, algo que acreditam ser comum ao povo amazônida. Segundo elas, a relação com o meio ambiente está ligada ao seu instinto de preservação.

“A gente vê a Amazônia, nossa terra, como um solo sagrado que a gente ama. A natureza é divina, um presente. Eu ouço os animais, sei o que eles estão pensando. Parece que é algo anormal, mas para quem vive aqui é muito comum. Abraço as árvores, elogio as plantas… eles são seres como nós. Tenho uma intimidade com a natureza como uma relação de mãe e filha. Agora também se fala sobre a energia de andar descalço para sentir a energia do solo, mas isso também já é vivido aqui há muito tempo”, analisa Isabelle.

“Aqui no Amazonas, nos municípios ao redor, os caboclos e ribeirinhos têm um amor pela Amazônia que não é ensinado. Eles nascem com isso. Cresci no interior de Juruti, na fronteira do Pará com o Amazonas. Minha família até hoje vive da roça, mas não se vê nenhuma queimada ou área desmatada que não seja replantada. Trago isso comigo dos meus ancestrais. Procuro rever minhas ações, o que tenho feito e o que posso fazer para contribuir para a Amazônia, e tento conscientizar quem convive comigo e meu público sobre questões ambientais. Quero que eles consigam ver a mesma importância que eu vejo na preservação”, reflete Marciele.

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Tino Guimarães/Reprodução)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Os ícones do Caprichoso e do Garantido ensinam em seus perfis no Instagram as atitudes sustentáveis que adotaram, desejando cada uma que seus mais de 100 mil seguidores adotem a mesma consciência ambiental.

“Não como carne de boi. Mesmo sendo muito saborosa, a gente acaba apoiando fazendeiros e desmatamento. Como mais peixes da minha região do que qualquer coisa. Mas sei que é delicado abordar a questão alimentar de cada um, sabendo que tem gente que passa fome. Controlo o gasto de energia elétrica, tomo banho de rio sempre que posso, apoio empresas que investem na Amazônia e compro produtos que não são testados em animais. Não precisa fazer muito para ajudar”, detalha Isabelle.

“São os pequenos hábitos que a gente acha que não vai ter impacto, como diminuir o uso da sacola plástica e corrigir alguém quanto ao desperdício de água. Sempre descubro que posso fazer mais. Meu papel como cunhã-poranga e influencer, já que o item me trouxe esse presente, é usar minha voz para mostrar às pessoas que a gente vai ter consequências boas ou ruins do modo como tratamos a natureza”, conclui Marciele.

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Reprodução/Instagram)

Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do boi Garantido (Foto: Mauro Jorge/Reprodução)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)

Marciele Albuquerque, cunhã-poranga do boi Caprichoso (Foto: Reprodução/Instagram)