• Marina Bonini (@marina_bonini)
Atualizado em
André Ramiro (Foto: Julia Gama/Divulgaçãp)

André Ramiro (Foto: Julia Gama/Divulgaçãp)

Nas telinhas como o professor de história Celso de Malhação - Toda a Forma de Amar, André Ramiro tem levantado questões sociais importantes em suas cenas. O ator e rapper, que nasceu em um bairro humilde do Rio de Janeiro, conta que o engajamento em lutas sociais sempre esteve presente em sua vida.

“O engajamento sempre fez parte minha vida de alguma forma desde que entrei pro movimento hip-hop. Tento fazer o melhor que posso com minha música, minha família e amigos. Ninguém é perfeito e tão pouco eu sou, claro. O mais importante é dar o seu melhor sempre por si mesmo e pelo próximo quando tivermos a oportunidade pra isso”, avalia.

A inspiração para o personagem veio de dentro de casa, de sua mãe, Dona Madalena. “Minha mãe sempre foi uma mulher guerreira, de sorriso largo, personalidade singular e questionadora. Ela sempre foi minha heroína, minha grande referência. No início da minha juventude, a cultura hip-hop também foi uma grande escola pra mim e fundamental pro desenvolvimento do meu intelecto. Fortificou e lapidou ainda mais o meu caráter questionador aprendido dentro de casa. Minhas grandes referências históricas e humanitárias são Jesus Cristo, Gandhi, Martin Luther King, Malcolm X, Nelson Mandela entre outros nomes. Todas essas referências me motivam todos os dias.”

Com uma carreira sólida e de sucesso desde sua estreia no cinema em Tropa de Elite (2007) como o policial André Mathias, Ramiro relembra como foi conquistar o seu espaço como ator. “Quando decidi ser ator, tive o apoio de pouquíssimas pessoas que me cercavam. Só que o mais importante para mim foi resolver minhas questões internas, minhas questões familiares. A maior conquista ou desafio sempre será com você mesmo”, avalia ele, que precisou trabalhar a segurança em si mesmo para ter coragem de lutar por seus sonhos.

“Tive que ter muita fé em Deus e em mim mesmo, na minha capacidade de aprender e realizar. Depois tive que adquirir autoestima, aceitar e ter ciência de minha beleza própria. Todos nós somos belos, cada um com seu perfil e a sua maneira. Faço esse exercício na frente do espelho todos os dias.” 

Atualmente, ele luta por mais espaço e oportunidades como portagonista de produções que não se limitem aos temas de escravidão ou periferia.

“Quero personagens e histórias que me permitam exercer meu protagonismo no teatro, cinema ou TV, seja em drama, ação, terror ou até mesmo comédia, que por sinal amo fazer. Em quinze anos de carreira venho construindo um novo caminho como ator, contrário ao estigma negativo do homem negro violento com uma arma na mão ou até mesmo o personagem policial. Sou ator e posso fazer qualquer tipo de papel desde que haja oportunidade”, avalia. 

Para jovens carentes e negros que sonham em percorrer o mesmo caminho que ele, Ramiro diz que é necessário traçar metas, estudar muito e nunca deixar o pensamento negativo te dominar. “É importantíssimo nunca deixar de sonhar. Ao invés de pensar negativamente que não vai conseguir tal coisa, porque não tem dinheiro ou oportunidade, pense em como você quer estar daqui dez anos. Depois trace metas, pesquise muito, saiba qual é o passo a passo e suba um degrau de cada vez. E por último, não dê atenção pra pensamentos negativos, crenças limitantes ou pessoas negativas que sempre te jogam pra baixo. Se puder, se afaste delas.”

André Ramiro (Foto: Julia Gama/Divulgaçãp)

André Ramiro (Foto: Julia Gama/Divulgaçãp)

Malhação tem um alcance bom no público mais jovem. Você tem recebido retorno deles em relação a esses debates sociais que o Celso levanta?
O retorno da juventude sempre foi e continua sendo bastante positivo nas ruas ou até mesmo nas redes sociais. Não apenas por causa dos debates, mas pela identificação, por minha imagem e origem dialogarem naturalmente com a maioria da população jovem e até mesmo adulta do nosso país, composta de negros e negras, oriundos das periferias. É muito gratificante quando seu trabalho afeta positivamente a vida dessas pessoas. Só tenho a agradecer!
 
O que você acha das cotas raciais, tema que já foi discutido por seu personagem?
Extremamente necessárias em um país como o Brasil. Um dos últimos países à abolir a escravidão, que além de traumas e preconceitos existentes mesmo no século XXI, gerou falta de oportunidades e pouca chance de uma competição justa para o mercado de trabalho. Vejo pessoas criticando as cotas como se os poucos alunos contemplados por elas não tivessem que estudar muito pra conquistar seu espaço, alunos esses que sem desperdiçar a chance que tiveram comprovaram em estatísticas a eficácia dessa medida com as melhores notas. Esses alunos, além de terem que trabalhar pra ajudar no sustento de suas família, enfrentam conduções lotadas pra irem às faculdades. Eles têm muita força de vontade de alcançar o nível superior e mudar o quadro de vida de sua família pra melhor. Não existe meritocracia sem igualdade de direitos e oportunidade pra todos. O sistema de cotas não é nenhum tipo de favor, afinal não pagamos todos impostos? É apenas uma tentativa de reparação histórica que está longe de ser a ideal, mas a princípio necessária até alcançarmos igualdade social nesse país. Acredito ser ainda uma questão de empatia humana. Ainda temos muito a fazer, muito que mudar e muito a trabalhar nesse país.

Seus personagens costumam ser fortes e estar em produções que debatem questões sociais e políticas. Você tem o costume mesmo de selecionar os seus personagens conforme tais requisitos?
É importante fazer parte de trabalhos que tenham algo a dizer, mas não necessariamente seleciono meus personagens conforme os requisitos citados. O que tenho traçado como meta em minha carreira são novas oportunidades e personagens que me ofereçam um novo desafio, uma nova conquista. Graças Deus, com muito esforço e dedicação, acredito que estou conseguindo cumprir essa meta.
 
Quem eram as suas referências como ator?
Minhas referências como ator são Milton Gonçalves, Grande Otelo, Mussum, Sidney Poitier, Will Smith e Denzel Washington. 

Muitos atores negros falam das mudanças positivas no cenário artístico que vem dando espaço para que negros interpretem papéis que não se limitem a pessoas que trabalham com serviço gerais ou escravidão. Como vê essa mudança tardia, mas necessária?
Embora longe do ideal, é fato que o protagonismo negro no Brasil vem sendo conquistado com senso de união, força de vontade e muito esforço. A arte também serve pra motivar uma nação a construir e criar uma nova realidade mesmo que a princípio não pareça comum. O ideal é termos cada vez mais negros e negras ocupando as esferas de poder. Pra isso é necessário mais negros na Política, na Medicina, no Direito, no Legislativo… Assim como mais donos de empresas, donos de redes televisivas, mais roteiristas, escritores e diretores de TV, que estejam defendendo sua própria narrativa e sua cultura. Vejo que essa nova geração de jovens está mais conectada com esse objetivo. Todos já sabemos de cor e salteado sobre os malefícios históricos da escravidão no mundo, já vimos em todos os filmes, novelas, peças e livros sobre esse assunto. Já passou da hora de ressaltarmos a realeza do povo preto, nossa nobreza, nossa beleza, nossa cultura, nossas conquistas e mudarmos esse quadro negativo pra melhor. Enquanto não houver oportunidades e justiça de maneira igualitária pra todos, não haverá a verdadeira paz. 
 
Estamos passando por um momento crítico para o mundo todo e a Globo suspendeu as gravações de suas produções. Como estava o clima no último dia de gravações?
Infelizmente tivemos que encerrar as gravações de Malhação às pressas por causa da pandemia do coronavírus. O clima no set foi de comoção e gratidão entre todos. Estávamos cientes de que a Rede Globo estava tomando a decisão necessária para preservação da saúde e segurança de seus funcionários. Foi uma honra interpretar um professor tão representativo quanto Celso sabendo o quão importante os profissionais de Educação são na vida dos alunos e pra formação de uma nação.
 
Quais suas maiores preocupações durante essa quarentena? Os familiares estão com você?
Minha maior preocupação além dos cuidados necessários com a higiene, saúde ou do risco de contrair e transmitir o vírus, tem sido manter a sanidade mental em meio ao bombardeiro de tantas notícias ruins. Tenho lido bastante, maratonando filmes e séries, escrito novas músicas, me exercitado em casa, trocado bastante com os amigos em lives ou grupos de WhatsApp e saído o mínimo possível de casa, só pra fazer o necessário na rua. Estou em casa com minha companheira e mantendo contato constante com minha família por telefone e redes sociais. Aproveito a oportunidade pra fazer um apelo pra quem pode, claro: vamos todos ficar em casa, cuidando da nossa higiene e aproveitando o nosso tempo da melhor forma se possível do lado de quem amamos. O assunto é sério e precisamos nos unir pra que essa onda passe da melhor forma possível.
 
Quais são os seus projetos após o controle dessa pandemia?
Voltar a vida normal, ter meus filhos em casa, voltar a treinar jiu-jitsu, nadar no mar, correr na areia e voltar a trabalhar. Estou selecionado a princípio pra quatro produções entre filmes e séries que serão filmados em agora em 2020, além disso, estou produzindo meu novo álbum de rap, produzido por Hiroshi Mizutani.

André Ramiro (Foto: Julia Gama/Divulgaçãp)

André Ramiro (Foto: Julia Gama/Divulgaçãp)