• Raquel Pinheiro (@raquelpinheiroloureiro)
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Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo)

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo)


Jonas Bloch tem cinco décadas de carreira e muita história para contar - que ele relata com bom humor e uma memória impecável na sala de sua casa, no Rio. Entre um caso e outro, o ator, no ar como o Eric de Bom Sucesso, relembra o começo na profissão, fala de política e da vida familiar, e ensina o segredo da disposição aos 80 anos. "Não paro de trabalhar. Idade, às vezes, está na cabeça", garante.

Pai de duas filhas, Débora Bloch, atriz como ele, e Deni, Jonas  é daqueles que deixa os netos fazerem do avô coruja gato e sapato. “Eles têm todo o direito”, defende, rindo. “Eu preciso de babador. Tenho quatro netos, duas filhas, tenho um filho da minha mulher e uma filha de coração. É o núcleo”, derrete-se ele, que é casado com Sylvia Vianna. “Ela foi muito importante para a minha trajetória. Para mim, foi AS/DS, Antes de Sylvia e Depois de Sylvia.  Minha vida mudou completamente”, conta Jonas, ainda encantado com a mulher após 25 anos de casamento.

Os dois vivem entre o Rio e Lavras Novas, em Minas Gerais, onde o ator chegou a ser dono de uma pousada e ainda tem um ateliê, se dedicando à pintura e as esculturas. Mas Jonas, não faz planos definitivos para o futuro. “Só quero o que me faça feliz”, afirma ele, que tem  comédia para ser lançada nos cinemas, Hermanoteu, e estará em Desalma, série do Globoplay. No momento se dedica a escrever “historinhas de bastidores”. “Já tenho 62; peço aos colegas e ninguém lembra”, conta o ator que diz com ter deixado de lado algumas vaidades do início da carreira. Dá menos entrevistas, por exemplo.

“É claro que você quer dar opinião, participar de tudo, estar presente na sociedade. E uma entrevista te coloca e pode influenciar pessoas no sentido que você acha que é mais digno, mais moralmente viável e mais justo”, diz Jonas, que teve uma peça censurada na ditatura e, já fez campanha para o PT. Hoje, o ator pensa que não tem que ficar ligado a partidos e critica com veemência o atual governo – em duas horas de entrevista, ele não menciona o nome do presidente Jair Bolsanaro, a quem faz duras críticas e se refere, na maioria das vezes, apenas como “ele”. “Foi eleita uma pessoa incapacitada para qualquer cargo”, afirma.

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo/Reginaldo Teixeira)

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo/Reginaldo Teixeira)

No seu Instagram, você fala muito sobre a situação política do país. O que pensa sobre o Brasil de hoje?
O povo brasileiro cometeu um grave engano. Foi eleita uma pessoa incapacitada para qualquer cargo, que não tem a menor noção do que seja o cargo que ele ocupa e só nos envergonha. Que acha que foi eleito porque tinha um inimigo, o PT, então continua criando inimigos para disfarçar a sua incompetência, as trapalhadas que faz, o baixo nível que é. Uma pessoa que não respeita o povo brasileiro, que é capaz de dizer ‘eu vou botar meu filho mesmo como embaixador, e daí?’, como se aquilo lá fosse propriedade dele. Ele esquece que é meu funcionário, eu pago imposto para pagar o salário dele. Ele não sabe o que é democracia. Se as pessoas soubessem o que significa o general Ustra (Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército condenado por sequestro e tortura na ditadura), o terror que esse cara fez, as barbaridades…E essa pessoa, que se diz presidente, elogia uma coisa desse tipo. Eu tenho nojo. Nojo. Nojo.

Você sempre foi um cidadão político?
Sempre. Meus espetáculos tinham isso. É uma coisa minha. É um tipo de cidadão engajado, que faz parte da história. Eu deixei de me considerar do PT, mas já fiz campanha. É uma pena que o povo brasileiro não entenda que existem outras maneiras de pensar e que tenham trocado a palavra esquerda como se fosse uma coisa negativa. Uma opinião contrária levanta um tipo de ódio que dá a impressão que querem o pensamento único. Isso, sim, é uma ditadura. O pior é que nem sabem o que significa esquerda. O fato de alguns líderes de esquerda terem errado não significa que a ideia 'esquerda' está errada. O fato de ter um Stalin, ou ter um Maduro ou sei lá quem, não significa que a ideia esteja errada. O mesmo vale para a direita.

Por que deixou de se considerar PT?
Eu comecei a achar que eu não tinha mais que ficar ligado a um partido. Foi mudando, pouco a pouco. Eu acho que a gente tem sido manipulado o tempo todo por todos os lados.

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo)

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo)

É papel do artista se posicionar politicamente?
Na minha opinião, sim. Ninguém é obrigado a nada, mas eu acho que você tem uma representação, você tem uma função social. Você mexe com ideias e sentimentos, com a tua história e a história do teu país. Se você não for um egocêntrico, você faz parte disso tudo. Um artista cidadão participa. Não quer dizer que ele é obrigado a fazer teatro político o tempo todo, até porque, na verdade, qualquer obra traz uma coisa política dentro dela. É uma visão de mundo. Quem tem voz deveria usá-la.

Acredita que a sociedade avançou? A sua profissão avançou?
A gente já avançou bastante. Na nossa novela, quando eu vejo um galã negro, como o David Junior fazendo um trabalho tão bonito,  fico feliz porque eu vi muito preconceito na minha época. Eu fui formado para ser preconceituoso, mas não absorvi essa coisa horrorosa. É uma maneira primária de enxergar o ser humano. Racistas se acham superiores, mas jamais chegarão aos pés de um Machado de Assis, de um Obama. A presença de atores negros e agora de atores deficientes, trans, tudo isso faz com que o público evolua. Você amplia a visão das pessoas sobre aquele universo.

Como você encontrou o caminho da arte?
Meus avós vieram da Ucrânia, e não tive o apoio da minha família, apesar de ter uma certa veia artística nela. Na época, o padrão era ser médico, engenheiro ou advogado. Perdi meu pai muito cedo, eu tive padrasto. Uma hora ele disse ‘você vai escolher a carreira que você quiser, pode ser sapateiro, mas você vai estudar para você ser um bom sapateiro’. E eu disse ‘quero ser ator’. Já viu, né? (risos). As coisas complicaram a ponto de já fazendo Belas-Artes, meu padrasto me obrigar a ir para o Exército para cortar meu caminho.

Antônio Fagundes e Jonas Bloch em Bom Sucesso (Foto: Divulgação/TV Globo/Raquel Cunha)

Antônio Fagundes e Jonas Bloch em Bom Sucesso (Foto: Divulgação/TV Globo/Raquel Cunha)

Gostou da experiência no Exército?
Eu fiquei três meses na tropa, e outros nove meses como tradutor da Escola Superior de Guerra. Eu não traduzia nada, na verdade eu trabalhei de auxiliar de um tenente. A minha experiência não foi muito boa, não. Eu não saí muito feliz dali. Para que um soldado obedeça e cumpra ordens às vezes absurdas é preciso tratá-lo de um jeito brutal. E aí, sinceramente, não me agradou muito, não. . Mas acabou o Exército, eu fui embora de casa e fui seguir o meu caminho.

Você conseguiu reatar essa relação com seu padrasto?
Mais ou menos. Nunca consegui guardar muito rancor, ódio. Me parece que as pessoas que fazem essas coisas negativas são tão pequenas que eu olho com certa comiseração, indiferença. Não levo, não posso carregar aquilo comigo. Eu deixo isso fora de mim. Senão, viro uma pessoa amarga. Mas no dia que esse meu padrasto me viu com casa lotada e um livro sendo autografado, ele reconheceu que alguma coisa tinha ali que ele não tinha percebido. Já minha mãe sempre foi fã, tiete.

Precisou ter outros empregos enquanto a carreira não engrenava?
Quando eu comecei, os atores não viviam só de teatro e televisão, sempre tinham um segundo trabalho. E eu sempre, não sei como, tive uma confiança absoluta de que tudo iria dar certo, que esse lugar era meu mesmo. Tive muita sorte, porque não fiquei preso a um veículo só. Trabalhei em loja, mas comecei a viajar com os espetáculos e todo mundo falava que tinha que me profissionalizar. Já tinha duas filhas. Não quis ir para o Rio, porque eu não queria fazer televisão. Fui para São Paulo porque lá tinha um bom teatro.

Jonas Bloch na peça Hamlet (Foto: Reprodução Instagram)

Jonas Bloch na peça Hamlet (Foto: Reprodução Instagram)

Era preconceito com a televisão?
Não. Acho a nossa televisão de primeiríssima qualidade. Agora, então, com essas minisséries, só quero minissérie (risos).  Eu queria era fazer teatro. Mas um chegou uma hora que um diretor não me chamou para um papel porque o produtor queria uma pessoa de TV e que a peça com a qual eu queria viajar só tinha apoio com alguém de televisão no elenco. E aí eu fui bater na porta da televisão.

Você fez muito vilões na sua carreira...
Fiz muitos, mas não só eles. Agora está acontecendo uma coisa engraçada, eu faço vilão ou padre. Em Desalma sou um padre ortodoxo, no filme O Escaravelho do Diabo foi outro, em Se Eu Fechar os Olhos Agora foi um bispo, e no filme Hermanoteu um cardeal que virava papa. No próximo, vou ter que ser Deus, né? (risos)

Você tem religião?
Não pratico o judaísmo, não frequento sinagoga. Sou ateu. Mas respeito muito, acho uma religião linda. Já fui a Israel duas vezes e me emocionei, não só pelo fato de ser judeu, mas por tudo, pela história. Quando passei na Via Dolorosa, nossa... Tem uma carga histórica ali muito forte. Na primeira ida, na década de 1960, ainda era tudo muito novo, a independência, o orgulho com que as pessoas vestiam aquele uniforme, a dança. Era de uma vibração, uma energia. Aquilo mexeu muito comigo.

Jonas Bloch e Grazi Massafera em Bom Sucesso (Foto: Divulgação/TV Globo/João Mguel Junior)

Jonas Bloch e Grazi Massafera em Bom Sucesso (Foto: Divulgação/TV Globo/João Mguel Junior)

Já foi vítima de antissemitismo? Ouviu piadas preconceituosas?
Tem gente que acha que está fazendo gracinha. Mas eu não passo recibo, não. Tem umas pessoas que se acham importantes procurando achar quem possam diminuir. E a pessoa não vê como ela é pequena fazendo uma coisa dessas, né? Mas teve uma vez eu me senti incomodado, sim.

O que houve?
Olha, eu tinha sido convidado para ver uma peça e, chegando lá disse ‘fui convidado pelo ator tal’, me deram um convite. E a produtora veio e fez uma piada, como se eu estivesse fazendo aquilo por ser judeu. Ali me incomodou. Me incomodou porque, na hora em que ela fez o comentário, eu senti um ator ou outro dando um sorrisinho, como se estivessem achando engraçada a situação. O detalhe é que essa mesma produtora depois me chamou para fazer uma leitura de peça sem pagar nada. A verdade é filha do tempo, não da autoridade.

Sente-se querido pelo público?
As pessoas se aproximam de mim com muito carinho. É tão forte, é tão significativo. Me dá uma alegria ver o povão se aproximando, e eu falo povão porque a classe média tem um certo pudor, acha que é cafona falar com o artista.

Débora virou atriz por influência sua...
É porque eu criei sozinho duas filhas. Aí quando não tinha empregada iam para o teatro, ficavam no camarim, os atores todos paparicando. A Deborah viu Sonho de uma Noite de Verão 50 vezes. Mas ela gostava, também. Não é só que eu levava.

Jonas Bloch com a neta Júlia e as filhas Debora e Deni (Foto: Reprodução Instagram)

Jonas Bloch com a neta Júlia e as filhas Debora e Deni (Foto: Reprodução Instagram)

Em entrevista a QUEM, Débora disse que sua casa era “hippie, maravilhosa, engraçada”.
Era. Mas deu certo, né? As duas são maravilhosas. Eu não sabia nem cuidar de mim direito, imagina cuidar de duas meninas! Mas a gente encontrou uma convivência muito legal e muito amorosa. E muito aberta, também. E deu certo. Basta ver o que as duas são: pessoas encantadoras, maravilhosas. Elas foram morar comigo a Débora tinha 9 ans e a Deni tinha 6. Teve um ano que um jornal me elegeu a mãe do ano. Aí, vieram fazer uma matéria e eu disse que não sabia se tinha sido boa mãe ou não. E a Débora me mandou flores com um cartão dizendo 'você foi uma ótima mãe'.

O que pensa da paternidade?
É uma coisa difícil. Mas eu acho que são duas coisas fundamentais para a formação de uma pessoa. Primeiro, o amor, que supera milhões de obstáculos. E segundo, o exemplo. Tem muita gente que fala ‘faça isso’, mas no seu comportamento pessoal não corresponde. Tendo amor e tendo exemplo, mesmo que você erre muito alguma coisa acaba dando certo. A Deb e a Dani estão hoje tão engajadas politicamente, é um motivo de orgulho meu. É porque me acompanharam na minha trajetória, têm uma formação inteligente, de pessoas que se situam, que se informam. Mas a base é amor e exemplo.

Qual o segredo da vitalidade aos 80 anos?
Eu raspo bastão de guaraná todo dia. Tenho um histórico de exercício físico, joguei basquete no juvenil do Flamengo na adolescência. Fiz muita aula de dança e de expressão corporal, um pouco de academia, hoje estou no pilates. Tenho uma alimentação que não como muita porcaria, e tomo duas taças de vinho à noite, o que também ajuda a dormir. E tem prazer de estar fazendo aquilo que eu gosto. Não paro de trabalhar. É uma sensação interior, porque a idade, às vezes, está na cabeça.

Débora Bloch e o pai, Jonas Bloch (Foto: Felipe Panfili/AgNews)

Débora Bloch e o pai, Jonas Bloch (Foto: Felipe Panfili/AgNews)

Dizem que todo aquariano é muito sonhador e muito livre. Concorda?
Concordo! Olha, eu fiz Hair (o musical) e tem uma frase que diz assim: ‘Eu sou de Aquarius, isso dá na grandeza ou a loucura’. Acho que foi para a loucura que eu caminhei. Não posso reclamar, não. Não posso reclamar mesmo. Para quem começou a carreira naquela época, conseguir viver da minha profissão criando duas filhas, só isso já foi uma vitória, já valeu a pena. Essa também é uma das razões de você se tornar jovem, que é fazer o gosta. Você não se sente trabalhando, mas sim exercitando um prazer, realizando os seus sonhos, os seus talentos.

Tem algum papel que você gostaria de ter feito?
Eu te confesso o seguinte: durante muito tempo eu tinha que alimentar minhas filhas, sustentar minha casa. Eu tive que pagar uma casinha que eu comprei, cheguei a vender um telefone que era o meu ponto de contato com o trabalho para poder cumprir as coisas. Durante muitos anos eu não tinha como escolher. Era o que pintasse.  Mas o que a idade te dá é que você vê que as coisas passam. A vida segue e aquilo fica esquecido e já foi.

Você se arrepende de algo?
À medida que você vai entrando nessa idade,  vai vendo a proximidade do fim de vida. Os seus valores começam a vir de outra maneira. Nas reprises, vejo uma série de colegas que já se foram. Quanta luta, quantos sofrimentos, quantas coisas às quais foram dadas importância e que hoje não têm a menor importância. Tem pessoas que eu encontro, da nova geração, e me perguntam ‘Raul Cortez? Quem é Raul Cortez?’. E que significado tem essa ambição de poder, de nome, de prestígio? Nenhum. A  vaidade, isso tudo vai ficando em segundo plano. Coisas com as quais no começo de carreira você está preocupado vão se diluindo.

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo/Reginaldo Teixeira)

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo/Reginaldo Teixeira)

Tem medo do futuro?
Não, a única coisa que me deixa com medo é se o meu pessoal tiver algum problema. Minhas filhas, netos, minha mulher... E, é claro, com o país do jeito que está, tenho medo que isso se torne uma ditadura, que esse baixo nível continue e piore. Mas eu vou em frente. Não, não tenho medo, não.

Faz planos?
Não. Eu gostaria de começar a ter mais presença com as artes plásticas. Mas, a partir dessa idade, você não sabe quanto vai ter de habilidade futura para continuar. De energia, de tudo, e vai diminuindo, mesmo, a solicitação. Depois de uma certa idade, a coisa complica um pouco. O teatro está muito difícil. Agora, está começando a vir censura. Está voltando como fosse a tradicional família mineira, aquela antiga, preconceituosa, medieval, obscurantista, da pior qualidade. Então eu não fico fazendo planos. Mas não posso falar muito porque não valho nada. Eu digo ‘vou dar um tempo’, aí vem um convite e vou lá e faço (risos). Mas algumas coisas eu já estou começando a selecionar. Só quero o que me faça feliz.

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo)

Jonas Bloch (Foto: Divulgação/TV Globo)