Quando resolveram trocar a engenharia por açaí, em 2017, os donos da rede de franquias The Best Açaí contam que temiam o período de inverno. O panorama que viam era de sorveterias dando férias coletivas, fechando as portas ou tendo de servir itens que não combinavam com o produto principal para manter o faturamento. “Não queríamos fugir do propósito de servir algo que é visto como uma sobremesa, tendo que trabalhar com sopas ou sanduíches, por exemplo”, diz Sérgio Kendy, sócio-fundador da marca.
A solução encontrada pela rede foi trazer outro item com cara de sobremesa para ajudar a aquecer as contas no inverno: waffles, com self-service dos itens do buffet. A primeira versão foi lançada em 2021, mas, para os anos seguintes, eles investiram em aprimoramento da receita, para deixar o item mais fresco e crocante. Atualmente, os franqueados recebem os produtos prontos para vender. “Isso gerou um barulho e aumentou o faturamento do inverno”, diz Kendy.
A estimativa é vender cerca de 120 mil waffles em toda a rede nesta temporada, que vai até o fim de julho, representando até 18% do faturamento das lojas. “A rede faturou R$ 34 milhões em junho, bem acima dos R$ 14,6 milhões do ano passado. Tivemos abertura de lojas, mas a campanha foi um fator importante”, diz.
![Mateus Bragatto, Sérgio Kendy e Mateus Queiroz, sócio-fundadores da The Best Açaí — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-pegn.glbimg.com/fyPXf6LxBnsr-P_7H0A_hOBlWns=/0x0:1600x1069/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_ba41d7b1ff5f48b28d3c5f84f30a06af/internal_photos/bs/2024/L/Y/J3UODhTeCLpA7Fr0A5rg/whatsapp-image-2024-06-05-at-14.29.54.jpeg)
De acordo com Kendy, no inverno passado as lojas faturaram cerca de 30% a menos do que o registrado no verão. Neste ano, a diferença já caiu para 20%, e ainda há uma carta na manga: no próximo dia 10 de julho, a rede coloca à venda um “Choco Pipoca”, que mistura sorvete e pipoca e tem a missão de ajudar a aquecer mais as vendas.
A Chiquinho Sorvetes também conseguiu transformar a linha de inverno em algo fixo, com algumas estratégias: há cerca de dez anos, a marca aposta em itens como o Canecake, um bolo quente com sorvete, servido em uma caneca de porcelana colecionável, que nesta edição traz o Bubble Waffle, um formato de massa diferente do waffle tradicional.
Além disso, a coleção chamada “Delícias da Estação” – batizada para abraçar o Norte e o Nordeste, onde o inverno não tem tanto impacto nas vendas – oferece produtos como fondues, bebidas quentes feitas de chocolate e itens em parceria com a Nutella. Os produtos começam a chegar às lojas em abril e ficam no cardápio por cinco meses.
![Isaias Bernardes, presidente da Chiquinho Sorvetes — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-pegn.glbimg.com/m5DdH1pvd60nEie2a1G8s0nv25o=/0x0:1600x1066/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_ba41d7b1ff5f48b28d3c5f84f30a06af/internal_photos/bs/2024/A/O/viZKwwR6WTDHRPQK1jsA/whatsapp-image-2024-07-05-at-17.55.29.jpeg)
As campanhas mais ostensivas são feitas nos três primeiros meses, para que os franqueados consigam dar conta de vender tudo até os dois últimos. Em setembro, as lojas já estão prontas para a primavera e o verão.
“Antes de investirmos nessas edições limitadas, as vendas chegavam a cair 70% no inverno em relação ao verão. Agora a distância é de apenas 20%”, diz Isaias Bernardes, presidente da Chiquinho Sorvetes.
Edições limitadas ajudam a atrair clientes em tempos de baixa
Kendy, da The Best Açaí, diz que não pensa em levar itens dos meses mais frios para o restante do ano, mesmo que se destaquem em vendas. “Entendemos que temos de criar uma temporada para isso. Se eu deixar o ano inteiro, não tem diferencial”, diz. Bernardes, da Chiquinho Sorvetes, pensa da mesma forma, e complementa que o lançamento dos itens com data marcada faz com que os consumidores já esperem pelos produtos. “Mantemos a linha tradicional todos os anos, sempre com alguma novidade, e o cliente já espera por isso.”
A percepção dos empreendedores tem respaldo na pesquisa "Tendências para a área de sorvetes", divulgada pela consultoria especializada em food service Galunion. De acordo com a análise, 49% dos consumidores compraram itens sazonais nos últimos seis meses – a média é maior na classe A, com 68%, e menor na classe C, com 37%.
Entre as principais tendências do mercado de sorvetes apontadas na pesquisa estão a possibilidade de customização de produtos, citada por 41% dos consumidores, consumo de ingredientes exóticos ou culturas de outros países (29%) e produtos com apelo para a saúde física ou mental (38%).
O pistache, que ganhou o mundo do food service nos últimos anos, segue em alta para o mercado de sorvetes, de acordo com a pesquisa da Galunion, sendo um dos ingredientes mais mencionados pelos consumidores, ao lado de páprica e da pimenta.
A famigerada noz, inclusive, é uma das atrações da rede Bacio di Latte para este inverno – diferentemente das outras empresas citadas nesta matéria, a rede cresce apenas com unidades próprias, sem franquias. A partir desta terça-feira (9/7), a rede lançará a campanha Reserva Pistacchio, em parceria com a Nespresso. A coleção prevê duas bebidas, Affogato Pistacchio e Latte Pistacchio, e dois itens de confeitaria, o Cookie Pistacchio e o Brownie Pistacchio.
Controle anual das contas e destaques no cardápio
Na Oggi Sorvetes, a aposta é por destacar itens que já fazem parte do portfólio durante todo o ano, mas que ganham a preferência do consumidor nos meses mais frios. “Nossos picolés que são mais indulgentes, com cobertura de chocolate, ganham neste período do ano mais protagonismo na escolha do consumidor”, diz Rodrigo Mauad, fundador da marca.
![Rodrigo Mauad, sócio-fundador da Oggi Sorvetes — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-pegn.glbimg.com/k0Asd8vYfM_q2v4EZ86fWaNVuI4=/0x0:1600x979/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_ba41d7b1ff5f48b28d3c5f84f30a06af/internal_photos/bs/2023/S/B/SRXoHARBykSYFVASNE1g/7206c86e-05cf-44ae-b683-1be33d3d7f87.jpg)
Dessa forma, a rede, que tem como foco as classes C e D, não trabalha com itens específicos para o inverno. A preparação, diz Mauad, fica a cargo da análise financeira e administrativa para fazer com que o alto volume de vendas do verão ajude a atravessar a frente fria nas contas.
“O que acabamos fazendo é promover uma linha ou produto que combine mais com a temperatura no momento. Para o inverno, por exemplo, incentivamos produtos indulgentes, com chocolate, como os nossos sorvetes das linhas Sensa e Clássicos. Ambas têm em seus produtos a cobertura crocante de chocolate”, explica.
Sazonalidade ainda é o maior desafio das sorveterias
Uma pesquisa recente da Associação Brasileira do Sorvete e Outros Gelados Comestíveis (Abrasorvete) e da Fispal Sorvetes mostra que a sazonalidade ainda é o principal desafio do mercado de gelados no Brasil. Veja o gráfico abaixo:
Em ordem, os estados que apontaram sofrer mais com a sazonalidade são Rio Grande do Sul, São Paulo e Espírito Santo. De acordo com a Abrasorvete, enquanto o estado gaúcho pode experimentar quedas de até 80% nas vendas no período, no Norte e Nordeste o impacto é de menos de 30%, em geral.
O estudo ouviu mais de 177 empreendedores entre janeiro e março de 2024. Com uma lupa sobre os portes dos negócios, as microempresas são as mais afetadas pela sazonalidade (20,8%), mão de obra (20,8%) e custos de produção (12,1%). Para empresas de médio porte, a logística tem maior impacto (9,6%).
Na visão de Martin Eckhardt, presidente da Abrasorvete, as empresas têm conseguido lidar melhor com a sazonalidade do que no passado, mesmo que ainda não chegue ao faturamento do verão. “No passado, nós praticamente fechávamos as sorveterias”, diz. De acordo com ele, as empresas precisaram aprender a se adaptar ao período e ao consumidor. “Os ambientes que tínhamos nos nossos negócios não eram convidativos, climatizados e de portas abertas. As pessoas não tinham ambiente para ficar em uma sorveteria, e nós não tínhamos produtos adequados para o inverno”, diz.
Com o passar do tempo, ele diz, as sorveterias, tanto indústria quanto varejo, passaram a apostar em sabores mais robustos, recheios, caldas e coberturas, que ajudam a amenizar o frio e atrair o consumidor, que busca por indulgências nesse período.
“O setor tem três fases de resultados por ano. Abril, maio, junho e julho são os meses de prejuízo, em que trabalhamos para empatar. Tem os intermediários, entre agosto e setembro, e também março. E tem os meses em que realmente temos resultado, que é ali entre outubro e fevereiro” comenta.
Eckhardt, que tem mais de 40 anos de experiência no mercado sorveteiro, diz que seu negócio tende a se concentrar 66% do faturamento anual entre outubro e março e 33% entre abril e setembro. “Isso faz com que as empresas precisem olhar o ano, como um todo, no planejamento. Inclusive em questões de estoque, fornecedores e mão de obra”, afirma.