Os telefonemas com hora marcada de Robin Williams para fazer Spielberg rir e suportar a produção do seu filme mais doloroso - e premiado

Já Spielberg decidiu encarar o maior desafio de sua trajetória: fazer um longa-metragem de 'Schindler's Ark', romance inspirado em fatos reais sobre um membro do Partido Nazista que salvou a vida de aproximadamente 1200 judeus durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Spielberg, que havia ganhado o romance do executivo Sidney Sheinberg, havia ficado fascinado pela história. Mas ele demorou 10 anos para se sentir pronto para contá-la em 'A Lista de Schindler'.

Parte da hesitação do diretor sobre o drama se devia às origens dele. Em seu documentário biográfico de 2018, 'Spielberg', o diretor compartilha que sofreu ataques antissemitas quando criança e adolescente, e, por isso, sentiu-se desconfortável por ser judeu ao longo de anos.

Além do mais, a trajetória de Oskar Schindler e dos judeus que ele salvou na Segunda Guerra Mundial lembrava o cineasta de sua família: seu próprio pai havia perdido parentes no Holocausto. 'A Lista de Schindler' atingia Spielberg muito intimamente.

"Ele não achava que estava pronto", explicou o roteirista do filme, Steven Zaillian, à revista norte-americana Entertainment Weekly em 1994. "Ele ainda não tinha filhos. Ele teve que lidar com sua judaicidade. Ele continuava adiando isso."

Não bastasse Spielberg não acreditar em si mesmo, outras pessoas também não botaram fé de que ele seria capaz de fazer um bom filme sobre esse tema. Na época, o diretor já havia lançado dramas como 'Império do Sol' e 'A Cor Púrpura'; porém, ele era mais famoso pela aura divertida e encantadora que havia conferido a longas como 'E.T. - O Extraterrestre' e 'Indiana Jones e o Templo da Perdição'. "Sobreviventes [do Holocausto] vinham até mim na Polônia e diziam: 'Que escolha estranha'. E eu sentia um aperto no coração; [estava preocupado quanto ao] mundo não aceitar 'A Lista de Schindler' vindo de mim", confessou o cineasta à 'Entertainment Weekly'.

Também houve um diretor que implorou para Spielberg desistir do filme e passar o projeto para ele: Fred Schepisi, de 'Seis Graus de Separação' e 'Roxanne'. O australiano teria dito que o colega norte-americano não teria a “coragem” de fazer 'A Lista de Schindler' sem recorrer a tomadas feitas com a ajuda de um dolly ou um guindaste para movimentar as câmeras.

Spielberg ainda teve que peitar discussões com os executivos por trás de 'A Lista de Schindler', que queriam ver um filme com a pegada hollywoodiana à qual se haviam acostumado e que não gostaram da ideia de gravar em filme preto e branco (eles preferiam fazer as cenas coloridas e dessaturá-las na pós-produção, mas o diretor bateu o pé dizendo que esse processo deixaria o filme rosado e isso arruinaria toda a obra).

No fim, o estúdio só aceitou a visão artística do cineasta para o longa-metragem com uma condição: que ele gravasse 'Jurassic Park' antes de começar a produção de 'A Lista de Schindler'.

Spielberg e sua equipe passaram quatro meses na Cracóvia, cidade ao sul da Polônia onde os nazistas construíram campos de concentração na Segunda Guerra Mundial. Para o diretor, todas as locações nessa região “pareciam um cemitério”. “Isso mudou toda a minha abordagem do cinema. Aquele filme é diferente de tudo que eu havia feito antes", ele relata em seu documentário biográfico.

O cineasta decidiu mudar sua forma de dirigir: passou a buscar mais improvisação nas tomadas. Além disso, adotou ainda mais a câmera de mão, o que só tornou as filmagens ainda mais cansativas.

Sabendo que Spielberg estava exausto física, mental e emocionalmente com 'A Lista de Schindler', Robin Williams passou a telefonar para o amigo uma vez para semana – sempre no mesmo horário – na esperança de fazê-lo rir um pouco em meio às gravações. Ele ligava, fazia um verdadeiro show de comédia e, assim que havia conseguido alegrar o homem do outro lado da linha, desligava sem nem dizer “tchau”.

“Robin sabia pelo que eu estava passando", contou Spielberg no Festival de Cinema de Tribeca, em Nova York, em 2018, segundo a revista 'Vanity Fair'. "Ele fazia 15 minutos de stand-up no telefone. Eu ria histericamente... e ele sempre desligava na melhor e mais alta risada que você lhe desse.”

O diretor também relembrou que a equipe do drama também se reunia frequentemente para assistir ao programa humorístico 'Saturday Night Live' após dias intensos no set de filmagem. Graças a essas pausas para descontrair, finalizar 'A Lista de Schindler' ficou um pouco mais fácil para todos.

O filme estrelado por Liam Neeson, Ralph Fiennes e Ben Kingsley foi indicado a 12 Oscars. Ganhou sete: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Montagem e Melhor Trilha Sonora Original.

Já a bilheteria mundial superou os US$ 322 milhões; mas Spielberg não quis ficar com os lucros do filme. Em vez disso, os investiu em documentários relacionados ao Holocausto, como 'A Lembrança de Anne Frank' e 'The Last Days'.

Além disso, após 'A Lista de Schindler,' o diretor fundou a Survivors of the Shoah Visual History Foundation, uma organização sem fins lucrativos dedicada a guardar as histórias de sobreviventes do Holocausto em registros audiovisuais.

Veja o trailer de 'A Lista de Schindler' (1993) abaixo: