• Roberta Malta
Atualizado em

Estrelas de laser cobriam o céu do quarto, gelado pelos 19 graus do ar condicionado. Conectada ao smartphone, a caixa de som só precisava de um comando para entrar em ação. O lençol de algodão recém-trocado tinha cheiro de lavanda fresca do quintal vizinho. O cenário estava pronto e eu, com a pele ardida depois do banho pelando, completamente nua.

Antes de deitar, desmanchei o coque improvisado deixando os cabelos escovados pela manhã tocarem meus ombros. E acionei o link que havia selecionado, entre os sete que Natacha, editora executiva desta Marie Claire, tinha mandado.

Sexo verbal (Foto: Ilustrações Clarice wenzel )

(Foto: Ilustrações Clarice wenzel )

Minha preparação, no entanto, começou horas antes, no jantar. Sem informação alguma do que aconteceria depois, Ricardo-Bruno escolheu o que eu iria comer aquela noite em seu Escama, um dos meus restaurantes favoritos, no Rio. Abriu os trabalhos com um chablis em temperatura perfeita e marchou lambretas com molho champanhe para acompanhar. Depois de sugar o marisco de dentro da concha, mergulhei o brioche tostado no creme que escorreu quente pelo meu queixo.

Antes de pedir o badejo de carne úmida e crosta crocante, o chef apresentou ostras frescas de dois tipos, que chegaram à mesa acomodadas em morrinhos de sal grosso. As de Cananéia, São Paulo, minhas preferidas, são mais arredondadas e cabem perfeitamente em minha boca. As outras, de Santa Catarina, têm formato mais cilíndrico e parecem grandes demais, mas nunca decepcionam quando, suculentas, tocam minha garganta.

Mas voltemos para o quarto. Play.

Sexo verbal (Foto: Ilustrações Clarice wenzel )

(Foto: Ilustrações Clarice wenzel )

Uma voz masculina indicava que eu viveria ali momentos únicos de prazer. Ordenava relaxamento total e mente livre para a absorção de suas palavras. Àquela altura pouco me importava a música de fundo que, em outra situação, me faria desligar o aparelho. De olhos fechados, deixei que ele me guiasse para o desconhecido, queria estar totalmente entregue para o momento ápice de liberdade e gozo.

“Para continuar, faça sua assinatura por não sei quanto e noventa”, disse a voz, na situação mais anticlímax que já vivi.

Mas não desisti. Sem acender a luz, me aproveitei do reflexo das estrelas artificiais que havia encomendado para aquela noite e procurei outra sugestão na lista da Natacha. Descartei todas narradas em inglês – gozar com “go, go” estava um pouco além de minha disposição, que não era pouca – e escolhi outra que, além de gratuita, não fosse tão demorada. Já tinha gastado boa parte do sex appeal reservado para a ocasião, afinal.

Sexo verbal (Foto: Ilustrações Clarice wenzel )

(Foto: Ilustrações Clarice wenzel )

Comecei tudo de novo. Nos alto-falantes estéreo outra voz masculina –  o que me faz pensar se essa é uma experiência interessante tanto às mulheres lésbicas quanto às heterossexuais –  ordenava que eu deixasse os problemas fora do quarto e me concentrasse apenas no meu corpo. Disposta a entrar na brincadeira, acariciei minha pele com delicadeza sem tocar, porém, meu sexo.

Meu cabelo prendia na boca, nos olhos entreabertos, no pescoço que fazia movimentos opostos aos ombros. Consciente, ignorava os cacoetes interioranos do homem que me guiava sonoramente e, conforme as instruções, controlava a entrada e a saída de ar dos meus pulmões.

Ainda que sem a entrega suficiente para soltar os grunhidos sugeridos para o momento da expiração, mantinha a respiração ritmada que me transportava para um espaço de satisfação comigo mesma. A experiência se tornou ainda mais intensa quando a voz, de “erre” enrolado – tola eu, que dispensei a condução em inglês –, avisou que não era preciso explodir em um gozo intenso. O prazer estava todo ali, no atrito da pele com o lençol, no travesseiro arremessado no chão, na intimidade com aquele corpo que, horas antes, se ressentia de dor na lombar e peso nas costas.

Não me lembro de como a gravação acabou nem como as estrelas artificiais se apagaram. Só sei que dormi tranquila e, ainda que sozinha, imersa na calma dos casais.