• Gabryella Garcia
Atualizado em
Mais de 10 milhões de crianças entre 5 e 11 anos no mundo inteiro já foram vacinadas e não houve a ocorrência de eventos adversos gravíssimos (Foto: Getty Images)

Mais de 10 milhões de crianças entre 5 e 11 anos no mundo inteiro já foram vacinadas e não houve a ocorrência de eventos adversos gravíssimos (Foto: Getty Images)

A vacinação contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos deve começar no Brasil na segunda quinzena de janeiro. Apesar de o Ministério da Saúde ainda não ter divulgado o cronograma oficial de imunização, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou na segunda-feira (3) que em breve os imunizantes da Pfizer devem chegar ao país.

Para especialistas ouvidos por Marie Claire, a vacinação desta faixa etária deve acontecer o quanto antes para que se impeça o surgimento de novas variantes do coronavírus, como a Ômicron.

As crianças, além de estarem constantemente expostas, ainda mais com a volta às aulas, podem se tornar vetores do vírus e, quanto mais o vírus se espalha, mesmo em casos leves, maior a chance de surgirem novas mutações e outras variantes, que talvez sejam resistentes às vacinas.

"Protegendo crianças e adolescentes, você reduz o número de indivíduos vulneráveis e a multiplicabilidade do vírus para gerar novas variantes. Então atacamos com a ferramenta que temos, que é a vacina."

Luana Araújo

A vacina da Pfizer, que já teve seu uso no público de 5 a 11 anos autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no dia 16 de dezembro, inclusive, deve ser aplicada antes do início das aulas.

Na avaliação do epidemiologista Paulo Lotufo, houve um contágio por Covid-19 que poderia ter sido diminuído caso os imunizantes já tivessem começado a ser aplicados.

“Os ambientes escolares não são os melhores do ponto de vista sanitário. Há problemas sérios de ventilação, de circulação, a questão da higiene é muito complicada. Com a vacinação das crianças, reduzimos muito a possibilidade de casos graves”, alerta Lotufo.

"Escolas públicas e privadas vão ter de se remodelar dentro da nova perspectiva de contaminação por vias aéreas."

Paulo Lotufo

Além da importância de combater o surgimento de novas variantes, a epidemiologista e pós-doutora pela Johns Hopkins University (EUA), Ethel Maciel, destacou que vacinar essa faixa etária o quanto antes é uma proteção para toda a sociedade, e não apenas para as crianças.

Com o surgimento da Ômicron, que é uma variante do coronavírus mais transmissível do que a variante Delta, por exemplo, a cobertura vacinal deve ser ampliada. Enquanto no início da pandemia acreditava-se que uma cobertura vacinal de 70% seria suficiente para controlar a taxa de reprodução do vírus, hoje já é comprovado que esse número precisa ser maior.

"Agora, com as variantes mais transmissíveis precisamos chegar a uma cobertura vacinal de mais de 90% da população, e isso a gente só vai conseguir incluindo as crianças no calendário de vacinação. Precisamos ampliar a cobertura vacinal para que a gente controle a pandemia e diminua a transmissão do vírus. É uma estratégia coletiva importante ampliar a vacinação porque as crianças são uma importante fonte de transmissão", explica Ethel Maciel.

Também vale destacar que desde o início da pandemia, a Covid-19 matou mais crianças do que todas as outras doenças preveníveis e com vacinação disponível somadas.

Enquanto 1.148 crianças de 0 a 9 anos morreram por Covid-19 desde o início da pandemia, o SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, informa que entre 2006 e 2020, 955 bebês e crianças até nove anos que morreram por doenças "reduzíveis pelas ações de imunização". Entre essas doenças estão tuberculose, sarampo, coqueluche, meningite e hepatite B.

Um outro dado que preocupa, e evidencia a urgência da vacinação de crianças, é que nesta quarta-feira (5) a Sociedade Americana de Pediatria (AAP, na sigla em inglês) divulgou o resultado preliminar de um estudo que indica que após o Natal, em apenas uma semana, o número de crianças internadas por Covid-19 dobrou nos Estados Unidos.

"O número de crianças internadas explodiu. Os Estados Unidos dobrou o número em uma semana e terminou o Natal com mais de 326 mil crianças internadas, que é o dobro da semana anterior. Isso também afeta as UTIs pediátricas que estão lotando."

Miguel Nicolelis

Segurança da vacina

Sobre a segurança da aplicação do imunizante para esta faixa etária, Luana Araújo afirma que existem dados de pesquisa muito robustos que comprovam a segurança. "Mais de 10 milhões de crianças entre 5 e 11 anos no mundo inteiro já foram vacinadas e não houve a ocorrência de eventos adversos gravíssimos, a incidência é, inclusive menor do que na faixa de 12 a 17 anos. Ela se mostra segura e efetiva, não existindo motivo científico para não fazer o uso dessa ferramenta", destaca.

Ethel também chama a atenção para o fato de que, para a própria aprovação pela Anvisa da vacina, foram necessários testes que demonstraram a segurança do imunizante. Todos os efeitos de reação foram considerados leves, como por exemplo, dor no local da aplicação.

"Na vacinação de crianças temos inclusive um percentual menor de miocardite, que foi observado nos adolescentes. Isso é algo importante quando se fala de segurança e também devemos lembrar que a vacina de 5 a 11 anos é uma dose menor, mas que é eficaz e segura", esclarece.

A especialista também destacou o fato de os Estados Unidos já terem vacinado mais de 5 milhões de crianças sem efeitos adversos graves. Ela pontuou que essa proteção se faz ainda mais necessária devido ao crescimento da variante Ômicron, que acaba atingindo mais crianças justamente pelo fato de não estarem vacinadas, e também pelo período de volta às aulas.

"Teria sido melhor se o governo tivesse iniciado a vacinação logo no momento em que a Anvisa aprovou, aí a gente ganharia mais tempo com uma maior proteção já no início do período letivo. Agora a gente vai começar o período letivo, muito provavelmente, com as crianças com apenas uma dose", completa Ethel.

A epidemiologista Luana Araújo ainda acrescenta que o vírus age de forma similar nos organismos de adultos e crianças, mas que antes da vacinação os pequenos eram menos atingidos por terem um sistema imunológico mais novo e em melhor funcionamento. Entretanto, com o avanço da vacinação de adultos, o cenário mudou.

"Crianças eram menos atingidas inicialmente, mas agora o cenário mudou porque o vírus aumentou sua transmissibilidade e acaba chegando com mais facilidade nos indivíduos mais vulneráveis, que não estão vacinados", alerta Luana. "Então, por mais que haja uma redução de gravidade com crianças, o vírus vai acabar causando, em termos absolutos, uma doença mais grave, e estamos vendo crianças passando por isso."

"No Brasil, morreram mais crianças por Covid-19 do que por todas as outras doenças imunopreveníveis. É um absurdo quando você tem uma vacina e você deixa suas crianças desprotegidas. Elas podem morrer por uma doença que já tem vacina. Precisamos vacinar as crianças e protegê-las o mais rápido possível."

Ethel Maciel

Vacinação no Brasil

O Ministério da saúde incluiu na quarta-feira (5) as crianças entre 5 e 11 anos no plano nacional de imunização contra a Covid-19. Ao contrário do que foi proposto anteriormente, a pasta recuou e não irá exigir prescrição médica para a aplicação do imunizante.

Também foi anunciado que 3,7 milhões de crianças devem ser vacinadas ainda no mês de janeiro; Entretanto, segundo o ministro Marcelo Queiroga, essa confirmação dependerá da capacidade de produção e entrega da Pfizer.

A previsão é que o primeiro lote de vacinas chegue ao Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), no dia 13 de janeiro e seja repassado aos estados e municípios no dia seguinte. A vacinação será realizada por faixa etária decrescente, com prioridade para aquelas crianças que tenham comorbidades ou deficiências permanentes. O Ministério da Saúde também afirma já ter encomendado todas as doses necessárias para atender o público-alvo de 20 milhões de crianças.

A composição das vacinas infantis é diferente da dos adultos, e contém um terço da dose. Para distingui-las, os frascos terão as cores laranja e roxa, respectivamente. Apesar de a bula aprovada pela Anvisa prever um intervalo de três semanas, ou seja, 21 dias entre as doses, o Ministério da Saúde anunciou que o intervalo adotado será de oito semanas.

Em São Paulo, o governador João Dória (PSDB) e o secretário da saúde, Jean Gorinchteyn, anunciaram que pretendem imunizar as 4 milhões de crianças paulistas dentro dessa faixa etária em até três semanas. Porém, o cumprimento da promessa depende do fornecimento das doses pelo Ministério da Saúde.

De acordo com o governador, 5,2 mil postos já estão disponíveis para iniciar a vacinação. Além disso, a imunização também poderá ser feita em escolas públicas estaduais em parceria com os municípios. Já foram cadastradas 268 unidades escolares para servirem como postos de vacinação infantil.

Áustria, Canadá, Estados Unidos, Israel, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Grécia, Hungria, Itália, Portugal e França são alguns dos países que já imunizam crianças com a vacina da Pfizer desde o ano passado.

Coronavac para crianças

O Instituto Butantan fez um primeiro pedido à Anvisa para uso da Coronavac na vacinação de crianças e jovens com idade entre 3 e 17 anos no mês de agosto, entretanto, o pedido foi negado. Na primeira quinzena de dezembro foi feito um novo pedido, mas no dia 21 de dezembro, a agência recusou novamente alegando falta de dados.

No dia 30 de dezembro foi encaminhado um novo pedido e, de acordo com a assessoria do Instituto Butantan, ele aguardaa resposta e posicionamento da Anvisa.

Resultados de ensaios clínicos realizados com a aplicação da Coronavac em crianças com idade entre três e 17 anos no Chile, mostraram que o imunizante é eficaz e seguro para essa faixa etária.

A professora da Pontifícia Universidade Católica do Chile, Susan Bueno, destaca que os resultados mostraram que crianças apresentam maior produção de anticorpos do que os adultos e menos reações adversas.

Os casos mais relatados pelas crianças foram dor e vermelhidão no local da injeção. Com relação aos eventos adversos não imediatos, a professora disse que foram relatados febre, tosse e vômito em uma pequena parte do grupo.

Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-diretor da Anvisa, é ignorância não utilizar a vacina para imunizar crianças. “Temos a tarefa de vacinar todas as nossas crianças tendo uma vacina eficaz e segura em estoque aqui no Butantan. A ignorância em relação a utilizar a Coronavac para vacinar nossas crianças e jovens é imperdoável", opina.

Atualmente China, Chile, Equador, Indonésia, Hong Kong e Camboja são países que aplicam a Coronavac em crianças a partir de três anos de idade. Também nesta quarta-feira, João Doria disse que se a Anvisa aprovar a aplicação da Coronavac para crianças acima de 3 anos, a imunização começará imediatamente. Atualmente o governo paulista possui 12 milhões de doses da vacina disponíveis.