• G.Lab para Laudes
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 (Foto: Getty Images)

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Em janeiro deste ano a Laudes Foundation nascia oficialmente no Brasil. Anunciada para dar continuidade a parte do trabalho realizado ao longo dos últimos cinco anos pelo Instituto C&A, a organização tem missão e valores pautados a partir das mais importantes demandas globais. Com a proposta de um olhar para além da transformação da cadeia da moda, avançando também para outras esferas da desigualdade e para promoção de justiça climática. E, alguns meses depois deste nascimento, a atuação de organizações como a Laudes se faz hoje mais necessária que nunca.

Com o mundo acometido por uma crise sanitária e humanitária sem precedentes, empresas e instituições precisaram trabalhar de forma cada vez mais colaborativa e inovadora. E ter sensibilidade e experiência para direcionar o fluxo de capital social de acordo com a urgência das necessidades, em um tempo de tantas emergências –  habilidade que a Laudes Foundation já aplica junto a seus parceiros, não somente ao oferecer capital filantrópico e conhecimento, mas atuando também como facilitadora e junto a conselhos de especialistas e outros meios que buscam fomentar o capitalismo inclusivo.

Diálogo por ambientes mais justos

No ano passado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou pela primeira vez uma convenção específica sobre assédio e violência no mundo do trabalho, em continuidade à divulgação anterior de outras recomendações ligadas a gênero e igualdade de oportunidade e de remunerações. Na ocasião, a OIT ressaltou a importância da perspectiva de gênero e das interseccionalidades de raça na análise de situações de assédio, por ele acontecer principalmente com mulheres.

Em parceria com os Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, a Laudes vem desenvolvendo uma ampla pesquisa sobre o tema, que avaliza as constatações da OIT e espera fomentar diálogos e incentivar corporações a proporcionarem ambientes mais justos. “Num primeiro olhar qualitativo, já é possível verificar como situações de abuso no ambiente profissional, sejam elas de natureza moral ou sexual, limitam possibilidades de entrar, permanecer e se desenvolver para mulheres”, afirma Luciana Campello, gerente do programa Direitos e Trabalho da Laudes Foundation.

Por isso, para sua estreia no Power Summit, maior evento de liderança feminina do Brasil, a Laudes Foundation usou seu espaço para dar voz a essas mulheres e aprofundar a discussão sobre um ambiente de trabalho melhor para elas. “É necessário falar, em qualquer tempo, sobre as condições de trabalho ou a falta dele para mulheres, que são, historicamente, as maiores vítimas de violência nesses ambientes”, reforçou Luciana Campello.

Em uma mesa comandada por Maria Laura Neves, editora-chefe de Marie Claire, o tema foi debatido por Luciana, ao lado da juíza do trabalho Patrícia Maeda; da advogada, ativista dos direitos humanos e cocriadora da iniciativa Conselheira 101 Lisiane Lemos; e da médica e professora da USP Margarida Barreto.

No centro de tudo, mulheres

Em contextos de ampliação da desigualdade e intensificação de vulnerabilidades socioeconômicas, mulheres são, historicamente, a parcela da população atingida de forma mais severa. E no pós-covid-19 não foi diferente: foram elas que deixaram em maior número a força de trabalho por conta da recessão econômica, mas sobretudo pelas razões inerentes à condição feminina.

Além de estarem em maior número na informalidade, sendo 77,5% das trabalhadoras domésticas, conforme dados da Comissão Econômica para Caribe e América Latina (Cepal), essas mulheres também vivenciaram a explosão da demanda do trabalho não remunerado, aquele que envolve cuidados com o lar e as crianças.

O cenário não ficou melhor para aquelas que conseguiram manter seus empregos. Somou-se à carga extenuante um pesado fardo emocional. Pois, além de ter que lidar com os temores característicos de uma pandemia, elas ainda precisaram lidar com a nova dinâmica de trabalho quando no home office ou a partir das novas formas de relações contratuais.

Luciana Campello, gerente do programa Direitos e Trabalho da Laudes Foundation, participou do Power Trip Summit 2020 (Foto: Mariana Pekin)

Luciana Campello, gerente do programa Direitos e Trabalho da Laudes Foundation, participou do Power Trip Summit 2020 (Foto: Mariana Pekin)

Gênero é componente específico

“O mundo do trabalho impõe pressão intensa sobre mulheres”, afirmou Margarida Barreto, uma das vozes precursoras sobre assédio no Brasil. “Ela é menosprezada e ridicularizada em inúmeros aspectos, o que provoca muito sofrimento e transtornos psicossociais que podem até levá-la a atitudes extremas”, alerta a médica, citando casos em que vítimas chegaram a um burnout e até a tirar a própria vida. 

Margarida cita, como sinais de atenção para quem pode estar se vendo em uma situação de assédio, desânimo e cansaço extremos, o “medo” do sábado ou do fim do domingo, dores generalizadas pelo corpo e até alterações gastrointestinais.

Lisiane Lemos, que já foi assediada em uma multinacional onde atuou por muitos anos e presenciou colegas em situações semelhantes, fez dessa uma de suas principais lutas. “Somos educados a achar que é tudo pressão. Porém, é preciso diferenciar do que é assédio, pois são coisas bem diferentes”, explica. “E lembrar que não estamos falando somente de homens assediadores, mas de ambientes que permitem o assédio, onde até mulheres se aproveitam de momentos de maior fragilidade feminina para abusar de suas subordinadas.”

Na opinião de Patrícia Maeda, que comanda o coletivo Sororidade em Pauta, formado por juízas feministas, “há muitos recortes para tipificar assédio de acordo com o campo de atuação da profissional”. Porém, é fato que o gênero é um componente específico. “Não me lembro de ter visto homens sendo ofendidos pela forma como se vestem. O corpo da mulher é tratado como se ela fosse uma questão pública”, lamenta a juíza.

Assédio recorrente, vítimas caladas

A pesquisa da Laudes Foundation endossa a visão das debatedoras. E, para Luciana Campello, traz recados adicionais. “É importante mencionar também que os casos de violência e assédio relatados na fase qualitativa demonstram que as mulheres vivenciam uma ou várias situações de assédio em cada etapa da vida profissional.” No momento atual da pandemia, a violência soma-se ainda à jornada extenuante de trabalho: “percebemos unanimidade de comentários sobre como o home office fez com que a jornada, que já era muito extenuante nos moldes anteriores, hoje não tenha fim. É um processo de carga contínua, que se emenda aos cuidados com os filhos”.

Do ponto de vista legal, Patricia Maeda lembrou que ainda são poucos os casos que chegam à justiça – e que, portanto, responsabilizam de alguma forma os assediadores. Há dificuldades em provar, e os casos ainda dependem de construções acadêmicas e jurisprudência, na falta de legislações mais claras. Por isso, como pontuou Lisiane Lemos, é necessário que as empresas fortaleçam mecanismos de proteção às vítimas e que inibam comportamentos abusivos por parte de seus funcionários. “Já presenciei processos de compliance em que o assediador fazia parte da comissão que recebia e avaliava casos. Por isso as companhias precisam estar mais atentas e promover mudanças efetivas, contando com equipes sérias e acolhedoras”, sugeriu a advogada.