• Galia Loupan
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De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

Quando as bombas começaram a cair sobre a Ucrânia, nossa primeira reação foi de choque e incredulidade, como a de qualquer um no planeta. Nosso segundo instinto foi o de preocupação com nossa publicação irmã, Marie Claire UcrâniaImediatamente, tentamos contato com o time de lá, e após uma espera de estressantes 24 horas, obtivemos uma resposta. Elas estavam a salvo em abrigos, e se sentiam assustadas, com raiva e sozinhas. 

A pedido de Irina Tatarenko, editora-chefe de Marie Claire Ucrânia, estamos divulgando o que está acontecindo com o time e seu país. "Estamos no inferno. Por favor, imploramos, divulguem o que está acontecendo na Ucrânia. Precisamos muito do seu apoio." 

Desde o discurso feito por Vladimir Putin em 21 de fevereiro (nota da edição: quando o presidente russo autorizou o envio de militares para regiões separatistas da Ucrânia), a diretora de redação de Marie Claire Ucrânia, Katerina Lagutina estava inquieta, publicando avisos nas redes sociais e escrevendo um comunicado à impensa sobre por que a Ucrânia deveria fazer parte da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

No dia 23, após um longo dia de trabalho, ela foi ao teatro. A vida corria normalmente. Naquela noite, às 4 horas da manhã, tropas russas entraram na Ucrânia. Ela foi acordada pelo seu telefone, que tocava sem parar. Quando atendeu, sua melhor amiga contou, com uma voz sem expressão que a guerra tinha começado

"Desde aquele momento, eu não sei mais dizer qual é a data ou o dia da semana. Conto o tempo assim: primeiro dia da guerra, segundo dia da guerra..."

Katerina Lagutina

Katerina Lagutina é de Luhansh, na região de Donbass, e se mudou para Kiev em 2014, quando a guerra estourou na região, por motivos de segurança. Ela se lembra de ver os soldados "atirando de cima do telhado de casas civis" em sua cidade natal quando a deixou. Agora que isso está acontecendo novamente, ela teve que se abrigar no porão de sua nova casa. 

"Não há proteção alguma aqui. A reação da população me deixou chocada: todos calmos, seguindo as regras. Nem as crianças choram nos abrigos. As pessoas estão organizando o estoque de água, lugares para sentar... Todas as lojas e farmácias do nosso distrito estão fechadas, mas ainda temos água e eletrecidade. A internet ainda funciona, mas não muito bem." 

De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

Divulgue o que está acontecendo. Precisamos muito do seu apoio, diz Irina Tatarenko, editora-chefe de Marie Claire Ucrânia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

Liza Prykhodko, fotógrafa de Marie Claire Ucrânia, passou por uma experiência similar. "A princípio, você não acredita no que está acontecendo. Parece que você vai morrer imediatamente se sair à rua."

"Quando ouvi a primeira sirene, tive náuseas. No dia seguinte, começaram os sons do bombardeio."

Liza Prykhodko

"Tudo o que eu conseguia fazer era manter contato com minha família e amigos pelo telefone. Para mim, é pior saber que eles estavam angustiados do que ficar no abrigo ouvindo os alarmes e explosões", ela conta.

"Só conseguimos pensar e nos preocupar com aqueles que amamos e não estão conosco. Passamos o dia escrevendo quase a cada hora: 'Você está bem?'; 'Seu prédio foi atingido?'; 'Todos da sua família estão vivos?'; 'Você conseguiu dormir, mesmo que só um pouquinho?'; 'Comeu alguma coisa?'; 'Somos fortes.'; 'Te amo'."

De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

Dos abrigos, é possível ouvir sirenes e os barulhos de explosões (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

No primeiro dia, os alvos eram instalações militares e aeroportos. Liza explica que colocou fita adesiva nas janelas para impedir que os cômodos fiquem cheios de estilhaços de vidro caso uma bomba caia na região. A ideia de usar fita adesiva para se proteger de bombar pareceria risível, não fosse tão triste. Mas faz sentido, e há pouco mais que a população possa fazer. 

"Tudo o que temos para nos proteger são nossas orações e as pessoas à nossa volta. Ninguém esperava que o agressor iria atacar civis", acrescenta.

Quando pergunto se sentiam o risco de guerra iminente, Liza responde com raiva e dureza: "Não". Mas para Katherina é um pouco diferente. "É claro que tínhamos medo, vivemos em guerra há oito anos. Mas isso foi um choque completo para todos nós, nunca achamos que isso fosse acontecer, não dessa forma", diz.

"É claro que esperamos que o mundo nos apoie, isso é totalmente insano! Para nós, é importante que todo o mundo fale sobre a Ucrânia. Se pararmos, vai parecer algo normal. Somos muito menores do que nosso inimigo. Se Putin parar os ataques, não haverá mais guerra. Se nós pararmos de lutar, não haverá mais Ucrânia", completa. 

De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

Em Kiev, há um sentimento de orgulho em relação ao país e ao presidente, que não deixou a capital no início dos bombardeios (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

Até o momento, contudo, a ajuda internacional não está próxima, e o povo ucraniano e seu governo só podem contar consigo mesmos. Ambas as mulheres contam, orgulhosas, das filas de homens de todas as idades dispostos a lutar e a proteger seus bairros e seu país.

Elas também se orgulham da bravura de seu presidente, e do fato de ele não ter deixado a capital do país, mas ficado com seu povo. Segundo rumores, ele teria dito àqueles que queriam levá-lo a um lugar seguro: "Eu preciso de munição, não de uma carona". 

O gesto parece ter unido o povo ucraniano, que está defendendo seu país com tudo que tem. Liza explica: "Estou com medo, ansiosa e com raiva, mas também sinto orgulho do meu país".

De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

De abrigos, a redação de Marie Claire Ucrânia fala sobre a situação do país desde o início da guerra com a Rússia (Foto: Acervo Pessoal/Marie Claire Ucrânia)

O mesmo vale para Katherina: "Agora, meus sentimentos são de muito recentimento por conta dessa injustiça. O que está acontecendo é injusto com a população da Ucrânia. Mas o sentimento principal é de imendo orgulho por nosso presidente, Vladimir Zelensky, e por nosso exército". Ambas os veem como protetores, defensores, salvadores. 

Sobre o que o resto do mundo por fazer por elas, Liza é clara: "Não fique em silêncio! Faça barulho! Meu país e eu somos gratos àqueles que se posicionam. Você não imagina o quanto o seu apoio é importante para nós!". Parece muito pouco, mas, ao menos, é algo que podemos fazer.