• Raphaela Cunha
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Ana Carolina Biê Vasconcelos está grávida de 8 meses  (Foto: Reprodução/ Instagram)

Ana Carolina Biê Vasconcelos, grávida de 8 meses de seu quarto filho, está ilhada por conta das chuvas na Bahia (Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal)

"Aqui a gente não teve Natal", descreve Ana Carolina Biê Vasconcelos, de 28 anos, pataxó que vive na aldeia Novas Guerreiras, localizada em Coroa Vermelha, no município de Santa Cruz Cabrália, na Bahia. A região é uma das atingidas pelas fortes chuvas que caem sobre o estado nos últimos dias e deixaram 116 cidades submersas. Até o momento, 20 pessoas morreram, mais de 300 se feriram, 31 mil estão desabrigadas e outras 31 mil, desalojadas.

"A gente é afetado de várias formas, e com essa chuva intensa tem piorado. Perdi alguns móveis e material de trabalho", conta a Marie Claire a artesã, grávida de oito meses de seu quarto filho. "Eu moro em uma oca, e o material se deterioriza muito rápido. Com essa chuva, a gente já teve que trocar a lona várias vezes."

Não só. Diante da calamidade que sua comunidade enfrenta, Ana Carolina precisou enviar os filhos, com idades entre 3 e 9 anos, para a casas de parentes e conhecidos que vivem em locais não tão afetados para que possam ficar mais protegidos.

"Eu já tirei os meus meninos daqui. Do jeito que está, não tem como eles ficarem. Eles estão na casa da avó, outro com o pai... A gente vai se virando como pode”, conta. “O chão fica 'laminado', a gente tem de lavar o tempo todo. Além disso, a gente ainda tem o problema da água e da energia. Não temos água potável e nem energia."

"Nós estamos ilhados. Várias pessoas não moram em casas de lajota, elas moram em ocas, outras moram em barracas, então muitos perderam muitas coisas."

Ana Carolina Biê Vasconcelos
A água inundou a aldeia (Foto: Arquivo Pessoal)

Bahia enfrenta a maior chuva para o mês de dezembro desde 1989. A água inundou a região onde mora Ana Carolina (Foto: Arquivo Pessoal)

A situação é similar em outros cem municípios que, até esta terça-feira (28), cem municípios já haviam decretado situação de emergência neste que já é considerado o maior período de chuvas para o mês de dezembro em 32 anos.

Apenas em Itamaraju, no sul do estado, o volume de chuvas representa mais do que o quíntuplo da sua climatologia de dezembro segundo o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos.

"Aqui a gente não teve Natal. Com essa tristeza que a gente está vivendo, isso não foi um Natal", desabafa Ana Carolina. "A gente está esquecida aqui."

"Agora começou o problema da gripe. Meu esposo e eu pegamos uma gripe muito forte. A gente nem pensa em comemoração de Final de Ano com essa dificuldade toda, a casa alagada, móveis todos molhados... Assim foi o Natal."

Ana Carolina Biê Vasconcelos

A situação detalhada por ela lembra o cenário de um filme de terror. Sem saneamento básico, ela vive com dificuldades de acesso à água, que é reunida em uma caixa d'água para todos os usos e necessidades da residência. "A gente faz artesanato, vive disso. Mas, com a chuva, não estamos podendo trabalhar."

"São 220 famílias na minha aldeia, na aldeia Novas Guerreiras, e em todo o território da Ponta Grande são mais de mil famílias. E todas elas passando por essa situação. Todos sem água, muitos que tiveram que sair de suas casas, não podem trabalhar, não têm alimentação, não têm uma forma digna e adequada de se viver. E agora com essa chuva tem piorado a situação mais ainda", denuncia.

A qualidade da única água que tem acesso (Foto: Arquivo Pessoal)

Toda a água para uso da casa e da família é estocada em uma caixa d'água (Foto: Arquivo Pessoal)

Ana Carolina ainda frisa que está ilhada e que a única ajuda que recebe é da ONG Rede de Juventude Indígena, que além de fazer o trabalho de transporte da população indígena, também ajuda com a doação de cestas básicas e alojando os sem tetos em locais mais seguros.

“Eles ajudam as famílias que perderam suas casas e que tiveram que ser retirados do local. Eles conseguiram espaços para estas pessoas em escolas, cestas básicas... Às vezes, eles conseguem até atendimento médico para gente. Mas tem lugar em que não conseguem entrar.”

"A gente tem que passar por dentro dessa água, me deu uma alergia muito forte. Estourei os pés. A nossa sorte é que há quem nos ajude."

Ana Carolina Biê Vasconcelos

*Colaborou Gabryella Garcia

As águas tomaram conta da tribo (Foto: Arquivo Pessoal)

As águas tomaram conta da aldeia (Foto: Arquivo Pessoal)

As fortes chuvas estragaram o local (Foto: Arquivo Pessoal)

As fortes chuvas estragaram o local (Foto: Arquivo Pessoal)