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Primeira pessoa não-binária ganha status de refugiado no Reino Unido (Foto: Reprodução: Instagram)

Primeira pessoa não-binária ganha status de refugiado no Reino Unido (Foto: Reprodução: Instagram)

"Senti que nasci de novo", disse Arthur Britney Joestar ao The Guardian. Em decisão histórica, o jovem não-binário de 29 anos recebeu status de refugiado no Reino Unido. Segundo a decisão, Joestar corre risco de sofrer violência física e sexual caso retorne a El Salvador. 

Joestar agora vive em Liverpool, na Inglaterra, mas não foi de primeira que o pedido foi aprovado. Desde 2018 tentou ganhar o status de refugiado, mas teve os pedidos negados na primeira tentativa em novembro daquele ano e, depois, em fevereiro de 2020.

"Quando eu caminhava pelas ruas, as pessoas jogavam lixo em mim das janelas. Uma vez, alguém jogou um saco plástico cheio de urina em mim. Em El Salvador, pessoas não-binárias correm muito perigo. Eu vi cadáveres. Qualquer coisa poderia ter acontecido comigo. Eu poderia ter sido torturado, estuprado, baleado, morto", disse à publicação. 

À Marie Claire, Joestar disse que entende que na língua portuguesa existe uma certa dificuldade em escrever com pronomes neutros, assim como em seu idioma nativo, espanhol. Portanto, ele concordou com o uso do pronome masculino, apesar de usar o neutro "they", em inglês. 

Em novo julgamento, foi decidido que Joestar enfrentaria perseguição por sua identidade se retornasse ao seu país.

Joestar disse que espera que seu caso abra portas para pessoas em situações semelhantes. "Todas as injustiças que sofri, talvez, tenham valido a pena. Para mostrar às pessoas que há algo de positivo para tirar de todo o sofrimento. Só espero que logo as pessoas possam nos ver e possamos finalmente dizer que não somos invisíveis", contou.

Joestar disse que sente muito pela situação de pessoas trans e não-binárias na América Latina e que tomou conhecimento da violência contra a comunidade LGBT+ no Brasil por meio de uma amiga que reside no país. 

De acordo com levantamento de 2020 feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil apresentou novo aumento nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação ao ano de 2019.

De janeiro a abril de 2017 a associação contabilizou 58 assassinatos. Em 2018, foram 63 e, em 2019, 43. O relátorio conta um aumento de 49% nos assassinatos em relação ao mesmo período de 2019, com 64 casos em 2020.

Primeira pessoa não-binária ganha status de refugiado no Reino Unido (Foto: Reprodução: Instagram)

Primeira pessoa não-binária ganha status de refugiado no Reino Unido (Foto: Reprodução: Instagram)

Em um incidente na capital San Salvador, Joestar foi parado pela polícia. “Um dos policiais começou a perguntar sobre meu cabelo, dizendo que eu não era normal, que queriam me ensinar a ser homem. Então eles me deram um soco no peito e me jogaram no chão. Fiquei com muitos hematomas, meus braços estavam sangrando e eu chorava. Mas ninguém se importou. Foi realmente assustador ”, revelou.

O primeiro pedido de asilo de Joestar foi rejeitado pelo tribunal de primeira instância, que disse que a brutalidade policial “não passava de discriminação” e ocorreu apenas uma vez. A segunda, em fevereiro de 2020, com base na identidade não-binária, foi inicialmente recusada, mas mantida em recurso.

“A maneira como a juíza lidou com o caso... Ela apenas me entendeu. Todos os pequenos detalhes. Ela enxergou o quadro completo. No final, ela se virou para me olhar e começou a falar comigo em espanhol, para dizer que me concedeu o direito de ficar neste país e o direito de ser quem eu quero ser. Eu apenas comecei a chorar. Eu senti como se tivesse nascido de novo", contou.

Na audiência de apelação, em 30 de setembro deste ano, a juíza Bruce criticou a decisão anterior de que o ataque da polícia salvadorenha não foi uma perseguição. “Foi uma agressão física, da polícia, motivada por nada além da homofobia”, disse ela. “Cinco minutos é muito tempo sendo agredido. Não tenho dúvidas de que foi para o recorrente uma experiência assustadora", completou. 

À Marie Claire, ele explicou que normalmente o status de refugiado é mantido em segredo, para a proteção do indivíduo. Porém, junto da juíza, foi tomada a decisão de abrir o caso ao público para ajudar outros no futuro e, por isso, o caso veio a repercutir três meses depois da decisão oficial. 

Joestar não esqueceu do Brasil e mandou recado para a comunidade LGBT+. Confira:

"Minha querida comunidade LGBT brasileira: tenho a honra de escrever algumas palavras neste momento desafiador. Espero que vocês possam encontrar um pouco de luz na minha história. Como vocês, às vezes, houve um tempo em que senti que a sociedade só queria me punir, quando tudo tinha um gosto errado, quando eu não conseguia ver um final feliz, mas aprendi uma coisa na minha jornada. A vida é como um arco-íris, há momentos quando você verá algumas sombras ou escuridão, mas haverá outros momentos em que você verá a parte brilhante, todas as cores maravilhosas.

Apoiem-se mutuamente na luta pelos seus direitos, e como agora consegui mudei as regras em um país estrangeiro, vocês serão capazes de construir uma sociedade melhor para o lugar onde nasceram. Nunca tenham medo de ser quem vocês são. Nunca tenham medo de desafiar a sociedade, nunca tenham medo de construir um futuro para as próximas gerações."