• Raíssa Rivera
  • do home office
Atualizado em

Na última segunda-feira (28), dia internacional do orgulho LGBTQIA+, o especial ‘Falas de Orgulho’ estreou na Globo trazendo, em formato de documentário, histórias de personagens reais e a forma como descobriram e vivenciaram suas sexualidades. Mariana Ferreira é uma dessas pessoas que abriram suas memórias para celebrar a autoaceitação e a diversidade dentro da própria sigla. Em conversa com Marie Claire, ela conta que sempre soube que sentia atração por homens e mulheres, mas foi apenas após divorciar-se, aos 28 anos, que viveu suas primeiras experiências com mulheres e entendeu-se como bissexual.

Mariana Ferreira em Falas de Orgulho (Foto: Globo/João Miguel Junior)

Mariana Ferreira em Falas de Orgulho (Foto: Globo/João Miguel Junior)

Hoje com 35 anos, Mariana analisa sua jornada interna e os motivos que podem ter feito com que demorasse para entender a própria sexualidade. Ela perdeu um irmão na mesma época em que estava terminando seu casamento, o que fez com que sentisse necessidade de reavaliar suas experiências e a forma como levava sua vida. Pouco após o divórcio, começou a se relacionar também com mulheres e engatou um namoro na época, quando se assumiu para a família.

“Meu pai nasceu na década de 30, ele faleceu ano passado. Ou seja, ele faleceu um senhor idoso, de 84 anos. Para ele isso não foi nada fácil, nada simples. Na verdade, ele não aceitou, meio que já colocava essa questão de lado. Por exemplo, quando eu namorava uma mulher, ele não queria ter contato com ela", lembra. "Minha mãe, inicialmente, ficou um pouco surpresa, mas aceitou. Até porque, na verdade, eu sou uma pessoa adulta, né? Eu que pagava as minhas contas e já era totalmente independente. Mas minha mãe chegou a sair com a gente, com a minha ex-namorada, a gente convivia de forma harmônica”, conta Mariana.

Segundo ela, a aceitação nunca foi um problema e não tinha dúvidas quanto ao interesse que sentia por mulheres. No entanto, nunca teve referências que a ajudassem a sentir que se encaixava fora da heteronormatividade.

“Nós crescemos cercados por referências heteronormativas e eu sempre fui aquela filha que faz tudo certinho. Cresci numa região periférica, então embora eu tivesse acesso à informação e sempre tenha sido uma pessoa que buscou se informar, era algo que não estava realmente no meu convívio e a gente acaba indo meio que seguindo aqueles pontos que a gente tem que fazer", avalia. "Como eu era sempre assim, eu só tinha tido dois namorados e duas experiências antes de tudo isso acontecer, me casei com meu segundo namorado. Então eu não tive essa oportunidade antes e também não tinha muita liberdade, porque até eu concluir a faculdade, eu morava com os meus pais”, recorda.

Mariana formou-se em medicina em 2010 e, trabalhando como ginecologista obstetra, convive em um meio cishéteronormativo no qual sente pouca abertura e pouco debate em temas que abrangem a diversidade de gênero e sexualidade. Quando se separou e começou a vivenciar sua sexualidade de forma mais ampla, sentiu medo que pudesse sofrer preconceito e ouvir comentários desagradáveis em seu ambiente de trabalho.

Mariana Ferreira em Falas de Orgulho (Foto: Globo/João Miguel Junior)

Mariana Ferreira em Falas de Orgulho (Foto: Globo/João Miguel Junior)

“Eu tinha medo de como as pessoas iriam aceitar, de como iriam ver. Eu não conhecia outra ginecologista que fosse bissexual ou que fosse lésbica no meu convívio. Então, isso foi uma uma questão nesse sentido. Mas, pra mim, é uma coisa que já estava totalmente no meu entendimento, sabe? Não foi uma coisa impactante pra mim, assim, um belo dia, eu acordei e falei ‘nossa, eu acho que eu sou bissexual’. Não, foi uma questão de uma vida inteira de interesses mesmo”, analisa.

Ela levou sua vivência enquanto bissexual para o atendimento que realiza como ginecologista obstetra. Atendendo mulheres lésbicas, bissexuais e homens trans, se esforça para criar um ambiente acolhedor e sem os constrangimentos que essas pessoas encontram ao se depararem com a heteronormatividade dos consultórios médicos.

“É um público que é muito negligenciado, né? As pessoas não sabem lidar com essa questão, a gente não tem essa formação na realidade. Eu me formei em 2010, então já vai fazer doze anos, e na universidade, por exemplo, eu não fiz nada voltado para pessoas LGBTs", recorda. "Não vi nada voltado, por exemplo, para a questão da saúde da mulher lésbica, da população negra. São coisas que a gente, a minha geração de médicos, não foi preparado para lidar, e também a maioria não busca uma vez que não é uma coisa que está dentro da realidade deles. No consultório, isso é uma queixa recorrente - não receber informação de forma adequada. Quando, por exemplo, as pacientes chegam ao ginecologista, o médico já presume que ela é uma pessoa heterossexual, que vai se relacionar com uma pessoa que tenha um pênis, com um homem cis, na verdade”, reflete.

Para ela, uma questão importante de ressaltar são os estereótipos direcionados à população LGBTQIA+, como associar bissexuais a pessoas promíscuas ou que se interessam “por qualquer um”. “Primeiro que as pessoas LGBTs são múltiplas, são diversas, não existe um esteriótipo de uma mulher para que ela seja lésbica ou para que ela seja bissexual. Na verdade, nós somos como todas as outras pessoas, a gente quer ser bem tratado, a gente também quer tratar bem as pessoas, a gente quer amar, quer ser amado, a gente precisa de afeto, de trabalho, de tudo como todas as pessoas. Era o que eu gostaria que as pessoas entendessem. Que a gente não é diferente ou com outras necessidades.”

Mariana Ferreira em Falas de Orgulho (Foto: Globo/Divulgação)

Mariana Ferreira em Falas de Orgulho (Foto: Globo/Divulgação)