• Manuela Azenha
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Simone Tebet (Foto: Ilustração: Pamella Moreno)

Ilustração: Pamella Moreno

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), 52 anos, está em mandatos consecutivos há 20 anos. Filha do ex-ministro e ex-presidente do Senado Ramez Tebet, foi eleita pela primeira vez aos 31, como deputada estadual do Mato Grosso do Sul, em 2002. Dois anos depois, tornou-se a primeira prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas, a terceira mais populosa do estado, e foi reeleita para o cargo. Em 2010 foi vice-governadora do Mato Grosso do Sul. Atualmente exerce o segundo mandato no Senado, em que ganhou especial visibilidade durante a CPI da covid-19. Com apoio do PSDB e Cidadania, a candidatura de Simone à Presidência da República contraria caciques do próprio partido, como Renan Calheiros e Eunício Oliveira, que defendem que o MDB apoie o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como senadora, faz parte da Frente Parlamentar da Agropecuária e votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT), do Teto de Gastos e da Reforma Trabalhista.

A seguir, o que propõe a candidata, que, caso eleita presidenta, promete manter uma política econômica de austeridade fiscal.

MARIE CLAIRE A cada dois dias uma mulher morre em decorrência de aborto ilegal no Brasil. A senhora defende a lei do aborto como é hoje, que permite o procedimento apenas em casos de gravidez decorrente de estupro, anencefalia do bebê ou risco de vida para a mãe?
SIMONE TEBET
Sim. Aborto tem que parar de ser discutido apenas de quatro em quatro anos, em ano de eleição. É interessante como se faz essa pergunta a candidatos à Presidência da República quando não é ele que decide a descriminalização ou não. Teria que ser feito por uma Emenda Constitucional, é uma decisão do Congresso Nacional.

Sou contra a legalização do aborto salvo os casos previstos na Consituição porque temos que garantir minimamente aquilo que na Europa já tem, que é educação sexual dos nossos jovens. Isso tem que acontecer dentro do seio familiar, com proteção do Estado, Ministério da Assistência Social para dar condições. Estudei em colégio católico e tive educação sexual dentro da escola. Sou contra aborto além dos casos previstos em lei também porque, apesar do Estado ser laico, sou a favor da vida. Não tem como me separar do que sou e estou. Estou política e sou cristã.

MC Em 2021, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas e uma menina ou mulher vítima de estupro a cada dez minutos, considerando apenas o que chega até as autoridades. Como combater a violência contra a mulher?
ST
Fui a primeira presidente da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, em 2015. A primeira coisa a se implementar para criar uma política pública é ter dados. Criei o Observatório da Mulher contra a Violência, dentro do Congresso, e se transformou em um dos grandes atores para colher e analisar dados, e a partir daí, direcionar os poucos recursos que tem para políticas públicas. Como presidente, vou recriar o Ministério Nacional da Segurança Pública que, dentre outras coisas, terá responsabilidade de coordenar um amplo sistema de combate à violência contra a mulher, criança, adolescente e idoso. E vamos implantar uma Casa da Mulher Brasileira em todos os estados.

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MC Trinta e três vírgula um milhões de brasileiros passam fome. As famílias chefiadas por mulheres são especialmente atingidas: 63% desses lares apresentaram algum patamar de insegurança alimentar. Quais políticas públicas devem ser implementadas para as mães solo, que já são mais de 11 milhões no Brasil?
ST
De forma imediata, colocar todas as famílias em insegurança alimentar dentro de um novo Bolsa Família, ver se são mães solo, quantos filhos têm, separando miseráveis de quem está na linha de pobreza. E com porta de saída: colocar as empresas, a União coordenando estados e municípios, ajuda dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) para buscar e fazer análise criteriosa para inserir essa mulher e jovem no mercado de trabalho com curso profissionalizante. E continuar recebendo enquanto trabalha nos primeiros anos.

Paralelo a isso, precisamos fortalecer o ensino infantil e médio. O infantil não pode mais ser problema do prefeito. De 0 a 5 anos que está toda formação neurológica da criança. A União tem que coordenar esse programa de inserir todas as crianças no infantil e fazer trabalho com estados em relação ao ensino médio, colocar para funcionar o novo ensino médio no Brasil.

MC Defende a manutenção da política de austeridade fiscal e do teto de gastos?
ST
Sim. O problema não é falta de dinheiro: cobra-se muito e mal dos contribuintes. O dinheiro é mal gerido. O que está na Saúde vai para trator com suspeita de denúncia de superfaturamento. A responsabilidade fiscal não é um fim em si mesmo. Se não tiver teto de gastos, vai continuar tendo o mesmo dinheiro contingenciado para Ciência, Tecnologia e Inovação, que é pífio e vergonhoso. Porque ali não dá para fazer esquemas. É o teto que dá segurança, investidores não ficam inseguros, dólar não sobe, o que aumentaria o preço de tudo.

Por fim, o teto não é uma camisa de força. Qualquer situação emergencial, pode-se criar crédito extraordinário. O problema é que tivemos um governo perdulário, que não fez as reformas, especialmente a tributária, e gasta excessivamente onde não deve. Além de tudo, houve uma pandemia.

MC A senhora votou a favor da Reforma Trabalhista em 2017. Desde então, o desemprego aumentou, assim como a informalidade do mercado de trabalho. Como melhorar o cenário do trabalho no Brasil?
ST
Se não fosse a reforma estaríamos numa situação ainda mais grave. A reforma trouxe muitas coisas importantes, e deixou algumas lacunas, como a questão da uberização, os trabalhadores de aplicativos. Também temos questões relacionadas à mulher gestante. A bancada feminina pediu para [Michel] Temer vetar um dispositivo que permitia mulheres gestantes trabalharem em local insalubre, ele vetou, mas a Câmara não aceitou e derrubou o veto do presidente. A reforma trabalhista permitiu o trabalho em home office, dividir as férias. O que temos que fazer é garantir a quem está na informalidade uma forma de ter aposentadoria.

MC Qual sua posição sobre demarcação de terras indígenas e marco temporal?
ST
O STF vai dar a palavra final e sou a favor de cumprir decisão judicial transitada em julgado. Mas defendo o que aprovamos no Senado: uma PEC que garante que todo proprietário de posse mansa, pacífica, de boa-fé, há décadas na terra, seja indenizado de forma prévia e justa em dinheiro.

MC Segundo dados do Inpe, o desmatamento da Amazônia aumenta a cada ano. O que pode ser feito para preservar a floresta?
ST
Desmatamento ilegal zero. A Amazônia legal precisa ser preservada, com floresta em pé e comida na mesa. Aproveitar tudo o que a floresta tem de extrativismo, piscicultura, biotecnologia e biomedicina para colocar a serviço do homem amazônico, dos estados amazônicos, gerar emprego e renda. Temos uma riqueza ali com o povo que é considerado o mais pobre do Brasil. Derrubar árvore ilegal é crime, todos os sistemas de fiscalização e controle precisam ser reativados. Mudar a imagem de que o agro é vilão do processo.

O agro é sustentável. Você tem meia dúzia de garimpeiros ilegais, mineradores e grileiros ilegais que mancham a imagem do Brasil quando efetivamente cometem crimes ambientais. Esses precisam ser punidos.

MC O Brasil é um dos países que mais mata ativistas no mundo e piora a cada ano. O que fazer para reverter essa situação?
ST
Contra o crime, seja ele cometido contra quem for, tolerância zero. A morte de ativistas é gravíssima, muitos deles morrem ou enfrentam situações de alto risco porque existem situações para as quais o governo federal simplesmente fecha os olhos ou, pior do que isso, até as torna ainda mais agudas. Isso é evidente no que diz respeito à ação de grileiros, madeireiros e mineradoras ilegais na Amazônia. Nesse, como em muitos outros casos, o governo é parte do problema, porque cruza os braços.

O que precisamos é impor a lei e a ordem nessas regiões conflituosas e fortalecer os órgãos de fiscalização e controle ambiental, quando envolver nossos recursos naturais. E isso é possível.

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MC Ao fim de 2021, o Brasil bateu novo recorde e aprovou 562 agrotóxicos. No começo deste ano, a Câmara aprovou o chamado PL do Veneno, que altera regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos no país. A senhora defende maior flexibilização na aprovação de agrotóxicos?
ST
Eu não defendo maior flexibilização, ao contrário. Esses produtos devem ser rigorosamente controlados pelos órgãos responsáveis. Por outro lado, não podemos negar que eles são fundamentais para a produção de alimentos em grande escala. O que precisamos é saber usá-los. Neste, como em muitos outros casos em debate no país, o caminho do meio é o melhor. Precisamos sair dessa polarização odiosa que só leva à radicalização em todos os aspectos.

MC Michel Temer implementou na Petrobras o chamado Preços por Paridade Internacional, que faz com que o preço do petróleo suba a depender do contexto internacional, como tem acontecido hoje. Defende essa política?
ST
Claro, porque o Brasil importa derivados e não podemos ter defasagem de preços, sob risco de desabastecimento. Foi essa política que permitiu que a Petrobras saísse da profunda crise financeira provocada pela corrupção do petrolão e pela intervenção nos preços feita pelo PT. Com a paridade internacional, a Petrobras passou a ter lucros e com isso ganhou toda a sociedade, porque o Tesouro Nacional recebe impostos, royalties e dividendos: só no governo Bolsonaro, foram R$ 447 bilhões para a União. Se o governo usa mal esses recursos, e usa, o problema está no governo, e não na Petrobras.

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MC Estima-se que 6,1 mil pessoas morreram como resultado de violência policial em 2021. Defende  mudanças no sistema de segurança pública?
ST
Sim, mais do que um sistema, é preciso estabelecer uma verdadeira política nacional de segurança pública no Brasil, a partir da criação do Ministério da Segurança Pública. Preparar um projeto com alcance nacional, coordenado pelo Governo Federal, com troca de informações, setores de inteligência interligados e alta tecnologia para enfrentar o crime organizado. Em relação à violência policial, no meu governo será segurança pública e direitos humanos.

MC A população carcerária no Brasil chegou a 919 mil presos, ficando em terceiro lugar no ranking internacional. O que pensa sobre a política de encarceramento em massa e a chamada guerra às drogas?
ST
A guerra às drogas é um exemplo da necessidade emergencial de uma política nacional para o setor, liderada pelo Governo Federal, interligando as unidades da federação com sistemas de inteligência e vigilância, policiando nossas fronteiras com eficiência. Já o encarceramento em massa é um problema que precisa urgentemente entrar na pauta do país, envolvendo o Legislativo e o Judiciário, sob a liderança do Executivo.

"A vida nos faz todas feministas"

Simone Tebet

MC Houve algum episódio de machismo que marcou a sua trajetória?
ST
Muitos. Sou de uma geração que ajudou a abrir portas. Faço política há 35 anos, com 20 anos de mandatos consecutivos. Fui vítima e testemunhei essa violência. Quando se avançou na cota de 30% de candidatas, e eu fazia política nos bastidores, cansei de embrulhar pacotinho de santinhos e brindes para as mulheres, e ver os homens ganhando cheques robustos. Apresentei um projeto que o Congresso teima em não votar que garante 30% das mulheres nas executivas dos partidos. Olha o a fotografia do anúncio do acordo entre MDB, PSDB e Cidadania: aquela é a cara da política brasileira. Só homens brancos. Mas é muito distante da realidade da população brasileira.

Aconteceram três episódios muito parecidos comigo, e reagi a eles de formas diferentes. No primeiro eu era deputada estadual e recebi uma violência muito forte de ameaça, dedo em riste, crescer para cima de mim. Fiquei tão pasma que minha reação foi ir ao banheiro chorar. Depois recebi violência política como primeira mulher prefeita da minha cidade. Fiquei sem reação em alguns momentos. E da última vez foi na CPI: do jeito que veio, voltou. Deu de dedo, dou também, cresceu a voz, cresci de volta. Demorei muito pra entender as violências que sofri. Por isso gosto da frase de Simone de Beauvoir: "a mulher não nasce mulher, torna-se". Nascemos dentro de um estereótipo, temos que nos transformar naquilo que precisamos ser, no sentido de enfrentar as adversidades com coragem. A vida nos faz todas feministas.

Tem que parar de dizer que isso é de esquerda. Qualquer mulher que defenda condições iguais entre homens e mulheres é feminista. Talvez seja hora de dar uma nova roupagem a esse termo, até para incluirmos todos as mulheres e homens feministas.

"Olha o a fotografia do anúncio do acordo entre MDB, PSDB e Cidadania: aquela é a cara da política brasileira. Só homens brancos"

Simone Tebet

MC A senhora se considera uma feminista de direita?
ST
Não sou de esquerda e nem de direita, sou de centro. Dialogo com ambos. Tenho posicionamentos mais à esquerda nos costumes, e sou liberal na economia. Lutei muito tempo para sair da caixinha. A virtude está no meio, tem coisas boas e ruins em qualquer ideologia. Sou a favor de privatizações, mas não da Petrobras e nem de bancos públicos. E aí? Isso me coloca onde? Vão me jogar no meio do mar porque não pertenço a uma coisa e nem outra?