• Fátima Canejo em depoimento a Kizzy Botolo
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Fátima e Daniel vivem juntos depois de um desencontro de 40 anos  (Foto: Acervo pessoal)

Fátima e Daniel vivem juntos depois de um desencontro de 40 anos (Foto: Acervo pessoal)

“Há exatos 40 anos, fui passar as férias escolares com os meus pais numa cidadezinha pequena e pacata do interior pernambucano chamada Serrita, onde meus parentes viviam. Foi quando conheci Daniel, um jovem moreno, lindo e recém-chegado de Petrolina também para passar as férias na cidade. Um dia, estava passeando na rua e ele sorriu pra mim. E que sorriso mais lindo! Correspondi no ato e ele foi logo me puxando pra conversar. Era conhecido como o irmão do padre João Câncio, idealizador da ‘Missa do Vaqueiro’, celebração tradicional por lá. O primeiro beijo foi roubado por ele. Me lembro que estava na casa da minha prima, onde acontecia as ‘tertúlias’ da época, que eram encontros dançantes dos adolescentes da cidade. Nunca esqueci aquele momento. Tampouco já havia sentido meu coração bater tão forte por alguém. A partir de então, passamos a nos ver diariamente, trocando promessas de jamais nos separar. Eu só tinha 16 anos e ele, 22.

Minha família não queria o nosso namoro. Nem a dele. Meus pais eram de uma família super tradicional de políticos da cidade, e o tal padre irmão do Dani estava ganhando muito espaço no governo local com ações sociais e, com isso, incomodando quem estava no poder. O jeito era namorar escondido, na cozinha da casa da minha madrinha, Dona Gida. Era um amor adolescente, puro, inocente e feliz. Que me fazia suspirar...

O tempo passou e nós continuamos nos encontrando escondido, mas sempre atentos a qualquer atitude suspeita. Era divertido, porém, desafiador. Rolava a maior adrenalina não só  pela emoção do encontro mas também pelo medo de sermos flagrados. Resolvemos, então, pedir ajuda às nossas amigas. Elas ficavam vigiando qualquer pessoa que se aproximasse da cozinha da casa da Dona Gida, nosso refúgio. Nem o fato de o marido dela, que era compadre dos meus pais, ter olhado feio no dia em que nos flagrou aos beijos, perto do fogão a lenha, nos intimidou. Só mudamos de esconderijo.

Até que, no meio das férias, alguém descobriu e contou tudo para a minha mãe, que decidiu interromper a viagem naquele momento. Voltamos para o Recife, não sem antes eu levar uma bela surra. Mal sabia eu que ficaria quase 40 anos sem ver o meu grande amor. Lembro que apanhei muito quando meu pais souberam do meu namoro, mas eu continuava pensando no Dani -- que me chamava carinhosamente de Fatinha. 

O tempo, a distância e as circunstâncias da vida foram responsáveis pela nossa separação. Porém, nunca acabamos o namoro. Não houve um término formal. Só que, naquela época, a correspondência era através de cartas e, tempos depois, eu soube que as cartas dele nunca chegaram às minhas mãos.

Depois do romance-relâmpago, nossos destinos seguiram rumos completamente diferentes. Chegamos até a estudar na mesma faculdade em Recife, mas nunca nos vimos novamente. É inacreditável! A vida seguiu. Ele se casou, eu também. Tivemos nossos filhos. Eu tive um casal e ele, quatro crianças. Mas, vez ou outra, lembrava do Dani -- e, na minha fantasia, ele também não havia me tirado da cabeça.

Mudei para o Rio de Janeiro, onde fui casada por quase 20 anos. Quando me separei, em 1997, ainda tinha filhos pequenos. Mas foi a brecha que eu esperava para procurar pelo meu primeiro e único amor. Comecei minhas buscas com os vizinhos de Serrita, passei para as redes socias e nada. Alguns meses depois, um amigo em comum me disse que ele era professor, morava em Minas Gerais, mas estava casado e feliz. Foi um balde de água fria no meu coração.

Anos se passaram e, em julho de 2014, voltei a Serrita e, por sorte, o Daniel também. Assistimos à famosa ‘Missa do Vaqueiro’ a poucos metros de distância um do outro. Mas, por ironia do destino, não nos vimos. Mesmo alimentando boas lembranças do meu amor adolescente, nunca imaginei que eu conseguiria encontrá-lo de novo. E tudo bem. Fato é que, depois do divórcio, não tive nenhum outro relacionamento sério ou importante. Me dedicava somente aos meus filhos, ao meu trabalho e a viajar para a minha cidade natal.

Até que, dois meses depois, em uma bela tarde de primavera, finalmente nos encontramos em uma rede social, onde tínhamos alguns amigos em comum. Confesso que desconfiei até que fosse outra pessoa quando recebi um pedido de solicitação de amizade com o nome dele. A foto não parecia em nada com o jovem com quem eu tinha vivido um tórrido romance décadas antes. Ele estava grisalho, careca... Lindo! Mas muito diferente de antes. Como sempre fui curiosa, fucei a página dele todinha e confirmei: aquele era mesmo o meu Dani! E o melhor: vibrei ao ver ali que ele também já estava separado. Era a minha grande chance! O destino não haveria de brincar com a gente de novo. Não mesmo! 

Aceitei a amizade e mandei uma mensagem para ele. Conversamos por algumas semanas por mensagens de texto e, depois de dois meses, ele passou a me ligar até quase 10 vezes por dia! Ficávamos falando por horas e horas a fio, como dois adolescentes apaixonados... Uma vez chegamos a ficar colados no telefone por mais de sete horas seguidas! O amor tem dessas coisas... E aí, quando vimos, nós já estávamos namorando à distância.

Não demorou para marcarmos um encontro pessoalmente. Já havíamos esperado 40 anos, não aguentávamos de saudade! A cidade escolhida foi Petrolina, no Pernambuco, onde o Dani tem parentes. Combinamos de passar o Natal daquele ano juntos. Daniel estava morando em Berizal, Minas, e eu havia voltado a morar em Serrita, minha cidade natal. 

Quando desembarquei em Petrolina, juro que custei a acreditar que aquilo estava prestes a acontecer. Sabe aquele friozinho gostoso que a gente sente na barriga quando é adolescente? Eu senti e revivi tudo isso, só que agora com 60 anos e ele com quase 70. Aquele homem maduro se aproximou de mim tão nervoso e ansioso, as mãos suavam de aflição... Ele mal conseguiu falar. Tentou me beijar, mas me esquivei. Ele investiu novamente e acabei cedendo. Poxa, afinal, eram 40 longos anos de uma saudade absurda! Imagina a ansiedade?

Me lembro que, quando os nossos lábios se tocaram, me vi flutuando... A pele macia daquele homem, seu cheiro suave, o toque carinhoso... Tudo estava tão perfeito como na nossa primeira vez, no começo da década de 70. O amor realmente não poupa ninguém, mesmo nós, mais maduros, experientes e com todas as marcas da vida. A gente tremia que nem ‘vara verde’ ao estar ali, frente a frente. Foi lindo, mágico!

Ficamos horas abraçados, numa tentativa frenética de reviver todo o nosso passado. Era como se tudo que nós vivemos tivesse passando como um filme bem ali na nossa frente! E logo percebemos que o nosso sentimento era ainda tão puro e sublime, como na nossa juventude. A nossa química, em todos os sentidos, continuava a mesma e detalhe: ainda melhor! Voltei a me sentir viva, depois de um casamento pacato que tive com o pai dos meus filhos. Desde esse dia, não nos desgrudamos mais.

Meses depois, ele se aposentou e fomos morar juntos em Serrita, cidade onde tudo começou. Meus familiares ficaram bastante surpresos com esse romance e, no início, eu não tive muito apoio por parte dos meus filhos, o que me deixava muito magoada. Os filhos dele também ficaram com muito ciúmes no começo. Mas, enfrentar tudo e todos já era moleza, a gente tirava de letra. Sempre tivemos que superar muitas coisas para estarmos juntos, desde muito novos. E, mesmo assim, enfrentamos de cabeça erguida qualquer imprevisto ou ‘olho torto’ que viesse pra cima.

Eu e Dani decidimos que íamos ficar juntos e dessa vez ninguém ia nos separar! O namoro interrompido no passado ganhou ainda mais força e uma nova chance de acontecer. O que a gente mais queria era recuperar o tempo perdido. Esperei muito tempo para estar com o meu grande amor e passei a não querer perder mais nenhum momento. Pensamos até em escrever um livro juntos para contar a nossa história e mostrar a nossa verdade. É um projeto do casal para o futuro.

O amor que sinto por ele passou e vem passando por muitas fases. Por momentos de conflitos, adaptação... Após muitos anos morando sozinhos, cada um com as suas dores, decepções e experiências de vida, não é fácil. Os momentos de descobertas, as renúncias e a esperança de dias melhores é o que nos motiva a ficar juntos. A gente conversa, briga como dois adolescentes bobinhos e depois volta a se amar, a cuidar um do outro.

Moramos juntos, há quatro anos. Namorando, estamos descobrindo e vivendo as emoções, nos aceitando, renunciando, amando, respeitando um ao outro e construindo, a cada dia, um futuro onde o nosso amor não é mais proibido. Hoje, meu maior conforto é saber que o amor existe e resiste. A tudo!”

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