• Natacha Cortêz
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Em um dia comum na vida de Pâmela Souza, ela recebe, em média, 120 mensagens de WhatsApp. Algumas são da mãe querendo saber se comeu direito, outras, de um flerte e de uma ou outra amiga perguntando o programa do fim de semana. Mas a maior parte delas é para pedir uma bênção. Do alto de seus 24 anos, Pâmela é uma benzedeira, daquelas que nossas avós costumavam contar histórias. Mas versão millennial. E por isso mesmo atende – “se for preciso” – por WhatsApp e inbox de Facebook e Instagram. Atenciosa, responde sempre prontamente quem a procura pela internet: “Olá, linda flô [sic]. Como posso ajudar?”. Se o benzimento for virtual e, dessa forma, a distância, ela usa um prato de ágata com água e um fio de azeite onde põe um pedaço de papel com o nome de registro da pessoa que deve ser abençoada e começa a rezar. O ritual, ela diz, “dura minutos” e pode ser feito sempre que a pessoa “sentir que precisa”.

Benzedeiras (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras - “Desde que me entendo por gente, [almas] tentam falar comigo. Pedem uma intermediação com os vivos  ou bênçãos para eles” – Pâmela Souza, 24  (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras - “Desde que me entendo por gente, [almas] tentam falar comigo. Pedem uma intermediação com os vivos ou bênçãos para eles” – Pâmela Souza, 24 (Foto: Micaela Werneck)

É desde os 17 anos que Pâmela vive de benzer gente e do que garante ser uma ponte com o sobrenatural. Tudo começou depois de uma tarde atípica em sua adolescência, quando entrou em um ônibus para chegar até o centro. O carro estava vazio e ela conseguiu se sentar com folga, acomodando a mochila escolar no banco ao lado. A sua frente, uma mulher de 30 e poucos anos e cabelos escuros puxou conversa e logo pediu ajuda. Alguém precisava dizer ao seu pai, o motorista do ônibus, que ele estava perdoado e devia seguir com a vida. A tal mulher dos cabelos escuros, morta pelas mãos de um ex-marido, não poderia realizar a façanha de se comunicar com um vivo. Mas Pâmela “com certeza”, implorava a passageira-fantasma.

Esse foi apenas um dos “chamados”, como classifica Pâmela, de uma juventude povoada por espíritos, anjos da guarda e recados do além. “Desde que me entendo por gente, tentam falar comigo. Pedem uma intermediação com os vivos ou bênçãos para eles”, conta. E isso ela faz sob o comando de seu mentor, Vô Antônio, entidade espiritual que rege seus trabalhos no Florescer Bento, ambulatório de cura e ensinamentos na capital paulista desde 2016. No espaço, ela já formou 1.062 benzedores, em 78 turmas. Pelo curso, que dura um dia inteiro, os alunos pagam R$ 89. No Facebook, a página do Florescer tinha, até o fechamento deste texto, mais 12 mil seguidores.

Alma velha
Apesar dos seus 27 anos, Estefânia Verreschi fala como quem carrega três vidas nas costas. A cabeça é baixa e os cabelos escondem metade do rosto. A voz, rouca, também é baixa. Para escutá-la, é preciso se aproximar. “Coisa de benzedeira”, avisa. “A gente se finge de surda para a pessoa botar a atenção na gente”, continua. Em suas mãos, estão dois terços entrelaçados; são presentes dos avós paternos, pessoas que cuidavam da igreja do bairro, na cidade de Cunha, interior de São Paulo, quando ela era criança. O assunto que Estefânia domina está no mundo desde milhares de anos antes de seu nascimento: “Falo dos misticismos, da espiritualidade”.

O primeiro contato com “as coisas da espiritualidade” foi logo na infância, aos 3 anos. Logo no fim da rua onde morava havia a casa de “uma senhora muito senhora”, que benzia quem quer que fosse a troco de nada. “Quando muito, davam a ela uma galinha, um bolo quente”, lembra. Um certo dia, depois de ser benzida incontáveis vezes pela mulher – “tinha qualquer febre e minha mãe me levava até ela” –, Estefânia espontaneamente pediu para ser aprendiz da senhora. “Meus pais acharam gracioso o meu interesse e permitiram a aproximação.” As “aulas” duraram até os 10 anos dela. Desde então, sua veia espiritual só ganhou força. “Quando comecei a ter contato com as coisas sobrenaturais, como os cheiros, palavras e gestos das incorporações, por exemplo, era como se os conhecesse intimamente. Era tudo parte de mim”, diz.

Mesmo com a iniciação espiritual poderosa, teve uma parte de Estefânia que quis se distanciar deste universo. “Decidi viajar, estudar as coisas do mundo.” Entrou na faculdade de História, morou um tempo na Inglaterra, outro nos Estados Unidos e também na Suécia. “Mas daí você começa a se perguntar de onde vem, a qual lugar pertence. Senti uma necessidade de reencontrar as minhas raízes.” Aos 24, foi diagnosticada com uma anemia severa e voltou para a casa dos pais. Nesse momento, retomou sua aproximação com Deus e abandonou a faculdade. “Sabia que ir atrás dos resgates ancestrais seria ir por um caminho contrário do que a sociedade esperava de mim. Mas só benzendo, mexendo com as plantas e fazendo minhas bruxarias eu me sentiria em casa.”

Benzedeiras - “O mundo está doente do coração. As pessoas precisam alinhar o resgate ancestral à tecnologia” – Estefânia Verreschi, 27 (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras - “O mundo está doente do coração. As pessoas precisam alinhar o resgate ancestral à tecnologia” – Estefânia Verreschi, 27 (Foto: Micaela Werneck)

Faz quatro meses que Estefânia abriu no Instagram o perfil @ErvariaDasLuas, que conta com mais de 20 mil seguidores. “É a forma que tenho de alcançar quem nunca ouviu falar em sagrado. Nós, jovens, somos de uma geração que tem dificuldade com vínculo, que é pouco emocional e muito capitalista. Interessada primordialmente em alcançar sucesso. O mundo está doente do coração. As pessoas precisam alinhar o resgate ancestral à tecnologia. Tenho de me lembrar de que posso me curar sozinha. E que tomar um chá é um ritual. E que funciona!”, continua.

Diferentemente de Pâmela, o benzimento feito por Estefânia é sempre feito pessoalmente, usando ervas, velas e incensos, na presença de imagens de santos católicos e Iemanjá. “Não tenho religião, mas espiritualidade.  E espiritualidade não tem nome. Deus é tudo, inclusive o próprio mar. E Iemanjá é mar. Não tem como você entrar no mar e sair a mesma pessoa.” O serviço não tem custo.

Terço, manjericão e cachimbo
É também desde muito criança que Talita Lopes da Silva, 32 anos, tem a espiritualidade “aflorada”. A mãe era espírita, o pai, cristão – desses que não faltava a missa nenhuma. A madrinha, de quem ela era próxima, umbandista. Portanto, Talita cresceu frequentando o centro espírita, a catequese e o terreiro. Na adolescência, os livros do escritor brasileiro Paulo Coelho mexeram com sua cabeça. “Foi aí que conheci o ocultismo, a wicca, a bruxaria natural, as coisas holísticas. Minha vida nunca mais foi a mesma. Me encontrei nesses conhecimentos e fui atrás de estudá-los de forma autônoma.” Atualmente, faz dos mistérios profissão e ganha-pão.

Na Zona Leste de São Paulo, mantém a Yatra – Escola de Saberes Ancestrais, onde é terapeuta e compartilhadora de tudo que aprendeu nos últimos anos. Ali, tem até outro nome: Tali Kailash. “É como um apelido de iniciação espiritual. É como sou chamada no mundo sobrenatural”, diz. Talita fez formação técnica em Logística. Começava carreira em uma transportadora com foco em comércio internacional quando, em 2014, largou tudo para abrir sua escola de saberes ancestrais. O motivo? “Não dava mais para negar meu lado espiritual. Minha mente e coração não focavam mais no trabalho da transportadora. Não tive escolha. Foi mais forte que eu.”

Benzedeiras (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras (Foto: Micaela Werneck)

Das três mulheres entrevistadas aqui, Talita, que se considera universalista – ou melhor, alguém que não segue uma religião ou filosofia específica – é a que, digamos, benze de forma mais sincrética, unindo as mais opostas doutrinas. Em seu processo de benzimento, há uma mistura de tudo que funda sua espiritualidade. Dessa forma, faz todo o sentido usar o terço cristão juntamente com ervas (as preferidas dela são manjericão, lavanda, alfazema, hortelã, alecrim) e o cachimbo, instrumento símbolo da Jurema do Catimbó (pode ser chamada também de Catimbó-Jurema), uma das religiões estudadas e seguidas por ela.

“A Jurema é uma religião de origem brasileira que tem muita presença no Nordeste. Tem influências africana, indígena e cristã. Sinto que a minha caminhada na umbanda e no candomblé foi para chegar até ela, que tanto me representa.” Através do cachimbo, Talita conta, “operamos curas e enviamos mensagens”. As “fumaçadas” são o meio condutor da magia.

Benzedeiras - “Prefiro seguir as tradições e fazer como os antigos. Sou apegada aos rituais, ao cachimbo e às ervas” – Talita Lopes da Silva, 32 (Foto: Micaela Werneck)

Benzedeiras - “Prefiro seguir as tradições e fazer como os antigos. Sou apegada aos rituais, ao cachimbo e às ervas” – Talita Lopes da Silva, 32 (Foto: Micaela Werneck)

Mesmo exercendo o benzimento em sua escola, a terapeuta não gosta muito da ideia de dizer que é uma benzedeira. Foi resistente ao falar dos seus processos para Marie Claire. Isso até conversar com o seu padrinho espiritual, que foi esclarecedor: “Sim, Tali, você é também benzedeira. E das fortes”. Os atendimentos são gratuitos, acontecem uma vez ao mês, religiosamente, e são sempre presenciais. “Prefiro me apegar às tradições e fazer como os antigos. No mais: sou apegada aos rituais, ao cachimbo e às ervas”, explica. “Não é muito do meu feitio isso de WhatsApp.”