• Larissa Saram
  • Da @lamparinaweb
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A escritora Madeline Miller (Foto: Divulgação)

A escritora Madeline Miller (Foto: Divulgação)

Um dos clássicos poemas épicos da Grécia Antiga conta a trajetória de Odisseu, Rei de Ítaca, que, após vencer a Guerra de Tróia, precisa voltar para casa. E entre as tantas aventuras e desventuras desse retorno, há uma passagem que pode não ter chamado a atenção de muita gente, que é a chegada do navio de Odisseu à Ilha de Eéia, onde vivia a misteriosa feiticeira Circe.

Pois esse não é o caso da escritora norte-americana Madeline Miller. Tanto que ela se dedicou a escrever uma detalhada ficção sobre a personagem que ficou conhecida por transformar homens em porcos. Em Circe - Feiticeira. Bruxa. Entre o castigo dos Deuses e o amor dos homens (Planeta, 368 págs., R$ 59,90), lançado em 2019 no Brasil, Madeline usa a fantasia para construir uma complexa identidade para a filha de Hélio, o Sol. O livro foi indicado ao Women's Prize for Fiction, um dos mais importantes prêmios literários do mundo.

"Em Odisseia, Circe é uma personagem fascinante: uma bruxa independente, uma deusa, uma artista. Mas, apesar da vivacidade dessa descrição, Homero nos fala pouco sobre ela e eu queria saber mais", contou a autora.

Em entrevista para Marie Claire, ela fala sobre seu interesse pelas feiticeiras e a importância de transformar uma personagem feminina coadjuvante em protagonista de sua própria narrativa.

Capa do livro

Capa do livro "Circe" (Foto: Divulgação)

Marie Claire Qual é a importância de criar uma fantasia épica sobre uma das bruxas mais antigas do mundo, fazendo-a protagonista de sua própria história?
Madeline Miller
Com frequência histórias de mulheres só existem para servir as histórias de homens. Nos épicos antigos, as personagens femininas são inexistentes ou relegadas a coadjuvantes bidimensionais. Acho que é importante dar às histórias e às vidas das mulheres o mesmo escopo e atenção que a vida dos homens tem tido há séculos.

MC Curandeiras especialistas no poder das plantas e das ervas foram acusadas de bruxaria e queimadas nas fogueiras da Inquisição desde a Idade Média. Como acha que a história de Circe pode pode contribuir para a desconstrução desse estereótipo de que bruxas são mulheres ruins?
MM
Historicamente, as acusações de bruxaria eram uma maneira de controlar as mulheres através do medo. Não é por acaso que elas foram atacadas por serem consideradas independentes, fora do padrão. A mensagem era clara: obedeça ou será morta. Mas como disse antes a feminista Matilda Joslyn Gage, muitas dessas chamadas bruxas na verdade eram cientistas e médicas. Elas conheciam herbalismo e cura, podiam fazer medicamentos, atuavam como parteiras, enfermeiras, anciãs e líderes em suas aldeias. Deveríamos estar honrando a sabedoria e o poder delas, e espero que Cice possa fazer parte disso.

MC Você disse em uma entrevista que "bruxas são mulheres cujos poderes os homens não podem controlar". De que tipo de poderes você está falando?
MM
Qualquer um - político, pessoal, artístico. A sociedade sempre temeu as mulheres que se negaram a recuar, que lutam contra a injustiça, que criam e lideram. Bruxas são uma metáfora para tudo isso.

MC Que paralelo podemos traçar entre a história de Circe e o despertar de uma mulher para o feminismo?
MM
Infelizmente, as mulheres foram silenciadas, abusadas e prejudicadas desde o início da história registrada. A trajetória de Circe é atemporal. É uma mulher tentando encontrar um lugar para si mesma em um mundo hostil à independência feminina. Circe foi ensinada a desconfiar de outras mulheres e depois cai na real que muitas estão lutando pelas mesmas coisas que ela. A personagem percebe ainda que os homens também são contraídos pelas expectativas de gênero.

MC De todas as lições que Circe aprende como bruxa, qual você considera mais importante para a personagem? E a mais importante para as mulheres que estão lendo sua história?
MM
Circe aprende a importância de ouvir sua própria voz e definir por si mesma o que de fato é uma vida boa, em vez de seguir cegamente as pessoas à sua volta. Mas este não é um processo fácil ou limpo. Eu acho importante que as mulheres saibam que não precisam ser perfeitas. A vida é cheia de erros e reviravoltas. O importante é que Circe nunca para de tentar se entender e fazer melhor.