• Silvia Chakian
  • Especial para a Marie Claire
Atualizado em

“Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido”, cantou a lenda do jazz e do soul Nina Simone, responsável pelos mais belos paralelos entre paixão e liberdade, que para ela significa, antes de tudo, não ter medo.

Coluna Silvinha - Junho (Foto: Colagem Pamella Moreno)

Coluna Silvinha - Junho (Foto: Colagem Pamella Moreno)

Talvez esteja aí um dos pontos chave de um relacionamento afetivo saudável, daqueles que somam, constroem, despertam paixões, elevam o bem-estar, proporcionam amparo nas horas de caos, além de alegrias no dia a dia: poder viver uma relação sem medo. Com os percalços inevitáveis da rotina, as dificuldades e desavenças naturais que decorrem da convivência entre dois indivíduos de personalidades, experiências e expectativas distintas, mas... Sem medo. Ao menos, sem o medo de se expressar, estar, ir e vir, ser e existir integralmente naquela relação.

Dois ou três cliques no Google são suficientes para se chegar a um arsenal de testes e questionários que acompanham nove entre dez artigos, cartilhas ou matérias sobre relacionamentos abusivos, sempre sob o título: “Saiba se o seu relacionamento é abusivo”.

São perguntas como: a) seu parceiro vigia e controla suas ações?; b) te impede de conviver com familiares e amigos?; c) te proíbe de trabalhar, estudar ou praticar atividades rotineiras?; d) profere xingamentos, desqualificações e humilhações contra você com frequência?; etc.

Ao final, o veredicto: “se você respondeu sim a alguma dessas perguntas ou mais, está vivendo uma relação abusiva”. Como se fosse possível determinar um protocolo de “namoro saudável”, a partir de cinco a dez indagações aplicáveis às diferentes formas de relacionamentos afetivos entre todos os indivíduos na face da terra.

Seria maravilhoso se pudéssemos roteirizar esses comportamentos, mas os sinais de um relacionamento abusivo nem sempre estão tão escancarados assim e os contextos que permeiam essas relações amorosas são bem mais complexos e desafiadores. De qualquer forma, um aspecto recorrente na escuta de mulheres que estão vivendo relacionamentos abusivos merece ser destacado: o medo.

Medo de não corresponder às expectativas por vezes irreais do/a parceiro/a, como de “namorada ou esposa perfeita”, “amante insaciável”, “mãe zelosa”, “santa”, “razão da felicidade alheia”, ou de subverter a lógica de subordinação própria do patriarcado, da mulher que precisa ganhar menos que o homem, ocupar função de menor destaque e não demonstrar grandes conquistas profissionais;

Medo de interagir com outras pessoas que possam desagradar ou causar desconfiança, inclusive no ambiente virtual e das redes sociais (crença de onipotência e onipresença, como se o/a parceiro/a tudo pudesse ver e a todo lugar pudesse estar); medo de dizer não, sem que isso signifique provocação ou afronta (sensação de pisar em ovos, estar em permanente estado de alerta e na expectativa de que algo ruim possa acontecer); e, finalmente, medo de sair daquela relação, porque isso pode significar risco de ameaças, agressão e até morte.

Não importa o tamanho do questionário ou quantas perguntas serão preenchidas com um X: se há medo, não há liberdade, e onde não há liberdade, não pode haver amor. Há controle, sentimento de posse, manifestação de poder. Mas jamais amor.