• Isis Vergilio
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Isis Vergilio fala sobre o Dia da Consciência Negra (Foto: Arquivo pessoal)

Isis Vergilio fala sobre o Dia da Consciência Negra (Foto: Arquivo pessoal)

Em diálogo com amigos, pesquisadores, intelectuais, artistas, pessoas negras que vem desenvolvendo em suas áreas de atuação, produções de altíssima qualidade, percebo uma grande insatisfação quando se trata do mês da consciência negra, em relação ao “modus operandi” em que as instituições, empresas, organizações operam durante o processo de contratação desses profissionais. Temos consciência da importância do mês para a nossa comunidade, mês em que a sociedade como um todo é convidada a refletir sobre a história do negro no país, assim como os reflexos de um processo extremamente desigual e desumanizante na qual a população negra foi e ainda é submetida. E em paralelo a isso, relembrar a figura de Zumbi dos Palmares que, em parceria com Dandara, liderou o Quilombo dos Palmares que fez frente de resistência por mais de um século.

O mês de Novembro é um mês cheio, a caixa de e-mail  transborda de mensagens e convites, é um mês movimentado para quem realiza produções e eventos com pessoas negras. Tenho viajado por todo Brasil na qualidade de produtora da Coleção Feminismos Plurais e da minha amiga Djamila Ribeiro, coordenadora da Coleção. Assumo a missão de pensar e articular todo meio de campo que envolve os processos de contratação e realização dos eventos, penso cuidadosamente nos detalhes, desde a conversa inicial até os “finalmentes” como alinhamentos de logística, hospedagem, alimentação, cachê, ou seja, todos os processos.

O livro "O que é lugar de fala? primeiro da Coleção Feminismos Plurais" e de autoria da Djamila Ribeiro,  me gerou muitas reflexões positivas, aproveito a oportunidade para agradecer a Djamila Ribeiro, gênia, que sistematizou um conceito tão importante. Lendo o livro, senti uma necessidade profunda de falar sobre a falta de preparo, ética e compromisso com profissionais negros, envolvendo a precarização da mão de obra desses  indivíduos. Retirei os dados do livro na tentativa de  convidar as leitoras e leitores a uma reflexão:
Segundo pesquisa desenvolvida pelo Ministério do trabalho em parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) DE 2016, 39,6% das mulheres negras estão inseridas em relações precárias de trabalho, seguidas pelos homens negros (31,6%), mulheres brancas (26,9%) e homens brancos (20,6%). 

No mês de novembro, percebo por parte das instituições/organizações/empresas a necessidade de promover discussões e debates sobre questões relacionadas à negritude. No entanto, observo uma falta de preparo sacana e racista na abordagem, em que as mesmas, não se dispõe a oferecer condições mínimas para a realização do trabalho, e refletindo sobre isso me lembrei de uma frase do livro “Quem tem medo do Feminismo Negro?" também da minha queridíssima amiga e chefa Djamila Ribeiro, que está no artigo, “Falar em racismo reverso é como acreditar em unicórnios” e trouxe aqui para refletirmos juntas.

“Quem detém os meios de produção? Há uma hegemonia branca que confere privilégios sociais a um grupo em detrimento do outro” ou seja, se nós, pessoas negras, não detemos os meios de produção é fundamental que, quem detém, e está realmente disposto a refletir criticamente e colocar em prática a luta antirracista se comprometa a uma mudança radical em suas práticas. Neste contexto, a frase da pensadora Rihanna vai muito bem “Bitch Better have my money” que na tradução popular significa “Besha, pague meu dinheiro”. Eu acredito que nem deveria falar e reforçar isso, mas diante de tantos absurdos, é fundamental que pessoas que representam as instituições e entram em contato com profissionais negros e negras para a contratação de um serviço, tirem o crachá e tenham consciência de que produção intelectual tem e deve ser remunerada. É inaceitável, considerando a realidade do negro neste país, que organizações/instituições/empresas não se deem conta do quão absurdo é fazer a solicitação de um trabalho oferecendo em troca “visibilidade” (pelo amor dos orixás, gente!) e em algumas situações não é oferecido nem a logística, alimentação e hospedagem. Isso me faz questionar: será que existe comprometimento por parte das instituições com práticas antirracistas? Será que realmente estão querendo construir pontes de diálogo a fim de promover um debate sério sobre o tema?

Quero evidenciar que práticas como essas são extremamente violentas. Retirei outro trecho de “O que é lugar de fala?” para pensarmos “Como explica Collins, quando falamos de ponto de partida, não estamos falando de experiências de indivíduos necessariamente, mas das condições sociais que permitem ou não que esses grupo acessem lugares de cidadania. Seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar as experiências sociais, mas de entender como lugar social de certos grupos ocupam e restringem oportunidades”. Pensando nisso, encerro a minha coluna dizendo que,  se de fato as organizações, instituições, empresas querem colocar em prática e serem aliados na luta antirracista e anti machista, precisamos de comprometimento, ou seja, precisamos de reflexão aliada à prática nos outros 364 dias do ano e não somente no dia 20 de novembro. É fundamental e necessário romper com esse abismo entre a prática e a teoria, e quando falamos de criar condições para, estamos falando de infraestrutura adequada, remuneração e compromisso ético. Precarizar a mão de obra de indivíduos negros é reforçar práticas desumanizantes e racistas.

Fontes:

O que é lugar de fala? Djamila Ribeiro
Coleção feminismos plurais

Quem tem medo do feminismo negro? Djamila Ribeiro - Companhia das letras

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