• Paola Deodoro
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Brunna Gonçalves no BBB (Foto: Reprodução Instagram)

Brunna Gonçalves chegou ao BBB 22 com lace loira e lisa (Foto: Reprodução Instagram)

Vitor Malibu é um dos maiores especialistas em laces no Brasil - e vem acompanhando bem de perto o processo de aceitação e empoderamento das mulheres por meio das mudanças capilares. Não à toa, o wig maker cuida das cabeças mais estreladas do país.

Se tornou especialista trabalhando no Lud Hair Boutique, salão em que a cantora Ludmilla e sua mãe, Silvana, são sócias, em 2016, na Baixada Fluminense. Se especializou nos Estados Unidos e hoje é uma das vozes potentes sobre liberdade capilar e beleza múltipla. No BBB21, viu a curiosidade do público a respeito das laces aumentar - e o assunto tomar conta das mídias - com a participação de Camilla de Lucas, sua cliente. Na edição de 2022 do programa, é o responsável pelas laces de Brunna Gonçalves.

Em um bate-papo exclusivo com Marie Claire, Vitor reflete sobre o preconceito com o uso de perucas, "mesmo que sejam as mais modernas", e sobre a opressão que as mulheres pretas sofrem em relação ao modo como usam seus cabelos. "Usar um cabelo liso não a faz menos negra e muito menos desmerece o seu próprio cabelo crespo. A possibilidade de mudar e cuidar do próprio cabelo é um direito de todos", conclui.

Sobre o estilo de Brunna, conta qual a lace preferida da bailarina e ainda revela que ela e Ludmilla tem várias laces em "guarda-compartilhada".

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Vitor Malibu, especialista em laces e perucas (Foto: Divulgação )

Vitor Malibu, especialista em laces e perucas (Foto: Divulgação )

Marie Claire - Qual a principal diferença entre lace e peruca? Qual a tecnologia que envolve a lace que a faz ficar tão cara?
Vitor Malibu -
A diferença é que a lace é uma prótese feita fio a fio na cabeça, em toda a área ou em partes específicas. Os fios são costurados em uma tela superfina que simula o couro cabeludo, dando um acabamento incrivelmente natural e encarecendo um pouco o produto pelo trabalho que dá para montar. Já a peruca é montada a partir de telas de cabelo tecidas na máquina de costura.

Marie Claire - Quais os principais cuidados que uma lace exige? Como deve ser a lavagem e o processo de higienização? E o armazenamento, precisa de algum lugar especial para guardar?
Vitor - 
Depois de instalada, os cuidados com a lace são similares aos cuidados do próprio cabelo: lavar, hidratar, proteger os fios do calor e secar são coisas comuns que fazem a diferença para manter a lace em dia. A lavagem e a higienização na cabeça e fora dela são feitas com produtos comuns de cabelo, como  shampoos, condicionadores, máscaras de hidratação...  É importante sempre lavar e guardar a lace seca e limpa, se possível dentro de um saquinho de cetim para evitar frizz e o embolamento  dos fios. Assim, além de facilitar o próximo uso, evita o surgimento de mofo ou mau cheiro. Vale lembrar também que após molhar a lace, quando já instalada na cabeça, é importante usar um secador para secar o fundo dela e os cabelos trançados que estão por baixo da tela.

Marie Claire - Usar lace é um hábito recente no Brasil - apesar de ser uma prática comum em vários outros países. Por que você acha que as brasileiras, que são tão vaidosas e que já usam entrelaçamentos e megahair com frequência, foram tão resistentes em adotar?
Vitor -
Eu sempre me pergunto o mesmo… Porém eu tenho algumas teses sobre o porquê da demora para se popularizar no Brasil. A primeira delas é que existem dúvidas de como é feita a instalação e a manutenção. Apesar de haver muita informação na internet, sempre ficam questionamentos em relação ao procedimento de instalação. A segunda é que o tempo de manutenção é bem menor em relação a outros tipos de extensões capilares, tendo em vista que algumas pessoas chegam a ficar até três meses com um megahair, a lace exige manutenção de, no máximo, um mês. E por fim acho que ainda existe um tabu, um preconceito em relação à lace. Aparentemente, o fato de usar uma peruca, mesmo que mais “moderna”, é motivo de vergonha ou de risadas para alguns, porque não é algo disfarçado como as outras extensões. Eu trabalho com a cantora Ludmilla, que usa laces há muitos anos e até hoje ela recebe comentários maldosos como “o cabelo nem é dela“, “essa peruca é horrível”, “ela devia assumir o cabelo natural e parar de usar peruca". Isso acaba desanimando qualquer pessoa de usar.


Marie Claire - Quando você começou a trabalhar com laces? Quais foram suas principais dificuldades?
Vitor -
Comecei a trabalhar com laces em 2016, no salão que foi aberto pela Ludmilla e pela mãe dela, a Silvana Oliveira, em Duque de Caxias, na baixada do Rio de Janeiro. Apesar de ter uma noção de instalação, por ser cabeleireiro e por colocar muitas perucas em drag queens, tive a incrível oportunidade de me especializar fazendo dois cursos nos Estados Unidos. Foi com as cabeleireiras do Missy Hair Boutique, de Miami, que é especializado na instalação de laces. A principal dificuldade foi aprimorar o acabamento e também as técnicas de customização, para deixá-las cada vez mais naturais.
 

Marie Claire - A lace pode ser um recurso útil durante o processo de transição capilar?
Vitor -
Sim! A lace é um ótimo acessório para quem está em transição capilar, principalmente por manter os cabelos protegidos e sem necessidade de passar química neles. Sob a lace eles ficam trançados, protegidos e crescem fortes naturalmente. Mas muito além do processo de transição, a lace ultrapassa a barreira do estético e em muitos casos também está ligada à autoestima de quem usa. É muito comum mulheres fragilizadas por algum tipo de patologia que pode fazer perder seus fios, usarem a lace como um meio de se renovar. No salão atendi e convivi com inúmeras clientes que tinham a lace como item de extrema importância para seu dia a dia. Olhar-se no espelho sem cabelos ainda é muito difícil para algumas mulheres e a lace devolvia o brilho no olhar e a vontade de continuar o processo de cura.

Brunna Gonçalves (Foto: Reprodução Instagram)

As laces preferidas de Brunna Gonçalves são castanhas e onduladas (Foto: Reprodução Instagram)



Marie Claire - A Brunna Gonçalves, esposa da Ludmilla, também é sua cliente. E levou várias laces para o BBB. Você sabe identificar qual sua lace preferida? Quantos modelos ela tem?
Vitor -
Sem dúvidas a castanha natural longa e ondulada é sua preferida, ela sempre tem uma neste estilo, é sua coringa para qualquer ocasião - apesar de ter entrado na casa com o cabelo loiro. Da última vez que contamos eram 8 laces – fora as que são em guarda-compartilhada com a Ludmilla.


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Marie Claire - Durante o programa, a Brunna tem emprestado suas laces para outros colegas. Existe algum problema em compartilhar laces? É preciso algum cuidado especial?
Vitor -
Não existe problemas em emprestar laces, é como uma peça de roupa: lavando, volta a ficar nova. Só é importante saber para quem está emprestando, porque  o cuidado acaba sendo de quem está usando. Se você confia na pessoa, não há problema. O que pode acontecer em alguns casos é “faltar” ou “sobrar” lace, levando em consideração que as estruturas físicas de cada cabeça são diferentes e as telinhas das laces são cortadas de acordo com a cabeça de cada um, no momento da instalação.

Marie Claire - Hoje em dia as mulheres pretas estão começando a exercer a liberdade capilar, ou seja, usar o tipo de cabelo que mais se identificam, baseadas em escolhas estéticas. Você acha que as laces têm papel importante nesse processo?
Marie Claire -
Sim! Com toda certeza! A mulher preta pode usar o cabelo que quiser e isso não vai anular suas raízes. Usar um cabelo liso não a faz menos negra e muito menos desmerece o seu próprio cabelo crespo. A possibilidade de mudar e cuidar do próprio cabelo é um direito de todos, uma forma de se expressar. Ano passado foi um dos anos que muito se falou disso, com a participação da Camilla de Luccas também no BBB. Criticavam ela todo o tempo por ela se impor como mulher negra e usar suas laces de preferência. Depois criticaram a Ludmilla por fazer o show de cabelo liso e falar sobre o empoderamento do seu cabelo e por fim, pasme, até eu fui criticado. Quando  a Camilla saiu, eu coloquei uma lace lisa nela e quando ela apareceu na rede social com esse cabelo, sofri muitos ataques por ter colocado um cabelo liso nela… As pessoas têm de entender que a mulher negra pode e deve usar o cabelo que quiser, da cor que quiser, porque a mulher preta é livre para se expressar, para viver da forma que quiser.