Undieting: a dieta que estimula o comer intuitivo (Foto: Getty Images)

Undieting: a dieta que estimula o comer intuitivo (Foto: Getty Images)

Não tem jeito: lembrar que está de dieta e, ao mesmo tempo, imaginar uma refeição gostosa faz o cérebro ter pensamentos negativos. Culpa, proibição, tentação, raiva, tristeza... Não importa a intensidade com que esses sentimentos surgem, tampouco em que estão ancorados. O fato é que a comida raramente está ligada à ideia de nutrir o corpo. Assim, ora nos privamos de coisas gostosas na busca incessante do peso que a sociedade, há anos, nos embute como ideal; ora nos esbaldamos em potes de sorvete e colheradas de brigadeiro para aliviar algum tipo de emoção – seja ela negativa ou positiva. “A questão alimentar para a mulher sempre foi sinônimo de restrição”, afirma Liane Dahas, psicóloga clínica e pesquisadora na área de comportamento e transtornos alimentares. “E isso se deve ao contexto sociocultural em que elas estão inseridas, em associar o corpo, se dentro do padrão estabelecido, a beleza, juventude, performance ou sucesso”, completa.

Cansadas desse circuito de privação-compulsão, grande responsável pelo efeito sanfona e pelas oscilações na relação com a comida, as nutricionistas norte-americanas Evelyn Tribole e Elyse Resch desenvolveram o protocolo que chamaram de Intuitive Eating (comer intuitivo, em português), no in��cio dos anos 2000. Adotado, na época, pela ala médica científica como modelo de prática alimentar que desconstrói e rejeita a mentalidade dietética, o método colocou em discussão, de forma vanguardista, o que ainda é um problema nos dias atuais: a vilanização de determinados ingredientes, e os planos de alimentação restritiva como regra de vida.

Comer intuitivamente e sem restrições (Foto:  )

Undieting vê o corpo como aliado e propõe métodos para mapear as sensações ao comer (Ilustração: Getty Images)

Vinte anos depois, a temática volta com força. Muito devido ao isolamento social em que a pandemia da covid-19 nos colocou – passados meses e meses sem nenhuma perspectiva de retorno à vida de antes, a falta de rotina tanto nas atividades físicas quanto na alimentação apareceu no corpo e trouxe o desejo de um organismo saudável a reboque. Mas não só isso. Escrito pela nutricionista holística canadense Lisa Kilgour, o livro Undieting: Freedom from the Bewildering World of Fad Diets (antidieta: liberte-se do mundo desconcertante das dietas da moda, em tradução livre; ed. Fremont Press, 192 págs.), publicado em setembro do ano passado, fez com que os protocolos desenvolvidos no começo do milênio retomassem seu lugar sob os holofotes.

Sucesso desde o momento em que apareceu nas prateleiras (online), a obra rapidamente desencadeou um movimento na internet identificado pela hashtag undieting. Com base em pesquisas científicas sobre o método do comer intuitivo, realizadas em diferentes universidades ao redor do mundo, e resultados empíricos, observados em consultórios médicos ao longo dos últimos dez anos, Lisa sugere a escuta paciente e ativa do corpo.

“O undieting é um processo que enxerga o corpo como aliado da saúde e propõe métodos capazes de mapear as sensações que se têm ao comer”, explica a autora em entrevista exclusiva a Marie Claire. “Alguns se sentem melhor quando comem carboidrato. Outros, com a ingestão de proteínas ou vegetais.” Segundo Lisa, cada um tem que perceber, de forma consciente, o que acontece com seu corpo quando ele pede e recebe comida, e que tipo de alimento o satisfaz inteiramente, sem gerar qualquer tipo de desconforto. “O foco é se alimentar principalmente de itens naturais e inteiros, não processados, e observar quais refeições são satisfatórias ao organismo e quais não são”, ensina Lisa. “Por exemplo, se você desejar comer algo depois da refeição, sem ter nenhum fator emocional relacionado a essa vontade, é sinal de que a combinação do prato precisa ser ajustada”, pontua.

O fato de seguir uma dieta não restritiva, no entanto, não quer dizer que farinhas refinadas, doces industrializados e gorduras saturadas em excesso estão liberados. A grande mudança conceitual que o undieting oferece é se libertar da ideia limitada e aprisionadora sobre o que é comer bem. “Criou-se o conceito de que existem coisas que emagrecem e coisas que engordam, e isso elimina todas as possibilidades de montar um cardápio equilibrado e saboroso, capaz de atender à fome e ao prazer”, afirma Amanda Furatore Ganho, nutricionista comportamental e especialista em alimentação consciente, adepta do método. É a famosa fome combinada à vontade de comer.

Undieting: a dieta que estimula o comer intuitivo (Foto: Getty Images)

Undieting: a dieta que estimula o comer intuitivo (Foto: Getty Images)

Intestino: o responsável pelo equilíbrio de tudo

Mas não basta ter consciência plena durante as refeições, se ela não estiver acompanhada da compreensão de que o intestino é a locomotiva desse processo. Segundo Lisa, quando ingerimos diariamente os alimentos corretos, o corpo é estimulado a criar uma microbiota intestinal saudável e ativa. “O maior erro cometido em relação à saúde desse órgão é comer produtos que matam nossas bactérias intestinais [leia-se farinha refinada e açúcar branco em excesso] ocasionando doenças digestivas”, reforça.

Mas a matemática do intestino e a inteligência emocional aliadas vão ainda mais longe. Por meio dessa combinação justamente, a comunicação com o cérebro acontece e ele avisa ao corpo se tudo vai bem ou precisa ser ajustado. “Quando em boa quantidade, essas bactérias são responsáveis por ativar hormônios neurotransmissores que promovem sensações como felicidade e saciedade”, explica Amanda. O inverso também é verdadeiro: quando em estado de dieta restritiva, o cérebro atua diante do hormônio do estresse que faz com que a compulsão por comida seja acionada. Um estudo publicado pelo Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, nos Estados Unidos, em 2014, aponta que a maioria das pesquisas sobre perda de peso e melhora na qualidade de vida estão ligadas ao método do comer intuitivo. O artigo narra que, diante de considerações médicas, um grupo de pessoas que seguiu o processo com intervenção intuitiva e sem cardápios altamente restritivos, para além do emagrecimento, notou diminuição da inibição, da compulsão, maior satisfação com a autoimagem e olhar mais positivo e generoso para o próprio corpo.

Os únicos que devem se manter longe do undieting sem acompanhamento médico são os pacientes de transtornos alimentares, como anorexia, bulimia, obesidade ou diabetes. “Como muitos desses sintomas estão conectados a distúrbios psicológicos, é extremamente perigoso que pessoas que não comem em quantidades adequadas tentem perceber sinais de fome e saciedade sozinhas”, alerta a psicóloga Liane Dahas.

#Undieting em 5 passos

1. Atenção aos sinais do corpo

Perceba quando seu corpo sente fome e quando está saciado; que alimentos digerem melhor, trazem energia e sensação de equilíbrio. “Deve-se evitar a fome absoluta, quando perdemos a capacidade de escolher racionalmente os alimentos. E nada de confundir saciedade com estufamento”, ensina a nutricionista Amanda Furatore Ganho.

Seleção inteligente: priorize alimentos frescos e integrais. “Acostume-se a entender o que seu corpo realmente pede quando precisa ser nutrido pela fome fisiológica e não pela emocional”, completa a especialista.

2. Mastigar é preciso

É na mastigação que começa a digestão. O cérebro leva 20 minutos para entender que o corpo já foi alimentado, e o ideal é mastigar 30 vezes cada porção. “Por isso, quanto mais se mastiga, mais consciência se tem do tamanho da fome. Isso ajuda a entender a quantidade necessária para saciar seu corpo”, explica Amanda.

3. Alimentos sem julgamentos

Mantenha-se longe de crenças sobre determinados mantimentos. Saúde tem mais a ver com o quanto e como você se alimenta do que com a escolha de um ingrediente. “Muita gente que transformou o biscoito de arroz em café da manhã não come arroz com feijão no almoço. Faz sentido?”, questiona Amanda. “Arroz e feijão, que sofrem essa demonização, são alimentos incríveis”, completa.

4. Sem culpa, sem restrição

O equilíbrio é a melhor forma de se manter longe de uma mente punitiva. “Ao restringir um alimento, você automaticamente sinaliza ao cérebro o desejo por ele”, alerta a psicóloga Liane Dahas. Segundo ela, o estresse da privação leva à compulsão alimentar, que, por sua vez, gera sentimento de culpa.
 

5. Prazer à mesa

Ponto adicional: sentir prazer ao se alimentar é e deve ser normal.

Chega de associar negativismo ao ato de comer. “Criou-se o mito de que tudo que é gostoso e traz prazer faz mal. Não pode haver culpa nesse ato de carinho que é alimentar o próprio corpo”, sinaliza Liane. Ela ainda faz um alerta: “O ato de comer descontroladamente não deve ser julgado e, sim, investigado com ajuda de um profissional”.