Comportamento

Por Nathan Fernandes

O oceano do planeta Solaris é diferente dos oceanos da Terra. Isso porque a massa de água de Solaris é um organismo vivo, que cobre toda a superfície do lugar, transformando o planeta-oceano em uma entidade não apenas consciente, mas também capaz de dar vida às angústias dos seres humanos que investigam seus mistérios, levando um grupo de cientistas à loucura.

Essa é a ideia do romance Solaris, clássico da ficção científica de 1961, escrito pelo autor polonês Stanislaw Lem. Apesar do inegável potencial dramático, o conceito de um corpo celeste com consciência não existe apenas na ficção. A ideia também é discutida por filósofos, cientistas e outros pensadores na vida real.

Em um artigo publicado em março de 2024, a revista estadunidense Popular Mechanics mergulhou no conceito conhecido como “pampsiquismo”. Apesar do termo ter sido cunhado no século 16 pelo filósofo italiano Francesco Patrizi, a ideia é bem mais antiga. Platão e outros filósofos já supunham que o Sol, as estrelas e os planetas eram “deuses visíveis” — não à toa, os planetas do nosso sistema solar carregam nomes de deuses romanos.

No século 19, a ideia de que a consciência poderia existir para além do cérebro foi defendida por figuras proeminentes, como o filósofo do pessimismo, Arthur Schopenhauer, e o pai da psicologia moderna, William James.

Mas a década de 1920 foi o fim da linha para o pampsiquismo, que não poderia competir com uma corrente filosófica mais nova e atraente que surgiu em Viena: o positivismo lógico, segundo o qual só é aceitável o conhecimento que é cientificamente comprovado. O resto é besteira.

A questão é que as ciências empíricas não conseguem comprovar algumas quest��es cruciais que nos atormentam, como “qual é a origem da consciência?”. Assim, os anos 2000 tiveram um revival do pampsiquismo quando o neurocientista e psiquiatra italiano Giulio Tononi propôs a “teoria da informação integrada da consciência.”

Essa linha de pensamento sugere que a consciência pode ser gerada em qualquer sistema que consiga integrar informações diversas. Em 2014, ao refletir sobre o conceito, o neurocientista Christof Koch escreveu, na revista Scientific American, que não há razão para pensar que grupos de partículas elementares também não possam gerar consciência, da mesma forma que acontece com o punhado de matéria que forma o nosso corpo.

O Sol pode ser consciente?

“A consciência não precisa ficar confinada ao cérebro”, disse à Popular Mechanics o biólogo Rupert Sheldrake, conhecido por sua teoria da Ressonância Mórfica — processo através do qual sistemas auto-organizados herdam uma memória de sistemas anteriores semelhantes, como colônias de cupins ou moléculas de insulina.

“A ligação entre mentes e sistemas físicos parece acontecer através de campos eletromagnéticos rítmicos, que naturalmente estão presentes em nossos cérebros. Mas os campos eletromagnéticos também estão presentes dentro e ao redor do Sol, e podem ser a interface entre a mente e o corpo solar.”

Em 2021, em um artigo publicado no Journal of Consciousness Studies, Sheldrake propôs a questão: “O Sol e outras estrelas podem ser conscientes?”. Ele mesmo respondeu: “Obviamente, não” — mas só do ponto de vista do materialismo mecanicista, que interpreta o mundo como sendo composto exclusivamente de matéria e energia.

Há séculos, em muitas outras sociedades e civilizações, incluindo a Europa medieval, pensava-se que o Sol e outros corpos celestes eram vivos e inteligentes. Para embasar a ideia, Sheldrake cita um dos pioneiros do panpsiquismo moderno, o filósofo inglês Galen Strawson, que expõe o argumento: “Era uma vez uma matéria relativamente desorganizada, com características fundamentais tanto experienciais como não experienciais. Ela se organizou em formas cada vez mais complexas, tanto experienciais como não experienciais, através de muitos processos, incluindo a evolução por seleção natural.”

Ideia parecida é encontrada na obra do filósofo britânico Philip Goff: “Em vez de tentar explicar a consciência em termos de não consciência, o pampsiquista aspira a explicar a consciência complexa dos cérebros humanos e animais em termos de formas simples de consciência, que são postuladas como existindo como aspectos fundamentais da matéria.”

Segundo Sheldrake, os pensadores deixam claro que não estão propondo que todos os objetos físicos sejam conscientes. “Seus argumentos aplicam-se a sistemas auto-organizados como átomos, células e organismos vivos, e não a estruturas compostas como pedras, mesas e computadores”, escreveu.

Mas, se o Sol é consciente, o que ele pensa? O que sente? “Em primeiro lugar, o Sol está presumivelmente preocupado com a regulação e preservação de seu próprio corpo, o próprio Sol, e seu corpo estendido, o Sistema Solar, até a heliopausa”, escreveu o biólogo, referindo-se à fronteira teórica que delimita o fim da influência do astro.

“Dentro dessa fronteira eletromagnética, todo o Sistema Solar, a heliosfera, é uma espécie de organismo com o Sol no centro”, observou. “A mente do Sol pode estar intimamente preocupada com a modulação do Sistema Solar, influenciando-o através da intensidade do vento solar, através de erupções solares direcionais e, mais dramaticamente, através de ejeções de massa coronal despejando bilhões de toneladas de partículas carregadas em direção a qualquer coisa em seu caminho. O Sol pode estar percebendo e influenciando o que acontece no Sistema Solar através de seus campos eletromagnéticos.”

A consciência existe?

O pampsiquismo está longe de ser uma unanimidade. Para o filósofo inglês Keith Frankish, especializado em filosofia da mente, pensar que tudo (ou quase tudo) pode ser consciente acaba minando a importância da própria consciência.

"Enquanto os pampsiquistas pensam que a consciência está em toda parte, penso que a consciência não está em lugar nenhum", disse Frankish à Popular Mechanics. "A consciência não existe, e apenas pensamos que existe porque estamos sob uma espécie de ilusão sobre nossas próprias mentes, uma visão que chamo de ilusionismo," continuou ele, reforçando a ideia de que, ao ampliarem significativamente o poder do cérebro, os humanos desenvolveram truques complexos, como a automanipulação e a resolução eficaz de problemas.

Para Frankish, essas habilidades nos levaram a uma convicção ilusória de que possuímos uma mente consciente unificada, uma identidade singular e até mesmo uma alma. Mas o filósofo argumenta que toda essa percepção poderia ser uma construção ilusória da mente humana, que tende a projetar uma narrativa coesa sobre nossa própria existência.

Independentemente da corrente filosófica, nenhuma das duas ideias sobrevive aos rigorosos testes do materialismo e do positivismo lógico. Em uma cena do romance Solaris, um dos cientistas afirma que "não precisamos de nenhum outro mundo, precisamos de espelhos”, porque apenas “queremos encontrar nossa própria imagem idealizada".

Se quisermos finalmente desvendar mistérios cruciais, como o surgimento da consciência, talvez a humanidade precise encontrar a saída do labirinto que a própria cultura ocidental criou, e enxergar para além de si mesma.

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