Saúde

Por André Julião | Agência FAPESP

A baixa ocorrência de doença de Chagas entre povos indígenas da Amazônia pode ter uma explicação genética. Estudo publicado na revista Science Advances mostra que uma variante genética, presente na maioria dos indivíduos analisados na região, possui importante papel na resistência à infecção pelo parasita transmissor da doença.

“O continente americano foi o último ocupado pelos humanos modernos e tem uma grande variedade de ambientes. Isso certamente causou uma pressão seletiva sobre esses povos e induziu adaptações, como essa que estamos vendo agora”, explica Kelly Nunes, pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Nunes divide a primeira autoria do estudo com Cainã Couto Silva, à época doutorando na mesma instituição e bolsista da FAPESP.

As conclusões são fruto da análise de 600 mil marcadores do genoma de 118 pessoas de 19 populações indígenas, que representam a maior parte do território da Amazônia, tanto no Brasil como nos outros países que abrigam a floresta.

Com auxílio de diferentes técnicas, os pesquisadores encontraram diferenças em genes envolvidos no metabolismo, no sistema imune e na resistência à infecção por parasitas como o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Uma das variantes mais frequentes, presente no gene conhecido pela sigla PPP3CA, ocorre em 80% dos indivíduos analisados.

A variante também está presente em outras populações, porém, numa frequência bem menor: 10% na Europa e 59% na África. Os autores acreditam que não é uma coincidência, uma vez que o continente africano possui regiões com condições ambientais similares à da Amazônia e abriga outra espécie do parasita, o Trypanosoma brucei, causador da doença do sono. O dado reforça o papel da variante como protetora contra infecções por protozoários.

“Ao analisarmos as regiões endêmicas da doença na América do Sul, a área das populações analisadas é justamente onde a doença menos ocorre. Isso poderia se dar por uma baixa frequência do barbeiro, mas não é o caso, pois é onde ele tem a maior diversidade”, conta Tábita Hünemeier, professora do IB-USP que coordenou o estudo.

O trabalho integra o projeto “Diversidade genômica dos nativos americanos”, apoiado pela FAPESP (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/ascensao-e-declinio-dos-tupi/ e revistapesquisa.fapesp.br/filhos-de-ypykuera/).

Variante genética protetora

Para compreender o papel do gene PPP3CA na interação com o T. cruzi, o grupo converteu células-tronco pluripotentes, que podem ser transformadas em qualquer outra célula humana, em células cardíacas. Uma parte teve a expressão do gene PPP3CA reduzida em cerca de 65%. Outra parte realizava a expressão normal.

Nas células com a expressão reduzida do gene, a capacidade de infecção dos protozoários foi aproximadamente 25% menor do que naquelas que tinham a expressão normal do PPP3CA. “Isso mostra que o gene, em sua condição mais comum em outras populações, favorece a replicação do protozoário. Esse fator provavelmente levou os ancestrais dos indígenas amazônicos que tinham a variante protetora a serem menos infectados e sobreviverem mais à doença, passando esse traço para seus descendentes”, diz Nunes.

Cerca de 30% dos pacientes com doença de Chagas desenvolvem a forma crônica da doença, que leva à insuficiência cardíaca e mesmo à morte. Uma hipótese levantada pelos autores é que a variante genética encontrada no estudo, além da menor infectividade, favoreça uma forma mais leve da doença, que não avança para a fase crônica. “Não quer dizer que os povos nativos amazônicos nunca tenham Chagas, mas os que são infectados poderiam não desenvolver com tanta frequência essa fase crônica e até mortal”, esclarece Nunes.

Porém, nem todas as variantes encontradas são necessariamente vantajosas para os indígenas atuais. As análises também encontraram traços genéticos que favorecem doenças metabólicas e cardíacas.

Estudos de populações indígenas brasileiras mostram altos índices de pessoas obesas e de cardiopatas. Entre os Xavante, por exemplo, 66% sofrem de obesidade, diabetes e doença arterial coronariana.

Em populações de caçadores-coletores da Ásia e da África, variantes ligadas ao coração já foram apontadas como uma adaptação compensatória à baixa estatura dos indivíduos desses povos, o que pode ser também o caso dos indígenas analisados no estudo brasileiro.

Foram encontradas ainda variantes relacionadas ao chamado comportamento de busca por novidade. No passado, esse traço pode ter sido importante para a exploração de novos territórios e busca por recursos. Em populações modernas, porém, genes que favorecem esse comportamento são ligados ao consumo de álcool, cafeína e nicotina.

Busca pela cura

Modelagens matemáticas apontaram para o surgimento da variante protetora contra a doença de Chagas cerca de 7,5 mil anos atrás, após as populações amazônicas se separarem das dos Andes.

Algumas evidências corroboram essa data. Uma análise de tecidos mumificados de 238 indivíduos do sul do Peru e norte do Chile, de um período que vai de 9 mil a 450 anos atrás, mostra um aumento na taxa de infecção pelo T. cruzi naquela parte da América do Sul ao longo do tempo. A região hoje é endêmica da doença.

Outra evidência são ossos humanos de 7 mil anos encontrados no Brasil que continham sinais de infecção pelo parasita. Isso mostra que ele já existia por aqui naquele período, mas mesmo assim a doença não se tornou endêmica na região estudada. “O estudo traz ainda um novo conhecimento sobre a infecção que pode ajudar no desenvolvimento futuro de novos tratamentos”, afirma Nunes.

A doença de Chagas é listada entre as 20 moléstias tropicais negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse conjunto de doenças afeta sobretudo pessoas pobres e não dispõe de tratamentos específicos sem efeitos colaterais fortes.

Nos últimos anos, o aumento de casos da doença na Europa e nos Estados Unidos finalmente tem chamado a atenção para a necessidade de se criar novos medicamentos.

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