Sua Estante

Por Nathalie Provoste

Repórter da GALILEU e autora da coluna "Sua Estante"

Você provavelmente conhece Denise Fraga como uma estrela do teatro, em peças como Trair e Coçar É Só Começar, ou do do cinema, em que ela fez O Auto da Compadecida. Ou mesmo do Retrato Falado, quadro do Fantástico que fez sucesso nos anos 2000. Mas há uma faceta artística da atriz carioca que só agora podemos conhecer: a de "escultora de voz” de personagens literários, como ela mesma define.

Fraga fez a leitura e interpretação em português de Orgulho e Preconceito, clássico da autora inglesa Jane Austen, para a Audible, plataforma de audiolivros da Amazon lançada no Brasil nesta terça-feira (3). "A sensação de que posso estar no ouvido das pessoas é muito legal; de eu estar na mesa da cozinha delas contando uma história. Isso é bonito”, ela compartilhou em entrevista a GALILEU em evento de anúncio do serviço.

Como em suas versões internacionais, a Audible Brasil tem um sistema de assinaturas. Por R$ 19,90 mensais, usuários podem acessar a lista global de audiolivros da plataforma, que conta com mais de 100 mil títulos — sendo que, desses, cerca de 4 mil estão em português. Assinantes também podem adquirir outras 500 mil narrações do catálogo multilinguístico por 30% de desconto.

Mais de 500 narradores gravaram cerca de 1.500 audiolivros em português para o lançamento da plataforma. Além da variedade de histórias, essa primeira batelada também levou em conta a diversidade entre os atores. “Diferentemente do que costumamos ver na televisão tradicional, em que muitas coisas são feitas no Rio de Janeiro ou São Paulo, nosso objetivo é ter diferentes estados, culturas e vozes”, diz Adriana Alcântara, country manager da Audible Brasil. “Então, nesses narradores com que estamos trabalhando, procuramos por sotaques diferentes.”

Da esquerda para direita: o ator Mauro Ramos; a escritora Vanessa Passos; a country manager da Audible Brasil, Adriana Alcântara; a atriz Gabz; e o empresário e crítico de cinema Érico Borgo em evento de lançamento da Audible Brasil — Foto: Nathalie Provoste
Da esquerda para direita: o ator Mauro Ramos; a escritora Vanessa Passos; a country manager da Audible Brasil, Adriana Alcântara; a atriz Gabz; e o empresário e crítico de cinema Érico Borgo em evento de lançamento da Audible Brasil — Foto: Nathalie Provoste

Fraga é apenas um dos nomes famosos desse time. Também foram convidados os atores Marcos Palmeira (que gravou Dom Casmurro, de Machado de Assis); Maitê Proença (O Cortiço, de Aluísio Azevedo); Clarice Falcão (Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf); Gabz (Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll), Daniel Munduruku (O Seminarista, de Bernardo Guimarães), Tarso Brant (O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald), entre outros.

Esculpindo vozes

Denise Fraga já havia assistido a uma adaptação cinematográfica de Orgulho e Preconceito; mas decidiu não vê-la de novo quando foi chamada para narrar a história, para não influenciar sua interpretação. Em vez disso, a atriz optou apenas ler o livro de Austen antes das gravações.

Então, quando chegou a hora de ficar em frente ao microfone, ela percebeu que a leitura em voz alta seria um desafio maior do que havia antecipado. "Falei: 'Caramba!' Porque tem muitas frases subordinadas, muitos apostos. O livro é de 1797, e tem aquela maneira [antiga] de falar. E você precisa trazer aquilo para o cotidiano”, conta.

A atriz Denise Fraga — Foto: @denisefragaoficial / Instagram
A atriz Denise Fraga — Foto: @denisefragaoficial / Instagram

Apesar disso, Fraga achou a experiência “deliciosa”. E diz que, se pudesse narrar qualquer outro livro no futuro, escolheria Sonho manifesto, do neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro. “É uma bíblia para os nossos tempos. Carrego na bolsa e vivo lendo, relendo e grifando.”

Quem dirigiu a atriz na gravação do audiolivro de Orgulho e Preconceito foi o ator Mauro Ramos. No ramo de dublagem desde 1989, o carioca dá voz a diversos astros anglófonos – como Danny DeVito, Brendan Gleeson e Geoffrey Rush –, e também está por trás da versão brasileira de personagens queridos da animação. Pumba, de O Rei Leão, Sulley de Monstros S.A. e o ogro protagonista de Shrek são alguns deles.

Para o lançamento da Audible no Brasil, Ramos emprestou sua voz para a trilogia O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. O ator já conhecia bem a saga pelos filmes lançados no cinema entre 2001 e 2003; mas nem por isso foi fácil ler as palavras nas línguas inventadas pelo escritor britânico, como os idiomas dos elfos.

“A gente tinha que parar a cada nome e pesquisar o compêndio para ver como era a pronúncia. E aí, mais adiante, repetia-se uma palavra e tínhamos que voltar a conferi-la”, relembra ele, que também já gravou audiolivros de autores como Ken Follett, Agatha Christie e Andrzej Sapkowski.

O ator Mauro Ramos — Foto: Wendel Bezerra / Youtube
O ator Mauro Ramos — Foto: Wendel Bezerra / Youtube

Menos telas, mais áudios

Uma pesquisa recente da Amazon com brasileiros que escutam audiolivros apontou que 51% ouvem histórias para relaxar ou para se distrair enquanto cozinham (27%) ou fazem tarefas domésticas (27%). Além disso, 95% consideram que podem consumir mais livros se eles forem narrados, e 81% acreditam que esse formato de conteúdo ajuda a reduzir o tempo de tela.

Essa última percepção dos usuários, aliás, está ligada ao aumento da popularidade de audiolivros durante a pandemia de Covid-19. O longo período de quarentena fez pessoas ao redor do mundo sentirem fadiga do celular e do computador, conforme aponta Susan Jurevics, diretora-executiva de marca e internacional da Audible Global. “Percebemos uma enorme quantidade de ouvintes fora dos horários tradicionais em que as pessoas vão trabalhar. As pessoas estavam ouvindo durante caminhadas ou afazeres em casa”, relata.

Não que o interesse por histórias narradas seja uma completa novidade dos nossos tempos. O radioteatro já fazia sucesso no século passado, como observa Mauro Ramos. “É a facilidade de usufruir de uma história sendo contada ou interpretada durante qualquer outra atividade da própria vida”, nota.

Mas o que torna os audiolivros atraentes não é só sua praticidade em tempos de pressa. Essas histórias também agregam à literatura “o valor da interpretação, do escultor de voz”, destaca Fraga. “O ator está ali para fazer a ponte entre o poético e o real”, ela pontua. “A nossa grande função é exatamente pegar alguém pela mão e falar assim: ‘Olha só o que esse cara falou. E olha a maneira com que ele te diz isso’. Para você poder ficar ali de braço dado com o poeta.”

Na visão da atriz, essa capacidade dos narradores de audiolivros é o que “vai dar um olé” na inteligência artificial, que já avança em outros tipos de arte, como a fotografia e as ilustrações digitais. “A narração do ator é incomparável. Por mais que juntem todas as nossas vozes [numa tecnologia artificial], vai ter coisas que só a gente personaliza”, defende.

E se narradores humanos não podem ser substituídos por IAs, histórias impressas também não serão exterminadas por suas versões em áudio. “O livro vai continuar”, aposta Ramos. “Porque, ao longo do tempo, as pessoas vão descobrir que as experiências de ler ou de ouvir um livro são completamente diferentes.”

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