Mulheres das Estrelas

Por Mulheres das Estrelas

Textos das astrônomas Ana Posses (@astroposses) e Duilia de Mello (@dudemello) sobre o fascinante mundo da astronomia

Quando a gente achava que estava entendendo como as galáxias se formaram, veio o telescópio espacial James Webb para questionar tudo. E isso é bom. Estamos sempre aprendendo e questionando o que sabemos. Se tudo já tivesse sido compreendido, não faria mais sentido investir em instrumentos novos e dedicarmos tanto tempo à ciência.

Quando olhamos para o Universo, vemos muitos casos de colisões entre galáxias. Nossa própria galáxia, a Via Láctea, está em um grupo de galáxias que interagem umas com as outras. Sabemos que Andrômeda colidirá “conosco” dentro de uns 3 ou 4 bilhões de anos. Mas, como a escala de tempo dessas colisões é muito longa, a melhor forma de estudarmos esse fenômeno é por meio de simulações computacionais.

O que fazemos é criar um modelo computacional de galáxias usando o que se sabe delas (quantas estrelas, formato e até a quantidade de matéria escura) e aplicar a força da gravidade que causa a aproximação entre elas. Ao supormos diferentes condições iniciais que resultarão em colisão, como o ângulo do impacto, as massas e velocidades das galáxias, obtemos como resultado final galáxias semelhantes às que vemos no Universo ao nosso redor.

Essas simulações mostram que galáxias espirais, ao colidirem, podem se fundir e formar uma galáxia massiva elíptica depois de milhares de anos interagindo. Essa área da astronomia cresceu muito desde os anos 1990, quando começamos a simular colisões de galáxias.

Com a transformação computacional das últimas décadas e com o fácil acesso a computadores sofisticados e supercomputadores, hoje é possível simular fusões de galáxias com milhares de estrelas em apenas poucas horas, o que demorava dias antigamente.

Quando a primeira imagem do Hubble das profundezas do Universo revelou, em 1995, que as galáxias distantes eram menores, mais distorcidas e próximas a outras galáxias parecidas, começamos a montar o quebra-cabeça para entender como as galáxias adquirem suas formas e como elas se transformam durante bilhões de anos de evolução.

Galáxia-alvo GN-z11 está no limite do Universo observável  — Foto: NASA, ESA, P. Oesch (Yale University), G. Brammer (STScI), P. van Dokkum (Yale University), and G. Illingworth (University of California, Santa Cruz))
Galáxia-alvo GN-z11 está no limite do Universo observável — Foto: NASA, ESA, P. Oesch (Yale University), G. Brammer (STScI), P. van Dokkum (Yale University), and G. Illingworth (University of California, Santa Cruz))

Foi nessa época que os modelos teóricos começaram a surgir propondo o que chamamos de árvore de fusão, que usa o modelo cosmológico Lambda de matéria escura fria (Lambda-CDM em inglês, onde lambda é a constante cosmológica que Einstein sugeriu em 1917 para contrabalancear os efeitos da força da gravidade).

Essa teoria explica matematicamente como as grandes estruturas do Universo, incluindo as galáxias, formaram-se. Nela, o Universo seria uma teia de matéria escura em que as galáxias se formam nas regiões de alta densidade e se fundem com o passar do tempo. Assim, para chegar a grandes galáxias como a nossa e às elípticas, as galáxias passam pela intensa fusão com galáxias menores.

De acordo com novo modelo hierárquico de formação de galáxias, pequenos blocos de construção galácticos se formaram primeiro, apenas para se fundir em galáxias cada vez maiores ao longo da vida do Universo. — Foto: ESO/L. Calçada
De acordo com novo modelo hierárquico de formação de galáxias, pequenos blocos de construção galácticos se formaram primeiro, apenas para se fundir em galáxias cada vez maiores ao longo da vida do Universo. — Foto: ESO/L. Calçada

Essa teoria funcionava bem, pois não havia indícios de galáxias massivas no Universo distante. Porém, tudo indica que teremos que rever essa ideia após os últimos resultados obtidos com o James Webb. Com ele, pesquisadores estão encontrando galáxias que eram muito mais massivas do que se pensava, chegando a ter 10 vezes mais massa estelar, já nos primeiros 500 milhões de anos do Universo.

Na verdade, isso não é de se espantar, pois o Webb foi construído exatamente para observar galáxias distantes e adicionar conhecimento sobre a evolução galáctica.

Mas por que o telescópio Hubble não viu isso?

Além do James Webb ser maior do que o Hubble, ele tem detectores infravermelhos que o telescópio de 1990 não tem. Ao observar esses astros nos confins do Universo, o JWST (sigla em inglês para James Webb Space Telescope) consegue ver uma parte da luz das estrelas que o Hubble não consegue, porque a luz foi desviada para o infravermelho devido à expansão do Universo.

O trabalho recente da estudante de doutorado Clara Giménez Arteaga, do Cosmic Dawn Center, na Dinamarca, mostra que ao adicionarmos a luz de todas as estrelas em uma única galáxia distante, encontramos que a massa da população estelar é muito maior do que se esperava.

Além de estar usando o melhor telescópio espacial existente, Arteaga está assumindo várias outras teorias para explicar a luz das galáxias que estão entre 12,7 bilhões e 13,2 bilhões de anos atrás. Por exemplo, ela assume que a maior parte da luz das galáxias vem de estrelas pequenas e pouco massivas, mas que não são facilmente visíveis.

Ela também parte do princípio de que as galáxias são feitas de várias regiões de formação de estrelas e que, em certos casos, observa-se as estrelas mais jovens em cima da população estelar mais velha formada anteriormente.

É esse resultado que tem maiores consequências, já que com o modelo Lambda-CDM não conseguimos explicar como houve tempo suficiente para formar tantas estrelas antes daquela época — lembrando que o Universo tem 13,7 bilhões de anos.

Os resultados de Arteaga precisam ser confirmados antes de embarcarmos em um novo modelo cosmológico que explique suas observações, mas vamos lembrar também que um dos ingredientes do modelo Lambda-CDM é a grande quantidade de energia escura que permeia o Universo, chegando a 68% da energia total.

Como os estudos da energia escura serão o foco do novo satélite da Nasa, o telescópio espacial Grace Roman, a ser lançado em 2027, tudo indica que estaremos testando os modelos cosmológicos e, quem sabe, revisando-os. Tempos bons para quem estuda o Universo distante e com muitas descobertas pela frente!

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