Meio ambiente

Por Marília Marasciulo

Sou fã de Taylor Swift há mais de uma década. Acho importante iniciar o texto com esse aviso para alertar swifties e não swifties que minha intenção aqui não é apontar o dedo para a cantora ou engrossar o coro de haters que parece ter se consolidado nos últimos dias.

Mas, passada a avalanche de emoções acumuladas desde 2020, quando o que seria o primeiro show de Swift no Brasil foi cancelado por causa da pandemia de Covid-19, venho do meu lugar de fã — e jornalista que cobre ciência — propor uma reflexão: o que a passagem da “loirinha” pela América do Sul nos mostrou sobre nosso preparo para lidar com as consequências da emergência climática?

É no mínimo simbólico que a visita de Taylor tenha sido marcada por eventos climáticos extremos. Com seus dois jatinhos particulares, que têm até perfil no Instagram, a cantora é considerada a artista que mais emite carbono. Segundo uma pesquisa divulgada em julho de 2022 pela Yard, empresa de marketing digital, nos sete primeiros meses do ano passado Swift emitiu 8.293,54 toneladas de carbono. Para ter ideia, a média de emissões per capita em 2020 foi 4,3 toneladas, segundo o Banco Mundial. Isso significa que só os jatinhos da cantora emitiram 1.928 vezes mais carbono que eu e você.

Embora tenha voado para cima e para baixo com o trecho estadunidense da “The Eras Tour”, foi só ao se apresentar na América do Sul (pela primeira vez) que Swift sentiu na pele os efeitos da crise climática longe do quintal de casa. Em Buenos Aires, a segunda das três apresentações na Argentina, marcada para o dia 10 de novembro, precisou ser adiada por causa de uma tempestade. Na semana seguinte, o primeiro dos três shows no Rio de Janeiro, no dia 17 de novembro, foi marcado por um calor de níveis infernais — há quem diga que a sensação térmica no interior do estádio Nilton Santos chegou a 60°C.

E é aqui que a história complica, ao mesmo tempo em que se torna uma lição bastante didática sobre as mudanças climáticas. De cara, vemos a materialização de conceitos que há anos são martelados por estudiosos e ativistas da área: justiça, mitigação e adaptação climáticas, e financiamento.

Justiça climática significa que os principais responsáveis por aquecer a temperatura do planeta dificilmente serão os que vão sofrer as consequências disso. Na mesma noite em que a cantora branca e bilionária do Norte Global, que veio de jatinho para o Brasil, foi dormir no ar-condicionado do Hotel Fasano (ou em um iate na zona portuária, segundo teorizam alguns fãs), Ana Clara Benevides, de 23 anos, morreu após ter ido ao show de estreia na capital fluminense. Embora o laudo sobre a causa da morte ainda não tenha sido concluído, é possível que tenha sido consequência do calor extremo.

O segundo e o terceiro conceitos trazem mais desafios, pois exigem mudanças no nosso estilo de vida, e caminham lado a lado. Enquanto a mitigação visa formas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa — como não voar de Buenos Aires para Nova York em um jatinho particular para, três dias depois, voltar ao Brasil, como fez Taylor após sua passagem pela capital argentina —, a adaptação busca ajustes e iniciativas para reduzir nossa vulnerabilidade a eventos extremos. Isso pode acontecer, por exemplo, fornecendo água em grandes e longos eventos (só o show tem quase três horas) ou adiando-os quando as condições são insalubres.

Isso acabou acontecendo após a tragédia no primeiro show de Taylor: no dia 18, o segundo show dela no Rio de Janeiro, ao qual eu iria, foi adiado (ainda que aos 45 do segundo tempo, com o estádio lotado, o que mais uma vez escancara onde estão nossas prioridades em um sistema econômico movido pelo lucro). O novo show, no dia 20, foi um verdadeiro presente para fãs como eu. Com temperatura amena e água liberada (perdi as contas de quantos copos tomei, mas estimo algo entre 8 e 10), a sensação ao deixar o estádio era de que “ficamos mal acostumados” por ter recebido as mínimas condições para realizar esse sonho. É triste que uma pessoa tenha precisado perder a vida para isso acontecer.

Essas adaptações, porém, não saem de graça. E quem paga a conta dificilmente é a cantora com o jatinho ou o estádio que proíbe a entrada de água para poder vendê-la a R$ 8. Daí a necessidade da criação de um fundo para financiar os impactos das mudanças climáticas que, como vimos no caso Swift, não vão impactar todos igualmente.

Essa proposta já existe: em 2009, os países mais ricos prometeram destinar US$ 100 bilhões até 2020 a países em desenvolvimento justamente para lidar com esses impactos. A meta nunca foi cumprida e o novo prazo é 2025 — ano em que, coincidentemente, o Brasil sediará a COP-30, em Belém. Mas, até lá, eventos extremos continuarão acontecendo, e talvez não ganhem a visibilidade que a febre Swift trouxe para a causa.

Diante de tudo isso, o mais desconfortável — para não dizer assustador —, é nos questionar sobre o quão preparados estamos para lidar com a crise climática e por quais medidas deveríamos lutar. Devemos tentar proibir Taylor Swift de usar seu jatinho? Cobrá-la por mais engajamento com a causa climática? Talvez deixar de ir a seus shows? Ou não ir a nenhum show, visto que praticamente todo grande evento gera impacto ambiental? Climatizar estádios, como já ocorre em muitos países onde o calor não é um evento atípico? Obrigar as produtoras de grandes eventos a fornecerem água gratuita, como estabeleceu uma portaria do Ministério da Justiça no dia seguinte à morte de Ana Clara Benevides?

Sem saber como responder a nenhuma dessas perguntas de forma não enviesada por minha condição de fã, sou confrontada por minha própria hipocrisia: no próximo sábado (25), irei ao show de Taylor Swift em São Paulo, em um avião que acrescentará ainda mais carbono ao emitido pela cantora para se deslocar do Rio de Janeiro até São Paulo. Pelo menos dessa vez ela se contentou com os 35 minutos de viagem entre uma cidade e outra, em vez de dar uma passadinha em Nova York primeiro.

Por enquanto, espero que isso seja o suficiente para livrá-la do carma que, ironicamente parafraseando a canção com a qual ela encerra o show, parece tê-la “perseguido passo por passo, cidade por cidade” até o momento em sua Era latino-americana.

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