• Marcelo Lapola*
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Será mesmo que uma inteligência artificial pode ser “consciente”? (Foto: Gertrūda Valasevičiūtė/Unsplash)

Será mesmo que uma inteligência artificial pode ser “consciente”? (Foto: Gertrūda Valasevičiūtė/Unsplash)

Em 1997, o mundo assistiu com espanto ao supercomputador Deep Blue derrotar o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. Seus 256 processadores eram capazes de analisar cerca de 200 milhões de possíveis jogadas por segundo. E, mesmo recuperando-se em partidas seguintes (numa primeira rodada, Kasparov ganhou três partidas, empatou duas e perdeu uma para o Deep Blue), o campeão disse que era “o último humano campeão de xadrez”.

Passados 25 anos desse episódio, a evolução na construção e processamento dos computadores foi vertiginosa. Hoje um bom notebook tem a capacidade do Deep Blue na solução de muitos problemas, e o termo inteligência artificial (IA) se popularizou. Vale lembrar que o Deep Blue não era um sistema de IA, apenas uma poderosíssima máquina de calcular.

Em junho, o relato de um engenheiro do Google nos EUA causou alvoroço. Blake Lemoine afirmou em um artigo no Medium e em entrevista ao jornal The Washington Post que um dos sistemas de inteligência artificial da empresa teria adquirido consciência.

Encarregado de interagir com o sistema (ainda experimental), chamado LaMDA (sigla em inglês para Modelos de Diálogo para Aplicativos de Linguagem), Lemoine diz ter recebido respostas nada convencionais para uma máquina. A repercussão fez o Google afastar Blake de suas funções e emitir um comunicado minimizando as afirmações do engenheiro.

A inteligência artificial que sustenta esse chatbot vasculha vorazmente a internet em busca de como humanos falam. Ela aprende como as pessoas interagem umas com as outras em plataformas como Reddit e Twitter. E por meio de um processo conhecido como "aprendizado profundo" (deep learning), tornou-se assustadoramente boa em identificar padrões e se comunicar como uma pessoa real.

Sede do Google nos EUA (Foto: Wikimedia Commons)

Sede do Google nos EUA (Foto: Wikimedia Commons)

Os pesquisadores chamam a tecnologia de IA do Google de "rede neural", pois processa rapidamente uma enorme quantidade de informações e começa a combinar padrões de maneira semelhante ao funcionamento do cérebro humano.

IA com consciência?

Mas, afinal, a inteligência artificial pode ganhar consciência? No atual estágio de desenvolvimento desses mecanismos, a resposta de muitos especialistas é “não”. Somos seres complicados, frágeis e complexos na maneira de sentir as coisas. Sem contar que ainda é muito limitado nosso entendimento a respeito do que, de fato, gera a nossa consciência.

Há nesse meio quem afirme, apoiando-se em pesquisas sérias sobre o assunto, a possibilidade de um dia podermos fazer uma espécie de download de uma cópia de todo nosso conteúdo cerebral (memórias, sentimentos, conhecimentos etc.) para um computador.

E a grande questão que nasce dessa afirmativa é: se essa transferência de conteúdo de uma plataforma orgânica (nosso cérebro) para uma não biológica (computador) for possível, surgirá nessa máquina uma consciência?

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, dos mais respeitados no mundo, faz coro a essa afirmação.“A neurociência acabará expandindo a limites quase inimagináveis a capacidade humana, que passará a se expressar muito além das fronteiras e limitações impostas tanto por nosso frágil corpo de primatas como por nosso senso de eu”, diz o autor na introdução do livro Muito além do nosso eu (Crítica, 2017).

Em A Era das Máquinas Espirituais (Aleph, 2007), o inventor e futurista Ray Kurzweil também defende a ideia e preconiza que o próximo estágio da evolução da espécie humana não é biológico, mas acontecerá na interface entre Homo sapiens e máquinas.

Senão hoje, quando?

O fato de estarmos num estágio muito acelerado no crescimento da capacidade computacional (os avanços na inteligência artificial aliados à computação quântica e às tais redes neurais) leva Kurzweil, Nicolelis e outros estudiosos a afirmarem que um computador doméstico terá capacidade computacional equivalente à de todos os seres humanos somados até o ano de 2050.

Chocante à primeira vista, essa previsão é muito bem aceita no meio científico por estar embasada em pesquisas importantes e na clareza a respeito dos desafios a serem alcançados. A questão é avaliar a capacidade dessas máquinas de se tornarem sencientes, isto é, de naturalmente perceberem, sentirem e terem impressões como nós.

Quem sabe no futuro próximo a verdadeira inteligência artificial possível e evoluída possa ser uma mistura da nossa inteligência humana com a de uma máquina em uma plataforma não biológica, capaz de criar outras máquinas verdadeiramente inteligentes, prontas para solucionar grandes problemas da humanidade? Ou, numa previsão mais sombria, nossa inteligência e sentimentos correm o risco de se tornar obsoletos.

Tudo parece ficção. Por enquanto.

4 livros sobre o assunto

1. “A Era das Máquinas Espirituais” (Aleph, 2007), de Ray Kurzweil, 512 páginas

A Era das Máquinas Espirituais (Aleph, 2007), de Ray Kurzweil, 512 páginas (Foto: Reprodução)

A Era das Máquinas Espirituais (Aleph, 2007), de Ray Kurzweil, 512 páginas (Foto: Reprodução)

2. “A singularidade está próxima” ( Itaú Cultural, 2019), de Ray Kurzweil, 912 páginas

A singularidade está próxima ( Itaú Cultural, 2019), de Ray Kurzweil, 912 páginas (Foto: Reprodução)

A singularidade está próxima ( Itaú Cultural, 2019), de Ray Kurzweil, 912 páginas (Foto: Reprodução)

3. “O verdadeiro criador de tudo: como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos” (Crítica, 2020), de Miguel Nicolelis, 400 páginas

O Verdadeiro Criador de Tudo – Como o Cérebro Humano Esculpiu o Universo como Nós o Conhecemos, Miguel Nicolelis, 400 páginas, Editora Planeta (selo Crítica),  (Foto: Divulgação)

O Verdadeiro Criador de Tudo – Como o Cérebro Humano Esculpiu o Universo como Nós o Conhecemos, Miguel Nicolelis, 400 páginas, Editora Planeta (selo Crítica), (Foto: Divulgação)

4. “Vida 3.0: o ser humano na era da inteligência artificial” (Benvirá, 2020), de Max Tegmark, 360 páginas

Vida 3.0: o ser humano na era da inteligência artificial (Foto: Reprodução)

Vida 3.0: o ser humano na era da inteligência artificial (Foto: Reprodução)

*Marcelo Lapola é pesquisador, doutorando em Física pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)