• Matt Qvortrup* | The Conversation
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Após 400 anos sob a coroa britânica, Barbados vira república; entenda a importância (Foto: Royal Family)

Após 400 anos sob a coroa britânica, Barbados vira república; entenda a importância (Foto: Royal Family)

Cinquenta e cinco anos após obter a independência da Grã-Bretanha, em 1966, Barbados se tornou uma república — e outros países membros da Commonwealth [Comunidade Britânica das Nações], onde o apoio à monarquia está se tornando mais volátil do que nunca, podem seguir seu rastro.

A mudança para uma república demorou muito para os 300 mil cidadãos desta pequena nação insular caribenha. Mia Mottley, a primeira-ministra de centro-esquerda de Barbados, há muito tempo defende a mudança. Já em 2005, Mottley — então vice-primeira-ministra — disse que o Partido Trabalhista de Barbados estava empenhado em realizar um referendo sobre o assunto:

"Achamos que é a coisa certa a fazer, ter um chefe de Estado barbadense. Aceitamos que havia uma preocupação de que o governo sozinho não deveria tomar essa decisão nos dias de hoje e, portanto, estamos empenhados em expressar nossos pontos de vista ao público e fazer com que ele emita o seu julgamento".

A votação estava planejada para 2008. Mas veio a crise financeira e o custo de realizar tal votação foi considerado muito caro e, por isso, ela foi adiada. 

Tem havido algumas especulações de que a remoção da Rainha em 2021 está associada ao movimento Black Lives Matter, e a uma nova confiança. Certamente, Mottley usou isso como uma forma de chamar a atenção e obter apoio público para a questão — mas, na verdade, uma república está há muito tempo na agenda de Barbados. E, apesar de seu partido ter perdido o cargo entre 2008 e 2018, a questão permaneceu na mesa.

Em 2015, o então primeiro-ministro, Freundel Stuart, do Partido Democrático de Centro-Direita, afirmou que Barbados caminhava para uma república. "Respeitamos [a rainha] muito altamente como chefe da Comunidade e aceitamos que ela e todos os seus sucessores continuarão no ápice de nosso entendimento político. Mas em termos do status constitucional de Barbados, temos que passar de um sistema monárquico para uma forma republicana de governo em um futuro muito próximo".

O Partido Trabalhista de Barbados, liderado por Mottley, obteve uma vitória esmagadora nas eleições de 2018, garantindo todos os 30 assentos parlamentares, dando carta branca à sua administração para prosseguir com os planos de se tornar uma república. Na verdade, essa não era uma questão controversa, pois ambos os lados haviam abraçado a causa republicana.

Desta vez, a decisão foi tomada sem a realização de referendo. Ao contrário da ilha de Tuvalu, no Pacífico, em 2008, e da vizinha São Vicente e Granadinas em 2009, os eleitores não tiveram voz ativa. Talvez porque os cidadãos desses dois estados insulares votaram “não” à eleição de um chefe de Estado, que era o modelo preferido em Barbados. 

Essa foi uma questão que dividiu a causa republicana na Austrália em 1999. Quando o país votou no "modelo preferido" do movimento republicano, que era para um chefe de Estado ser nomeado por uma maioria de dois terços do parlamento — em vez de ma eleição direta —, 54% dos australianos votaram “não”, favoráveis à manutenção da monarquia constitucional. Muitos deles eram considerados republicanos que queriam um chefe de Estado eleito diretamente.

Antes representante oficial da rainha na ilha sob o cargo de governadora-geral, agora Sandra Mason é a primeira presidente de Barbados (Foto: Reprodução/Cerimônia de Declaração da República e Posse da Presidente de Barbados)

Antes representante oficial da rainha na ilha sob o cargo de governadora-geral, agora Sandra Mason é a primeira presidente de Barbados (Foto: Reprodução/Cerimônia de Declaração da República e Posse da Presidente de Barbados)

Em 1996, uma Comissão de Revisão da Constituição recebeu a tarefa de explorar a ligação de Barbados com a Coroa. Em 1998, recomendou que Barbados se tornasse uma república parlamentar. Em 2005, o país substituiu o Comitê Judicial do Conselho Privado com sede em Londres como seu tribunal final de apelação pelo Tribunal de Justiça do Caribe em Trinidad e Tobago.

A Seção 49 da constituição de Barbados declara que: “O Parlamento pode, por meio de uma Lei do Parlamento aprovada por ambas as Câmaras, alterar esta Constituição.” Portanto, não demorou muito para que a base legal da constituição de uma monarquia fosse alterada para uma república.

A moda pode pegar?

A decisão de Barbados pode levar a uma onda de outros países decidirem adotar o modelo republicano. Na Jamaica — a maior nação da Comunidade Britânica na região —, ambos os partidos políticos se manifestaram a favor de se tornar uma república. Em 2003, o então primeiro-ministro, PJ Patterson, do Partido Nacional do Povo, de centro-esquerda, prometeu abolir a monarquia até 2007. "Amo muito a Rainha, mas chegou a hora em que devemos ter um chefe de Estado escolhido por nós",

Pesquisas de opinião realizadas em 2020 revelaram que 55% dos jamaicanos querem acabar com a associação do país com a Coroa.

E o republicanismo não se limita ao Caribe. Até março de 2021, uma pesquisa canadense descobriu que 45% dos entrevistados queriam mudar para um modelo republicano e apenas 24% estavam comprometidos em permanecer com a monarquia constitucional. Mesmo na Grã-Bretanha, o apoio à monarquia está caindo, especialmente pelos eleitores mais jovens:  41% das pessoas de 18 a 24 anos são a favor de uma república, de acordo com uma pesquisa do YouGov.

Recomeços

O Príncipe de Gales, que voou a Barbados para a cerimônia de entrega, causou uma boa impressão ao parabenizar o país por sua decisão. "A criação desta república oferece um novo começo", disse Charles aos barbadenses. "Desde os dias mais sombrios de nosso passado e a terrível atrocidade da escravidão que mancha para sempre nossa história, as pessoas desta ilha abriram seu caminho com extraordinária firmeza".

Após 400 anos sob a coroa britânica, Barbados vira república; entenda a importância (Foto: Cerimônia de Declaração da República e Posse da Presidente de Barbados)

Após 400 anos sob a coroa britânica, Barbados vira república; entenda a importância (Foto: Cerimônia de Declaração da República e Posse da Presidente de Barbados)

Então, estamos vendo a inscrição na parede da Coroa Britânica em antigas possessões imperiais? A rainha ainda é chefe de Estado em 15 países, incluindo Reino Unido, Canadá e Austrália — e o apoio ao republicanismo está diminuindo neste último país.

Enquanto isso, na vizinha Nova Zelândia, uma pesquisa recente mostrou que 50% dos entrevistados eram a favor da manutenção da monarquia, mesmo após a morte da atual rainha, em comparação com 44% a favor de uma república. Esta é uma reviravolta em relação a uma pesquisa semelhante realizada há dois anos, quando 55% disseram que queriam se tornar uma república.

A única coisa que essas pesquisas podem nos dizer é que o apoio à monarquia nas antigas possessões imperiais da Grã-Bretanha permanece volátil e as chances são de que, em breve, o Sol vai se pôr para a Coroa em outros lugares.

*Matt Qvortrup é professor de Ciência Política Aplicada e Relações Internacionais na Universidade de Coventry, no Reino Unido. Ele é especialista em engenharia constitucional comparada e política europeiaEste artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.