• Giuliana Viggiano
Atualizado em
Foto de Berkowitz feita polícia em 1978 (Foto: Wikimedia commons)

Foto de Berkowitz feita polícia em 1978 (Foto: Wikimedia commons)

Quando acordou ensanguentado e confuso, Robert Violante conseguia ouvir os gemidos da garota com quem saíra naquela noite quente de 1977. Ele não conseguia entender o que acontecera, mas lembrou da fala de sua mãe algumas horas antes. “Cuidado, filho”, ao que respondeu: “Tudo bem, mãe, hoje vou sair com uma loira”.

A preocupação da senhora Violante tinha fundamentos: desde o verão de 1976, cinco jovens haviam sido assassinados e outros seis feridos pelo Calibre .44., criminoso que aterrorizou Nova York, nos Estados Unidos, naquele período. Como o serial killer só focava em jovens morenas, Violante acreditou que sair com Stacy Moskowitz, de cabelos claros, garantiria a segurança dos dois. Mas ele não podia estar mais enganado.

Após dar uma volta em um parque local com a moça, Violante insistiu para os ficarem mais um pouquinho no carro. Cinco minutos depois, ambos foram baleados por projéteis que causaram a morte de Stacy e a quase cegueira do rapaz. O atirador? Ninguém menos que David Berkowitz, o “filho de Sam”.

Caso de família?
Richard David Falco nasceu no dia 1º de junho de 1953, em Nova York. Filho de um caso que Elizabeth Brother teve com um homem casado, o menino foi rejeitado pelo pai biológico e recebeu o nome do ex-marido de sua mãe. Pouco tempo após seu nascimento, Richard foi levado para adoção, onde recebeu o nome da família adotiva, “Berkowitz”.

Durante a infância, David ficou conhecido como “garoto problema”. Apesar de se mostrar perspicaz, perdeu o interesse nos estudos e desenvolveu um gosto por atear fogo em alguns lugares da vizinhança. Em certo ponto, foi atropelado e teve um leve traumatismo craniano, mas até hoje não se sabe se o acidente causou consequências em seu comportamento. Segundo relatos, embora seus pais adotivos tenham consultado psicólogos e psiquiatras sobre as atitudes do filho, o menino nunca chegou a fazer tratamento.

David se juntou ao exército por 3 anos (Foto: Wikimedia commons)

David se juntou ao exército por 3 anos (Foto: Wikimedia commons)

Com a morte da mãe adotiva, o relacionamento entre o jovem Berkowitz e seu pai piorou muito, e o rapaz acabou se alistando no exército. Serviu na Coréia do Sul e, em 1974, foi dispensado da entidade com honrarias. Foi nessa época que ele descobriu a verdade sobre sua mãe biológica: diferente do que o haviam contado, a progenitora não morrera no parto.

Em relatos, Berkowitz disse que se sentia culpado pela morte de Elizabeth Brother. Logo, quando descobriu o verdadeiro paradeiro da mãe, a contatou para que pudessem reatar os laços. Contudo, a felicidade do jovem duraria pouco. Depois de algumas visitas, a mulher revelou ao filho as circunstâncias de seu nascimento, o que o deixou muito perturbado e resultou no fim da comunicação entre eles.

Berkowitz ficou particularmente perturbado com a questão: para ele, ter figuras paternas que o rejeitaram era motivo de frustração e raiva. Por mais natural que esses sentimentos possam ser, o antropólogo forense Elliott Leyton descreveu as situações como causadoras da "crise primária" do jovem, que resultaria na destruição de seu senso de identidade — e no nascimento de um assassino.

Brincando com fogo
Depois que saiu do exército, Berkowitz alugou um apartamento na região do Bronx e tentou fazer o ensino superior, mas logo desistiu e começou a trabalhar como taxista e carteiro. Nesse período, o rapaz continuou sendo uma figura problemática: ameaçou seus vizinhos mais de uma vez por causa de discussões, além de sempre se apresentar como alguém desagradável e rude.

A situação se agravou com a briga que teve com sua mãe biológica. Depois de descobrir a verdade, voltou a atear fogo em diferentes lugares de Nova York — nada muito grave, que chamasse atenção demasiada das autoridades, mas o suficiente para que se denominasse “o fantasma do Bronx” em seus diários.

Criminoso ateou fogo a quase 1,5 mil pontos de NY. Ele mantinha registro dos incêndios em seus diários (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Criminoso ateou fogo a quase 1,5 mil pontos de NY. Ele mantinha registro dos incêndios em seus diários (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Para especialistas, incendiar as coisas dava a sensação de controle que tanto faltava a Berkowitz. A hipótese faz ainda mais sentido considerando que, em meados de 1975, o jovem começou a seguir um tipo de “satanismo”, por acreditar estar sendo controlado por demônios.

Meses depois, no Natal daquele ano, Berkowtitz cometeu seus primeiros crimes: perseguir e esfaquear duas adolescentes. Felizmente nenhuma das norte-americanas morreu, mas, ao serem interrogadas, não conseguiram descrever o responsável pelos ataques.

O volume das vozes na cabeça do criminoso aumentava. Os "demônios" agravaram a crença de Berkowitz de que ele não era desejado pelas mulheres: à medida que envelhecia, lamentava sua falta de vida social e sua incapacidade de conseguir uma namorada. "Acredito que sexo seja a resposta, o caminho para a felicidade", ele disse.

Isso fez crescer o ódio do rapaz pelo gênero feminino, contudo, até então, ele conseguira resistir à raiva. Quando se mudou para uma casa na região de Yonkers, as influências de um “demônio” o fizeram começar a matar mulheres. O satã em questão era o labrador de seu vizinho, Sam Carr.

Calibre .44.
Antes de começar a perseguir jovens nova-iorquinos, Berkowitz tentou matar o cachorro duas vezes: uma com um coquetel Molotov e outra com um tiro. Além de acreditar que o animal estava controlando seus pensamentos, o rapaz acreditava que o próprio vizinho, Sam, fora dominado pelo diabo.

Parte de um dos bilhetes deixados pelo "filho de Sam". Nele é possível ler: "Eu digo tchau e boa noite. Polícia, deixe-me assombrá-la com essas palavras. Eu vou voltar! Eu vou voltar! Para ser interpretado como — BANG, BANG, BANK, BANG — UGH! Se (Foto: Wikimedia Commons)

Parte de um dos bilhetes deixados pelo "filho de Sam". Nele é possível ler: "Eu digo tchau e boa noite. Polícia, deixe-me assombrá-la com essas palavras. Eu vou voltar! Eu vou voltar! Para ser interpretado como — BANG, BANG, BANK, BANG — UGH! Seu assassino. Sr. Monstro" (Foto: Wikimedia Commons)

Em 1976, Berkowitz montou um arsenal de armas, mas, ao que parece, seu “xodó” era um revólver de calibre 44. Foi com ela que cometeu a maioria de seus ataques. No geral, o seu modus operandi era “sair para caçar” (nas palavras dele), escolher as vítimas e abordá-las, descarregando as balas na direção delas.

Na maioria das vezes, as vítimas estavam em duplas, dentro de algum automóvel, ou chegando em casa. A polícia, contudo, não percebeu o padrão logo de cara. Foi só após um bilhete deixado por Berkowtiz na cena de um dos crimes que as autoridades concluíram que apenas uma pessoa havia conduzido os ataques.

Naquele ponto, o criminoso fora apelidado pela mídia como “Calibre .44.”. Entretanto, outro bilhete deixado por Berkowitz “rebatizou” o assassino em série: “Eu sou um monstro. Sou o ‘filho de Sam’. Me sinto como um estrangeiro. Estou em um comprimento de onda diferente que qualquer outro, programado para matar”, declarou. A carta garantiu a Berkowitz o codinome “filho de Sam” — e a Nova York um verão aterrorizante em 1977.

O verão de Sam
Um mês depois de enviar a emblemática carta, o “filho de Sam” escreveu outro bilhete, desta vez postado no correio e enviado para um jornalista do Daily News. “Não pense que porque você não teve notícias minhas há um tempo que fui dormir. Não, pelo contrário, ainda estou aqui. Como um espírito vagando pela noite. Sedento, faminto, que raramente pára para descansar; ansioso para agradar Sam”, escreveu. Parte da mensagem foi publicada, juntamente com um pedido do jornalista para que o assassino não cometesse mais atrocidades.

Diversos retratos falados foram feitos do assassino conhecido como "Calibre 44", mas foi um erro do próprio criminoso que resultou em sua prisão (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Diversos retratos falados foram feitos do assassino conhecido como "Calibre 44", mas foi um erro do próprio criminoso que resultou em sua prisão (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Nesse ponto, a população de Nova York estava aterrorizada: aquele ficou conhecido como “O verão de Sam”. Bares, restaurantes e outros estabelecimentos fechavam cedo. As mulheres cortavam e pintavam seus cabelos para não atraírem o criminoso — que preferia morenas de cabelos na altura dos ombros. As autoridades criaram a “Operação Ômega”, que reuniu mais de 300 especialistas com o intuito de analisar qualquer pista que pudesse parar o Filho de Sam.

Berkowitz, contudo, não se amedrontou: cometeu mais dois ataques, sendo o último deles o que destruiu 90% da visão de Robert Violante. O que Calibre .44. não podia imaginar é que, apesar de zombar da polícia em suas cartas, naquela noite fora ele quem cometeu um grave erro.

Uma multa muito cara
Na mesma noite de 1977 em que Stacy Moskowitz e Violante foram baleados, a jovem Cecilia Davis passeava com seu cachorro quando viu um policial multando um carro estacionado em local proibido. Momentos depois, viu o dono do carro passando por ela com um olhar enfezado, o que a fez correr de volta para casa.

No dia seguinte, quando sobe o que havia ocorrido em sua vizinhança, Davis contatou as autoridades, explicando o incidente. Foi aí que, após muita pesquisa, os investigadores da Operação Omega chegaram ao nome de David Berkowitz.

Sem um mandado para investigar o apartamento do criminoso, os policiais fizeram uma busca em seu carro, onde encontraram um rifle e uma mochila cheia de munição, mapas das cenas dos crimes, outra carta destinada às autoridades, e, é claro, um revólver calibre 44. Quando finalmente investigaram a residência de Berkowitz, os policiais descobriram grafites satânicos rabiscados nas paredes e diários com detalhes de sua vida e de seus crimes.

Bilhete de trânsito acabou resultando na prisão de David Berkowitz, o "filho de Sam" (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Bilhete de trânsito acabou resultando na prisão de David Berkowitz, o "filho de Sam" (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

O que ocorreu no momento de sua prisão permanece um mistério. Enquanto algumas pessoas dizem que Berkowitz teve uma breve conversa com o policial responsável por sua prisão ("Agora que eu te prendi, quem capturei?", teria dito a autoridade. "Você sabe”, teria respondido o criminoso. "Não, não sei. Me fale." A resposta teria sido "eu sou Sam."), outros afirmam que o assassino caçoou do policial (“Bem, você me pegou. Como demoraram tanto tempo?”).

“Filho da esperança”
Diferente do que se esperava, David Berkowtiz confessou aos policiais todos os crimes que cometeu e se declarou culpado de todos os assassinatos e ataques. À época, seu advogado tentou convencer o assassino em série de atestar insanidade para tentar obter uma pena mais branda, mas o criminoso se recusou a seguir tal abordagem.

Sendo assim, no primeiro semestre de 1978, o serial killer foi sentenciado a seis penas de 25 anos de prisão perpétua no Centro Correcional de Shawangunk, em Wallkill, Nova York. Tempos depois, em 1979, quase foi decapitado por seu colega de cela — o qual se recusou a denunciar: “[Esta foi] a punição que mereço”, declarou.

Mugshot realizado em 2003 (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Mugshot realizado em 2003 (Foto: Polícia de NY/Reprodução)

Berkowitz continua vivo e, segundo a justiça norte-americana, nunca entrou com pedidos para solicitar o cumprimento da pena em regime semi-aberto ou ter liberdade condicional. Além disso, o filho de Sam parece ter se voltado para o cristianismo e tem até um website em que se nomeia como “filho da esperança”.

Mesmo tendo se voltado para a religião e buscando viver uma vida reservada, a figura de David Berkowitz continua contraditória e, por mais que declare não gostar da fama, ainda é um dos serial killers mais conhecidos dos Estados Unidos. Diversas obras literárias e cinematográficas foram feitas sobre sua vida, sendo sua aparição mais recente na série Mindhunter, produzida pela Netflix.

Nela, um momento singular da vida do criminoso é retratado: a visita feita por investigadores do FBI ao assassino. Isso porque Berkowtiz, que até então era tido como louco por se declarar o “filho de Sam”, pareceu ter um lampejo de racionalidade e confidenciou aos detetives o que há muito já se suspeitava: os demônios nada mais eram que invenções do assassino.

Berkowitz se voltou ao cristianismo e tem até um website em que se nomeia como “filho da esperança” (Foto: Reprodução ariseandshine.org)

Berkowitz se voltou ao cristianismo e tem até um website em que se nomeia como “filho da esperança” (Foto: Reprodução ariseandshine.org)

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