• Marta Miret e Elvira Lara Pérez, para o The Conversation*
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Redes sociais mudaram o tipo de solidão das pessoas, afirmam especialistas (Foto: Pixabay)

Redes sociais mudaram o tipo de solidão das pessoas, afirmam especialistas (Foto: Pixabay)

Nós nunca estivemos tão conectados. As redes sociais podem fortalecer relacionamentos preexistentes e permitir que novas conexões sejam estabelecidas. No entanto, o uso excessivo também pode nos fazer sentir mais sozinhos.

Na Espanha, 92% das pessoas têm um smartphone e o utilizam principalmente para se comunicar por mensagens instantâneas com aplicativos como o WhatsApp. Nós nos comunicamos mais com nossa família e amigos por mensagens instantâneas do que face a face. Na verdade, passamos cada vez mais tempo interagindo com a mídia digital. Apesar disso, uma em cada três pessoas se sente solitária.

A solidão indesejada tem consequências negativas para o bem-estar e a saúde. Quando persistente, pode levar a mudanças negativas em nossos sistemas nervoso, imunológico e cardiovascular. A solidão indesejada pode até aumentar o risco de morte — na mesma proporção que o fumo e mais do que a obesidade e a inatividade física.

Então, o contato cara a cara é melhor que a comunicação virtual?
Um pilar essencial na felicidade são as relações sociais. As pessoas que têm mais interações sociais face a face estão mais satisfeitas e têm um melhor estado de saúde em comparação com aquelas com uma rede social limitada. Por outro lado, a comunicação através de plataformas digitais nos permite nos expressar e construir a comunidade, mas parece ter um efeito negativo no bem-estar das pessoas que não têm uma rede de apoio.

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Aplicativos como o WhatsApp nos permitem conectar com qualquer pessoa a qualquer momento. No entanto, a mensagem é mais simples e perdemos as nuances de tom de voz e expressão facial presentes na comunicação face a face, fundamentais para um intercâmbio social adequado. Além disso, parece haver um viés positivista nas comunicações virtuais, nós expomos mais aspectos positivos do que negativos, portanto temos a impressão de que os outros têm uma vida melhor e são mais felizes. Tudo isso pode gerar altos níveis de ansiedade. Experiências negativas em redes sociais, baixa auto-estima ou uma rede de apoio limitada poderiam ser alguns dos fatores que explicariam esses resultados.

Se olharmos para as diferentes faixas etárias, os efeitos das redes sociais parecem ser diferentes. Conectar-se exclusivamente através do Facebook ou usá-lo continuamente poderia criar dependência e diminuir o bem-estar entre os mais jovens.

As pessoas mais velhas também fazem uso frequente dos smartphones. No entanto, nenhuma relação foi encontrada até agora entre o uso de redes sociais e a solidão indesejada neste grupo etário. Como diz a psicóloga da Universidade Stanford, Laura Carstensen, isso pode ser devido ao fato de que as pessoas mudam suas perspectivas temporais à medida que envelhecem. Isso faz com que elas mudem seus objetivos e se tornem mais experientes na gestão de suas emoções, concentrando mais atenção nos aspectos positivos e na qualidade das trocas sociais.

As redes sociais podem ser úteis para reduzir a solidão indesejada?
Intervenções baseadas em plataformas sociais virtuais podem ser uma oportunidade para conectar e superar barreiras de comunicação. Elas também podem reduzir o isolamento e a solidão indesejada que alguns indivíduos sofrem. Este é o caso dos idosos que vivem sozinhos em suas casas e têm apoio limitado. Alguns estudos afirmam que o contato através de redes sociais virtuais parece não estar diminuindo o contato face a face, mas reforçando-o.

Em um artigo recente, Jennifer Chipps e sua equipe de pesquisa revisaram a eficácia de programas baseados em tecnologias digitais para reduzir o isolamento social em pessoas idosas. Muitas dessas intervenções visavam fortalecer os laços sociais preexistentes e aumentar as oportunidades de intercâmbio social. No entanto, os autores apontam que a heterogeneidade das intervenções e a falta de rigor metodológico de alguns programas não permitem conclusões sólidas.

Perdemos a capacidade de desfrutar da solidão?
Vivemos em um mundo hiperconectado e conectividade constante pode diminuir nosso desempenho. Podemos pensar que, à medida que nos aproximamos das vidas dos outros, corremos o risco de nos afastarmos de nós mesmos.

Estar sozinho não implica necessariamente num sentimento negativo e às vezes pode ser necessário ou benéfico. A solidão desejada estimula nossa capacidade de nos conhecer, refletir sobre nosso modo de pensar, sentir e agir. Criatividade também emerge através da solidão desejada. É, em suma, um motor para o crescimento pessoal.

Na última década, houve um aumento no tempo que os adolescentes passam usando telas nos Estados Unidos. O uso desses dispositivos diminuiu o tempo anteriormente ocupado por outras atividades, como a leitura, a participação em atividades religiosas e até o sono. Atividades que poderiam facilitar em maior medida ter um espaço para refletir, dedicar tempo a si mesmo e desfrutar da solidão.

Mas ainda são necessárias mais pesquisas para saber até que ponto as redes sociais são uma barreira para aproveitar a solidão desejada, quem são as pessoas mais afetadas por esse fenômeno e o que podemos fazer para achar momentos para nos encontrarmos. Tudo indica que controlar nossa conectividade e poder e saber desconectar-se em certos momentos pode ser uma estratégia poderosa para se beneficiar de certas doses de solidão.

O uso excessivo ou inadequado de redes sociais está relacionado à solidão indesejada, mas não é a principal causa disso. Outros aspectos, como o individualismo, o anonimato das grandes cidades ou a tendência a viver em lares com uma única pessoa, podem contribuir para uma maior solidão indesejada.

As plataformas digitais podem funcionar como ferramentas eficazes para o intercâmbio social construtivo, mas também podem tornar mais difícil encontrar momentos para estar realmente sozinhos. Limitar o tempo de uso e priorizar a interação face a face com a conexão virtual pode levar a uma melhora significativa no bem-estar.

* Marta Miret é professora de psicologia médica, Universidade Autônoma de Madri; Elvira Lara Pérez é psicóloga pesquisadora de pós-doutorado, Universidade Autônoma de Madri

Texto originalmente publicado no site The Conversation.

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