• Giuliana Viggiano
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"Índios soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros nativos", tela de Jean-Baptiste Debret (Foto: Wikimedia Commons)

Em 1755, foi introduzida a Lei de Liberdade dos Índios na Amazônia portuguesa, que proibiu a escravização indígena — principal mão de obra da região no século 18. Contudo, a criação da legislação não significou o fim do trabalho escravo: a prática continuou em cativeiros ilegais por muito tempo, tanto por falta de fiscalização quanto por falta de interesse social com essa parcela da população. 

Foi assim que, de acordo com os historiadores, surgiu a luta indígena pela liberdade. O indígena denunciava seu "patrão" para o tribunal da Junta das Missões, criado pelos portugueses, e o proprietário de escravos era convocado a apresentar o certificado que comprovasse a legalidade de seus atos. Caso o documento não existisse ou fosse constatada sua falsidade, o tribunal verificava a ilegalidade da escravidão e concedia a liberdade ao indígena.

Segundo Luma Ribeiro Prado, mestranda de História Social da Universide de São Paulo (USP), isso foi o que aconteceu na maior parte dos casos. "As mulheres e os homens indígenas que consideraram a via institucional como forma interessante de oposição ao cativeiro – dentre outras estratégias como fugas e revoltas – aderiram a ela transformando-se nos litigantes", diz ela em entrevista à GALILEU. 

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De acordo com os estudos de Prado, existiu uma notável predominância das mulheres nas ações pela liberdade. A pesquisadora analisou os 184 registros disponíveis de demandas por liberdade na época. Dessas, 75% dos escravizados em litígio eram mulheres ou seus descendentes — sendo que 53% das ações foram encabeçadas por mulheres.

Luta por direitos
Prado também percebeu a falta de direitos da população indígena em grande parte da história do Brasil. Segundo sua análise, a defasagem só foi reconhecida e superada na recente Costituição de 1988. "Há apenas 30 anos os indígenas que habitam o Brasil foram reconhecidos, em lei, como sujeitos de direito, hábeis para entrar em juízo por conta própria", informa.

A luta dos indígenas pela liberdade, contudo, não foi comum. "Apesar da pesquisa ter revelado um número maior de litigantes, se situarmos esse grupo no universo populacional de trabalhadores escravizados na Amazônia de colonização portuguesa, verificaremos que uma quantidade ínfima de indígenas acessou os tribunais", apontou a historiadora. De acordo com seu estudo, existem apenas registros de cerca de 350 litigantes ao longo de 70 anos (1714-1774), entre dezenas de milhares escravizados.

Prado acredita que suas descobertas são importantes para ressaltar a existência do indígena também como sujeito político. "Considero importante termos conhecimento de que, desde o período colonial, mulheres e homens indígenas agiram de acordo com seus interesses, procurando dialogar ou se contrapor de variadas formas aos não-indígenas e às situações, geralmente desfavoráveis, que lhes eram apresentadas", declara. 

A especialista espera que sua pesquisa contribua para a quebra de estereótipos atribuídos aos indígenas "como os de que seriam preguiçosos, pouco afeitos ao trabalho e incapazes", por exemplo. Além disso, ela acredita que conhecer a trajetória dos indígenas escravizados que conseguiram melhorar suas condições pode estimular o engajamento contra a precarização do trabalho e a exploração da mão de obra ainda existentes. 

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