• Isabela Moreira
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 (Foto: Reprodução/Blog da Boitempo)

(Foto: Reprodução/Blog da Boitempo)

Angela Davis nasceu em janeiro de 1944 em Birmingham, cidade do estado americano Alabama e um dos principais centros de conflitos raciais durante os anos 1960. Durante a mesma década, deu início a seu envolvimento com as principais lutas políticas do movimento negro e feminista da época.

Ela estudou e se especializou em filosofia nas universidades Brandeis, nos Estados Unidos, Sorbonne, na França, e de Frankfurt, na Alemanha, período no qual foi aluna de Jean-Paul Sartre e Herbert Marcuse.

De volta ao seu país se origem, ela foi acusada de ter comprado a arma utilizada em um sequestro de um juiz, o que a tornou uma das dez fugitivas mais procuradas pelo FBI. Davis, que afirma que a arma foi utilizada sem seu conhecimento, foi presa, despertando a campanha “Libertem Angela Davis”, que mobilizou ativistas e intelectuais do mundo inteiro.

Dezoito meses depois, ela foi inocentada das acusações e, desde então, se tornou uma das principais vozes do feminismo negro. Um de seus principais livros, Mulheres, Raça e Classe, publicado nos Estados Unidos na década de 1980, acaba de ganhar uma edição brasileira pela editora Boitempo. Conheça algumas das principais reflexões da filósofa:

1 - RAÇA, CLASSE E GÊNERO ESTÃO ENTRELAÇADOS

Davis acredita que raça, classe e gênero são categorias que devem ser consideradas em conjunto. Durante conferência realizada em São Luís, no Maranhão, durante a 1ª Jornada Cultural Lélia Gonzales, ela explicou que apesar de vários argumentos defenderem a classe como o fator mais importante, é necessário considerar os outros aspectos para entender como, juntos, podem criar diferentes tipos de opressão.

“É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe”, diz. “Raça é a maneira como a classe é vivida. Precisamos refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.”

Como aponta Djamila Ribeiro, secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e autora do prefácio do livro de Davis publicado recentemente no Brasil, a filósofa não pensa as categorias de forma isoladas porque elas estão subordinadas à mesma estrutura. “Precisamos pensar o quanto o racismo impede a mobilidade social da população negra”, diz. “Temos um problema de classe. E o racismo também cria uma hierarquia de gênero, deixando a mulher negra em uma situação muito maior de vulnerabilidade social.”

2 - O RACISMO ENCORAJA A VIOLÊNCIA SEXUAL

Em Mulheres, Raça e Classe, Davis explica que no período da escravidão, os patrões viam os corpos das mulheres negras como propriedade e se achavam no direito de fazer o que quisessem com elas. “A escravidão se sustentava tanto na rotina do abuso sexual quanto no tronco e no açoite”, escreve. “O direito alegado pelos proprietários e seus agentes sobre os corpos das escravas era uma expressão direta de seu suposto direito de propriedade sobre pessoas negras como um todo.”

Segundo a filósofa, a ideia do abuso sexual de mulheres negras como algo institucionalizado se tornou tão forte que persistiu mesmo após de a escravidão ter sido abolida. Estereótipos que retratam a mulher negra como promíscua e imoral, frequentemente utilizados na mídia, ajudaram a reforçar essa ideologia.

Davis aponta que o racismo têm ainda outras formas de incitar o machismo. “Embora as mulheres negras e suas irmãs de minorias étnicas tenham sido os alvos principais desses ataques de inspiração racista, as mulheres brancas também sofreram. Uma vez que os homens brancos estavam convencidos de que podiam cometer ataques sexuais contra as mulheres negras impunemente, sua conduta em relação às mulheres de sua própria raça não podia permanecer ilesa”, explica. “Esta é uma das muitas maneiras pelas quais o racismo alimenta o sexismo, tornando as mulheres brancas vítimas indiretas da opressão dirigida em especial às suas irmãs de outras etnias.”             

Angela Davis (Foto: Flickr/Universität Wien)

(Foto: Flickr/Universität Wien)

3 - OS PRESÍDIOS DEVERIAM SER ABOLIDOS

Em 2003, Davis lançou Are Prisons Obsolete? (Os presídios são obsoletos?, em tradução livre), no qual questiona a eficácia do sistema carcerário americano. A filósofa argumenta que os presídios foram desenvolvidos como uma alternativa “menos pior” de tortura e que o aumento de prisões não diminui o número de crimes.

“Durante minha carreira como ativista vi o número de presídios crescer com tanta rapidez que muitas pessoas de comunidades negras, latinas e nativo-americanas agora têm mais chances de ir para prisão do que conseguir uma educação decente”, escreve. “Estamos dispostos a rebaixar números ainda maiores de pessoas de comunidades oprimidas à uma existência isolada marcada por regimes autoritários, violência, doenças e tecnologias de seclusão que podem produzir instabilidade mental?”

Em entrevista ao Democracy Now em 2014, Davis afirmou que algum progresso em torno dessa questão tem ocorrido desde a publicação do livro. “Em vez de pensar em formas de reformar o sistema penitenciário, precisamos pensar em formas de, a longo prazo, ter menos pessoas atrás das grades para, no futuro, termos um ambiente sem prisões, no qual problemas sociais como analfabetismo e pobreza não signifiquem uma trajetória direta para a cadeia”, disse.

4 - O PAPEL DA RESISTÊNCIA

"Se todas as vidas importassem, nós não precisaríamos proclamar enfaticamente que a vida dos negros importa." Essa foi uma das frases ditas por Davis durante um discurso sobre direitos humanos na Universidade Estadual San José, nos Estados Unidos, em 2015. Para a filósofa, o movimento Black Lives Matter, que teve início com protestos sobre a morte do adolescente negro Trayvon Martin, ajudou as minorias a retomarem seus devidos protagonismos na resistência contra a desigualdade.

“Todos nós temos que participar para garantir que algo seja feito para frear os danos racistas que estão acontecendo com nossas comunidades em todo país”, afirmou ela. “Este é um momento histórico. Quando vocês tiverem minha idade, as pessoas vão perguntar: como foi ver o movimento revolucionário reascender?”.

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