• Lucas Alencar*
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Há quem questione se o céu e o mar realmente são azuis (Foto: Reprodução)

Há quem questione se o céu e o mar realmente são azuis (Foto: Reprodução)

No século XVIII, o intelectual britânico William Ewart Gladstone (1809-1898), ex-primeiro-ministro da Inglaterra e amante de literatura helênica, chegou a uma conclusão: os gregos ignoravam o azul.

Numa análise dos dois principais livros de Homero, “A Ilíada” e “A Odisseia”, Gladstone constatou que a cor branca era mencionada cerca de cem vezes, o preto havia sido grafado aproximadamente duzentas vezes, o vermelho, citado menos de quinze vezes e o verde o amarelo, menos de dez vezes cada um. Outras cores apareceram com menor frequência.

Intrigado, Gladstone estudou escritos de outros autores e pensadores gregos e não encontrou a cor azul. Os céus e os mares eram sempre descritos como pretos ou brancos ou com frases poéticas como “a aurora com seus dedos rosados”. Em suas anotações, o intelectual britânico concluiu: “Eles entendiam o azul com a mente, mas não com a alma”.

Verdade universal?

Intrigado com a pesquisa Gladstone, o filósofo e linguista alemão Lazarus Geiger (1829-1870) se perguntou se o fenômeno da ignorância do azul era exclusividade dos gregos. Para chegar a uma conclusão sobre o assunto, ele se debruçou sobre o Alcorão, versões da Bíblia em hebraico, histórias chineses, sagas islandesas e muitos outros escritos históricos. Em nenhum deles encontrou o azul.

Sobre os Vedas, escrituras hindus produzidas, provavelmente, por volta de 1500 a.C., Geiger escreveu: “Esses hinos de mais de dez mil linhas estão cheios de descrições do céu. Quase nenhum tema é tratado com tanta frequência. O sol e o início da madrugada, o dia e a noite, as nuvens e os relâmpagos, o ar e o éter, tudo isso é contado. Mas uma coisa que ninguém poderia saber por meio destas canções é que o céu é azul”, escreveu o linguista e filósofo.

Além de notar a ausência do azul, Geiger conclui que houve uma sequência comum no surgimento das palavras que se referiam a cores nas línguas antigas. Primeiro, segundo ele, apareciam o preto e o branco – ou escuro e claro –, em referência à noite e a do dia. Em seguida, surgia o vermelho, necessário para representar o sangue. Amarelo e verde vinham em seguida. O azul só surgia em sociedades mais sofisticadas, escreveu o linguista alemão.

A sociedade egípcia, por exemplo, tinha uma palavra que nomeava o azul. Mas, de acordo com Geiger, isso aconteceu porque os egípcios avançaram bastante nos processos de pigmentação e pintura de objetos, obras de arte, tecidos, entre outras utilidades.

"Conforme as sociedades avançam tecnologicamente, mais se desenvolve a gama de nomes para cores. Com uma maior capacidade de manipulá-las e com a disponibilidade de novos pigmentos, surge a necessidade de uma terminologia mais refinada. A cor azul é a última, porque, além de não ser encontrada tão comumente na natureza, levou muito tempo para fazer este pigmento”, opina o linguista israelense Guy Deutscher.

Veredicto

Deutscher estudou as teorias de Gladstone e de Geiger e decidiu fazer um teste final sobre o tema. Ele ensinou todas as cores para sua pequena filha, Alma, com o cuidado de não introduzir o céu e o mar nos exemplos que dava para cada cor.

Quando a garota já estava confortável com os termos e com a noção das cores, Deutscher decidiu perguntar a ela qual era a pigmentação do céu. "Ela respondia imediatamente a tudo mais, mas, com o céu, olhava e parecia não entender do que eu estava falando. Primeiro, ela respondeu 'branco'. Foi só depois de muito tempo e após ver cartões-postais em que o céu aparecia azul que usou essa cor para descrevê-lo."

Por fim, o linguista israelense concluiu que “nada mudou em nossa visão. Há séculos, somos capazes de ver diferentes tons, mas não temos as mesmas necessidades. Era perfeitamente normal dizer que o mar era preto, porque, quando está azul escuro, parece preto, e isso é suficiente nesta época. Uma sociedade funciona bem com o preto, o branco e um pouco de vermelho."