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 Gorbachev, em 1985 (Foto: getty)

Gorbachev, em 1985 (Foto: getty)

A revista norte-americana Time descreveu a chegada de Mikhail Gorbachev ao posto de secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética com as seguintes credenciais: "Mais jovem, mais perspicaz e provavelmente brilhante”. Era 11 de março de 1985 e Gorbachev estava, então, com 54 anos.

Poucos anos depois, o mundo observava a queda da superpotência, com a bandeira vermelha e sua foice e martelo pela última vez na Praça Vermelha de Moscou, em dezembro de 1991. “Quando Gorbachev chegou ao poder ninguém poderia dizer que em poucos anos a União Soviética deixaria de existir”, afirma Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea da USP e autor do livro O Declínio da União Soviética: Estudo das Causas.

Como o país vivia sob a administração de um partido único, o cargo conquistado pelo russo equivalia a mais importante posição dentro do Estado soviético, que buscava renovar suas lideranças. Após os curtos mandatos de Iuri Andropov e Konstantin Chernenko, mortos em decorrência de doenças, o Comitê Central do Partido depositou suas confianças em Gorbachev, político que se distanciava do perfil linha-dura de seus antecessores. “Ele fazia parte da geração de jovens que entraram no Partido durante o período da desestalinização do Estado, com uma visão reformista de arejar o sistema”, diz Segrillo, que testemunhou o desmoronamento da União Soviética quando realizava um mestrado em Moscou entre 1990 e 1992.

"Durante a Terceira Revolução Industrial, com a revolução da informação, o modelo centralizado soviético se tornou muito burocrático e incapaz de competir com os países ocidentais"

Após viver um período de forte crescimento econômico, entre as décadas de 1930 a 1960, e competir tecnologicamente com os principais países capitalistas do mundo, a União Soviética passou por um momento de estagnação durante toda a década de 1970, culminando com a crise que estouraria no colo de Gorbachev. “Durante a Terceira Revolução Industrial, com a revolução da informação, o modelo centralizado soviético se tornou muito burocrático e incapaz de competir com os países ocidentais”, afirma o professor.

Apesar de contar com alta tecnologia, competindo com os Estados Unidos durante a corrida espacial, a falta de interesse do governo em permitir que os cidadãos tivessem computadores pessoais em suas casas, por exemplo, impediu o processo de inovação que começava a se desenvolver em regiões como o Vale do Silício. No final das contas, Bill Gates e sua turma de nerds também contribuíram para a dissolução soviética.

gorbachev (Foto: getty)

gorbachev (Foto: getty)

Com a desaceleração econômica, Gorbachev iniciou uma grande reforma batizada de perestroika, que em russo significa “reestruturação”. Entre as medidas adotadas, se previa a redução do peso estatal na economia, com maior participação do comércio exterior na balança econômica, e desburocratização dos setores produtivos. “Como a economia era totalmente estatizada, como uma grande repartição pública, as lideranças notaram que aquela lógica tinha se tornado uma camisa de força e era necessária uma flexibilização”, afirma Segrillo.

Mesmo com garantias sociais, como saúde e educação disponível a todos, a população soviética se cansava das filas para ter acesso a serviços, além de querer maior qualidade com os bens de consumo, como vestuário e eletrodomésticos. Sob influência da intelectualidade soviética, que pedia maiores liberdades individuais face à centralização política, o descontentamento começou a se converter em uma grande panela de pressão. “Com a perestroika, a situação econômica piorou, com inflação e desemprego leve. Isso fez com que o povo se juntasse aos intelectuais e fizesse com que Gorbachev perdesse o apoio”, diz o professor.

"Havia mais de 100 nacionalidades na União Soviética e quando a batalha política se tornou mais acirrada, tudo isso veio à tona”

Assim, mesmo com as tentativas do líder soviético de iniciar uma abertura política com a glasnot (que em português significa “transparência”), a pressão por mudanças colocava o próprio sistema em xeque. Em algumas ocasiões, até boas intenções de Gorbachev foram duramente criticadas pela população, como a campanha para combater o alcoolismo por meio do aumento do preço da vodka. Além disso, campanhas nacionalistas de independência também começavam a incendiar o território soviético. “Havia mais de 100 nacionalidades na União Soviética e quando a batalha política se tornou mais acirrada, tudo isso veio à tona”, afirma Segrillo.

A perda de influência do poder soviético também enfraqueceu os governos no Leste Europeu, que viam crescer movimentos em torno da conquista de liberdades individuais. Apoiados pelos países ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos, pouco a pouco setores da sociedade iniciaram a derrubada dos Partidos Comunistas sendo a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, como o grande símbolo que marcaria o fim da experiência socialista real no século XX.

Em pouco tempo, as repúblicas que compunham a União Soviética, como Ucrânia, Cazaquistão e Bielorrúsia, reclamavam sua independência. Sob a liderança do dirigente Bóris Iéltin, a própria Rússia se desvinculou da esfera soviética no segundo semestre de 1991, deixando Gorbachev como dirigente de um Estado fantasma. Em 24 de dezembro, ele assinava a dissolução da superpotência.

A União Soviética antes e o território após a sua dissolução, em 1991 (Foto: redação galileu)

A União Soviética antes e o território após a sua dissolução, em 1991 (Foto: redação galileu)

“O processo político de Gorbachev não foi bem conduzido e, enquanto a China conseguiu manter o socialismo na era da informação, isso não foi possível na União Soviética”, diz Segrillo. Único líder vivo dos tempos soviéticos, Gorbachev tentou concorrer às eleições russas em 1996, mas obteve apenas 0,5% das intenções de voto, uma reação ao grave momento econômico e social vivido pelo país logo após o fim da União Soviética. Curiosamente, o Partido Comunista só não voltou ao poder democraticamente por 3,3% de pontos percentuais.

Gorbachev, em retrato feito em 2014, na comemoração dos 25 anos da Queda do Muro de Berlim (Foto: Getty)

Gorbachev, em retrato feito em 2014, na comemoração dos 25 anos da Queda do Muro de Berlim (Foto: Getty)