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 (Foto: Ilustração: Augusto Zambonato)

(Ilustração: Augusto Zambonato)

O ano é 2044 e o garoto Wade Watts passa seu tempo imerso em um mundo ficcional chamado Oasis para fugir dos desastres que assolam o planeta. A distopia do livro Jogador nº 1 pode se passar no futuro, mas tanto ele quanto a adaptação cinematográfica dirigida por Steven Spielberg, com estreia prevista para março, mostram uma tecnologia que tem sido cada vez mais presente em nossos dias: a realidade virtual.

A chamada narrativa imersiva tornou-se uma tendência em Hollywood. Os vídeos em 360 graus já são usados nos games e na publicidade, mas o cinema começa a ter produções que já podem atingir um público mais amplo e — quem sabe — bons retornos em bilheteria. Porém, fazer um longa com essa tecnologia ainda é um desafio. “Nós falamos que, quando produzimos um filme em 360 graus, estamos fazendo seis filmes ao mesmo tempo. Ele é muito mais parecido com um show ou uma peça do que com um filme. Neste ano, vimos o crescimento da realidade virtual rumo a um caminho mais artístico. Depois [da última edição] de Cannes, quando o diretor [Alejandro González] Iñarritú apresentou um filme nesse estilo, todos os festivais passaram a ter alguma área dedicada ao formato”, afirma a produtora Janaina Augustin, da O2 Filmes — que possui um departamento totalmente destinado às novas telas.

Vencedor do Oscar de Melhor Diretor por Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), de 2014, e por O Regresso, de 2015, o mexicano foi o primeiro cineasta a exibir um filme em realidade virtual em Cannes. O curta Carne y Arena mostra de forma crua o esforço de latinos que tentam passar ilegalmente pela fronteira entre México e Estados Unidos. O diretor reconhece a produção como uma instalação de arte, mas é difícil não pensar que nasce uma nova forma de exibir histórias, tanto que a produção será agraciada com uma estatueta especial na próxima cerimônia do Oscar.

“Você traz realidades que as pessoas não dão conta de que existem, das quais não querem participar, e você coloca na cara delas”, diz João Rocha, sócio do Estúdio Bijari, centro de criação em artes visuais e multimídia que fez Ocupação Matilha, um vídeo-dança em 360 graus que reuniu em cena 70 dançarinos, acrobatas e praticantes de parkour, demonstrando a importância não só artística como social do conteúdo imersivo.

UMA NOVA ESPERANÇA
Se hoje existem repartições próprias em grandes estúdios dedicadas às novas linguagens, elas se devem principalmente a George Lucas, que no final da década de 1990 foi um dos maiores incentivadores do uso de câmeras digitais. A dinâmica de filmar sem película e editar em computadores abriu um mar de opções técnicas. Basta lembrar que, no mesmo ano, o supervisor de efeitos especiais John Gaeta surpreendeu os espectadores com o efeito Bullet Time em Matrix. Hoje, quase duas décadas depois, Gaeta é um dos responsáveis pelo ILMxLab, divisão de entretenimento imersivo da Lucasfilm que cria conteúdos de realidade virtual para grandes produções do estúdio, como as da franquia Star Wars.

Mas se em 1999 o especialista apontava várias câmeras para um elemento central, hoje ele vê a câmera ocupar o núcleo do set: é ela que é circundada pelo cenário e pela ação. No entanto, nem tudo corre com essa aparente facilidade. Como para os vídeos em 360 graus são usadas diversas câmeras de altíssima qualidade (Ocupação Matilha foi feito com sete câmeras GoPro gravando em 2K), o material bruto exige processadores e servidores cada vez mais avançados para a edição. “O maior desafio é a quantidade e o tamanho dos arquivos, que fazem com que computadores rápidos ainda tenham problemas em lidar com tanto conteúdo”, revela Daniel Bydlowski, cineasta brasileiro e artista de realidade virtual radicado nos Estados Unidos, que finaliza o longa NanoEden.

Dá para dizer que a realidade virtual já está com seu caminho pavimentado para o futuro. Contudo, por mais que grandes estúdios, diretores e festivais (Veneza e Sundance inclusos) optem pelo novo formato, a história do audiovisual mostra que a adesão da indústria de filmes adultos ainda é fundamental para sacramentar a adoção do 360 graus em grande escala.

Desde a década de 1970, o mercado adulto vem definindo os rumos da indústria. Formatos como Super-8, VHS, DVD e Blu-ray só foram adotados em larga escala após serem avalizados pela indústria pornô. Entre março e julho de 2016, o site PornHub havia recebido cerca de 30 filmes em realidade virtual, número que subiu para 2,6 mil no final do primeiro semestre de 2017, o que prova que a narrativa tem potencial.

Se realmente for abraçada pelo público, a realidade virtual será uma das maiores revoluções pelas quais o cinema terá passado. Engatinhando no circuito comercial — a rede de cinemas IMAX conta com seis centros dedicados ao formato pelo mundo —, os filmes em 360 graus substituirão a experiência das salas tradicionais por pequenas baias individuais em que as pessoas usarão um PC no formato de mochila, óculos e fones para escolher um título/experiência em cartaz. Se em 1896 o público se assustava com a chegada de uma locomotiva nas exibições de A Chegada de um Trem à Estação, dos irmãos Lumière, hoje é preciso um pouco mais de empenho. Como já não tem mais bobo na fila da pipoca, um duelo realista com Darth Vader em Tatooine, por exemplo, poderia ser uma boa pedida para deixar os cinéfilos tremendo de medo.

SOZINHO NO CINEMA
Nada de sala de projeção — é o usuário quem carrega todo o material necessário para a experiência

 (Foto: Ilustração: Augusto Zambonato)

Óculos VR e joystick (Ilustração: Augusto Zambonato)

 (Foto: Ilustração: Augusto Zambonato)

Rumblepack | Além dos óculos e do joystick, o espectador precisa usar uma rumblepack, mochila que processa as imagens exibidas e, em alguns casos, também vibra. (Ilustração: Augusto Zambonato)

O mercado de realidade virtual e realidade aumentada vai ultrapassar o de TV em 2025, movimentando cerca de US$ 110 bilhões
Fonte: Goldman Sachs