• Giuliana Viggiano
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Fiocruz registra o exato momento da infecção do novo coronavírus em célula (Foto: Fiocruz)

O que se sabe sobre mutações do Sars-CoV-2 (e o que elas podem significar) (Foto: Fiocruz)

Compreender as mutações do Sars-CoV-2 é essencial para o desenvolvimento de medicamentos ou mesmo de uma vacina contra a Covid-19. É justamente por isso que as mudanças do novo coronavírus têm sido estudadas por especialistas do mundo todo. 

Entre estas pesquisas está uma da University College London, na Inglaterra, publicada nesta quarta-feira (6) no Infection, Genetics and Evolution. Os estudiosos identificaram 198 mutações que parecem ter ocorrido de maneira independente em diversas partes do mundo — o que pode dar pistas sobre como o microrganismo está se adaptando.

"Todos os vírus sofrem mutações naturalmente", afirmou Francois Balloux, um dos pesquisadores, em comunicado. "Mutações em si não são uma coisa ruim e não há nada que sugira que o Sars-CoV-2 esteja sofrendo mudanças mais rápidas ou mais lentas do que o esperado. Até agora, não podemos dizer se ele está se tornando mais ou menos letal e contagioso."

Mutações são pequenas alterações no código genético de um organismo que podem levá-lo a desenvolver novas características. Segundo a equipe da University College London, as mudanças identificadas no novo coronavírus não estão distribuídas uniformemente por seu genoma: algumas partes do código genético do microrganismo tendem a variar mais que outras.

“Um grande desafio para derrotar o vírus é que uma vacina ou medicamento pode deixar de ser eficaz se o organismo sofrer uma mutação", explicou Balloux. "Se concentrarmos nossos esforços em partes do vírus com menor probabilidade de sofrer alterações, teremos uma chance maior de desenvolver medicamentos que serão eficazes a longo prazo."

Europa e América do Norte
Quando o novo coronavírus infecta o nosso corpo, uma proteína spike na superfície do Sars-CoV-2 se liga a uma proteína "receptora" situada no exterior das células humanas, o que permite a entrada do organismo no nosso corpo. De acordo com um estudo do Laboratório Nacional Los Alamos, nos Estados Unidos, essa proteína já sofreu ao menos 14 mutações.

Em uma versão pré-pronta do artigo (isto é, que ainda não foi devidamente revisada e editada), publicada no BioRxiv no fim de abril, os especialistas explicam que a alteração mais preocupante da proteína é uma que foi batizada de D614G. Os cientistas relatam que essa é a mutação mais comum em pacientes da Europa e da América do Norte, onde a Covid-19 se espalhou rapidamente.

"Estávamos preocupados que a mutação D614G pudesse aumentar a transmissibilidade", escrevem no artigo. Felizmente, embora a mutação pareça tornar o vírus mais transmissível, os pesquisadores dizem que "não houve correlação significativa" entre pessoas infectadas com essa variável do vírus e o desenvolvimento de quadros mais graves da Covid-19.

"Embora o significado funcional das mudanças observadas ainda não tenha sido totalmente caracterizado, o estudo mostra que o Sars-CoV-2 pode alterar sua estrutura genética de várias maneiras à medida que se espalha pelo mundo, uma descoberta que provavelmente terá implicações importantes no desenvolvimento da vacina", escreveu Jonathan Stoye, chefe da divisão de virologia do Francis Crick Institute, que não participou do estudo, em um comentário.

Sars-CoV e Sars-CoV-2
Em 2002 e 2003, um "parente" do novo coronavírus foi responsável por causar uma epidemia da síndrome respiratória aguda grave (Sars) na China. À época, uma mutação do Sars-CoV o tornou menos danoso ao ser humano — e isso pode ter acontecido com seu "primo", o Sars-CoV-2.

Uma pesquisa realizada pela Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, revelou uma mutação do novo coronavírus em que 81 dos 30 mil componentes do código genético do microganismo desapareceram. O estudo, publicado no Journal of Virology na última sexta-feira (01), defende que a mutação é parecida com a que ocorreu com o vírus da Sars anos atrás.

Os cientistas acreditam que a mutação do Sars-CoV em 2003 o enfraqueceu e isso, por sua vez, foi uma vantagem evolutiva para o microrganismo. Pode parecer contraditório, mas a ideia é a seguinte: uma versão mais fraca do vírus causa quadros menos graves da doença, o que faz com que os infectados sobrevivam e infectem mais pessoas — o que é algo vantajoso para o microrganismo, pois possibilita que a espécie se prolifere.

"Uma das razões pelas quais essa mutação é interessante é porque ela reflete uma grande exclusão que surgiu no surto de Sars em 2003", observou Efrem Lim, líder da pesquisa, em declaração à imprensa.

Apenas 16 mil versões do Sars-CoV-2 foram estudadas, número que representa menos de 0,5% das cepas em circulação — há mais 3,5 milhões de casos de Covid-19 confirmados em todo o mundo, e cada infectado poderia apresentar uma versão única do novo coronavírus. Ainda assim, os especialistas estão otimistas com o que têm descoberto. 

"Ser capaz de analisar um número tão extraordinário de genomas do vírus nos primeiros meses da pandemia pode ser inestimável para o desenvolvimento de medicamentos, e mostra até que ponto a pesquisa genômica chegou na última década", pontuou Lucy van Dorp, pesquisadora da University College London. "Todos nós estamos nos beneficiando de um tremendo esforço de centenas de pesquisadores em todo o mundo que sequenciaram genomas de vírus e os disponibilizaram online."