• Redação Galileu
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Poliomielite corre grande risco de ser reintroduzida no Brasil  (Foto: Prefeitura de Galvão )

Poliomielite corre grande risco de ser reintroduzida no Brasil (Foto: Prefeitura de Galvão )

O Brasil foi certificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), junto com os demais países das Américas, como livre da poliomielite em 1994. Porém, 28 anos depois, uma suspeita de paralisia infantil em um menino de 3 anos de idade, registrada em Santo Antônio do Tauá, no Pará, preocupou autoridades.






De acordo com a Agência Brasil, o caso suspeito foi notificado ao Ministério da Saúde nesta quinta-feira (6), pela Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa). Outras hipóteses de diagnóstico não foram descartadas, como o de Síndrome de Guillain Barré.

Segundo nota técnica do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) do Pará, o poliovírus foi isolado em fezes do paciente, que teve sintomas típicos da doença. Os primeiros incômodos surgiram em 21 de agosto, quando o menino começou a ter febre, dores musculares, mialgia e paralisia flácida aguda, um dos fatores mais característicos da pólio.

A criança foi levada a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em 12 de setembro, após perder força nos membros inferiores. Toda a assistência à criança, que se recupera em casa, está sendo prestada pela Sespa, que atua para a rápida investigação e esclarecimento do caso. 

Na manhã desta sexta-feira (7), em entrevista à CNN, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga descartou a infecção pelo poliovírus e reforçou a necessidade de pais e responsáveis manterem a vacinação de seus filhos em dia. "Muito provavelmente houve um evento adverso à vacina oral. Este caso do Pará, pelo que eu sei, já foi descartado. Não é pólio. Nas fezes [da criança] tem lá um vírus vacinal, é da vacina. Não é pólio, felizmente. Mas [a infecção] pode acontecer, senão a gente não estava toda hora falando sobre isso [campanha de vacinação]”, disse o ministro.

Como a pólio foi erradicada

Conforme estudo publicado em 2003 por um trio de pesquisadores brasileiros, na década de 1980, James Grant, diretor dá Unicef, procurou a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para atingir a meta de 90% de cobertura vacinal infantil em todos os países até 1990. Esse era o objetivo de seu programa Universal Childhood Imunization.

As autoridades concluíram, então, que precisariam erradicar uma doença imunoprevenível para mobilizar a opinião pública internacional sobre o continente. Para Ciro de Quadros, então diretor do Programa Ampliado de Imunizações da Opas, esta deveria ser a poliomielite, sobre a qual alguns países já tinham experiências de sucesso no controle.

Assim, a Opas anunciou a meta de erradicar a transmissão do poliovírus selvagem das Américas até 1990, com a qual seus países-membros se comprometeram em reunião. No Brasil, em 1986, foi criado o Grupo de Trabalho para a erradicação da poliomielite com objetivos de dar maior eficiência ao programa de vacinação e desencadear medidas de controle e monitoramento.






Os esforços deram certo: em março de 1989 foi notificado o último isolamento do poliovírus selvagem no país, em Souza, na Paraíba. Em agosto do mesmo ano, foi criada a Comissão Nacional de Revisão de Casos de Poliomielite. A partir de 1990, o Brasil direcionou o programa para cumprir critérios da Comissão Internacional de Certificação da Erradicação da Poliomielite, tornando-se em 1994 livre da doença.

Nova ameaça

Para o pesquisador Fernando Verani, epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), a poliomelite tem realmente risco elevado de ser reintroduzida por aqui. As razões são várias, entre elas, a baixa cobertura vacinal: desde 2015, o país não cumpre a meta de 95% do público-alvo vacinado, que é necessária para que a população seja considerada protegida.

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece vacinas contra a pólio de dois tipos — a inativada e a atenuada. Enquanto a inativada deve ser aplicada nos bebês aos 2, 4 e 6 meses de idade, a atenuada é um reforço dado em gotas por via oral entre os 15 e 18 meses e depois, mais uma vez, entre os 4 e 5 anos de idade.

Quando se trata das três doses iniciais da vacina, a cobertura no país foi de apenas 67% em 2021, segundo o Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI). Já o reforço, em gotinha, teve uma porcentagem ainda mais baixa, de 52% das crianças imunizadas. No Nordeste e Norte, os índices foram os piores, com percentuais de 42% e 44%, respectivamente, para a imunização completa com as cinco doses.

Arte criativa apresentando capsídeos do vírus da poliomielite em 3D e micrografia eletrônica de transmissão de partículas do vírus  (Foto: NIAID)

Arte criativa apresentando capsídeos do vírus da poliomielite em 3D e micrografia eletrônica de transmissão de partículas do vírus (Foto: NIAID)

“Estamos com sinal vermelho no Brasil por conta da baixa cobertura vacinal, e é urgente fazer algo”, alerta Verani, ao Portal Fiocruz. “Não podemos esperar acontecer a tragédia da reintrodução do vírus para tomar providências.”

De acordo com o pesquisador, outro motivo de preocupação é a pouca eficiência nas estratégias de vigilância para conter surtos. “As amostras de esgoto das cidades não têm sido recolhidas com a frequência esperada, e não há a notificação e investigação constante de possíveis casos de paralisia flácida aguda”, critica Verani.

Já Edson Elias, chefe do Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), cita o perigo de mutação do vírus atenuado da pólio, algo que pode ser evitado com a vacinação. “Quando a população está com baixa cobertura vacinal, há o risco de mutação do vírus, ao ser transmitido de pessoa para pessoa, tornando-se uma cepa agressiva”, ele explica.