• Beatriz Gatti*
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Micrografia mostrando tumor estromato microcístico do ovário (Foto: Nephron/Wikimedia Commons)

Micrografia mostrando tumor estromato microcístico do ovário (Foto: Nephron/Wikimedia Commons)

Aprovado em março deste ano pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o niraparibe, medicamento que atua contra o câncer de ovário, já está disponível para comercialização em todo o Brasil. De acordo com dois estudos publicados no The New England Journal of Medicine, a terapia oral demonstrou resultados positivos em pacientes recém-diagnosticadas com a doença ou naquelas com diagnósticos recorrentes que responderam bem à quimioterapia à base de platina.

Sob nome comercial de Zejula, o novo tratamento da farmacêutica britânica GSK funciona como um inibidor da Parp, uma importante enzima para a sobrevivência das células cancerígenas. “Inibidores da Parp são drogas que impedem que o tumor reconstitua sua estrutura do DNA após o ataque cirúrgico quimioterápico”, explicou o oncologista Fernando Maluf, presidente do Instituto Vencer o Câncer (Ivoc), durante coletiva online sobre o novo tratamento, realizada nesta terça-feira (24).

De acordo com Maluf, os inibidores da Parp geralmente oferecem melhor resposta em pacientes que apresentam mutações nos genes BRCA, muito associados ao surgimento de cânceres como o de ovário e que posicionam aspectos genéticos como um fator de risco. Nos estudos sobre o Zejula, o medicamento não fugiu a essa regra. Seu diferencial em relação a outros inibidores da Parp, entretanto, está na eficiência observada na população em geral.

“Ele agiu em todas as pacientes com câncer de ovário que responderam à quimioterapia, independentemente de elas terem ou não alguma mutação genética — o que, em geral, predispõe a uma melhor resposta”, afirmou Vanessa Fabricio, oncologista clínica e diretora médica de Oncologia da GSK. 

No estudo mais recente acerca da droga, publicado em 2019, o niraparibe foi testado somente em mulheres que haviam sido recentemente diagnosticadas com câncer de ovário. No ensaio clínico, aquelas que portavam mutação no gene BRCA e tomaram a droga tiveram risco 60% menor de ver a doença progredir ou de morrer, enquanto na população com câncer em geral a redução do risco foi de 38% — ambos os casos comparados a um grupo controle que recebeu placebo.

Os especialistas explicam que a primeira pesquisa, publicada em 2016, foi feita com pacientes que tiveram recorrência da doença, situação em que o Zejula demonstrou resultados ainda melhores. Mulheres com as mutações no gene BRCA demonstraram risco de progressão ou morte 73% menor, e pacientes sem as alterações genéticas reduziram-no em 55%.

É importante destacar que a droga não se propõe a substituir a quimioterapia, mas sim complementá-la. “As pacientes fazem a cirurgia e a quimio e recebem o Zejula depois, em um cenário que chamamos de manutenção", esclareceu Fabricio. "Após o término da quimio, elas têm um intervalo de até 2 meses para começar o tratamento com o Zejula.”

As pacientes podem se beneficiar do niraparide para viver mais tempo com qualidade de vida, já que o medicamento adia a recorrência do câncer após a primeira linha de tratamento. Segundo Fabricio, a frequência de recidivas após quimioterapia contra tumores ovarianos é altíssima, chegando a até 85% dos casos.

No estudo de 2016, no entanto, o medicamento prolongou o intervalo de sobrevida sem progressão da doença em mais de um ano: enquanto nas pacientes que receberam o placebo a doença retornou após cerca de 5,5 meses, aquelas que tomaram o niraparide viram esse período se prolongar para 21 meses, em média.

Com um diagnóstico difícil de ser realizado precocemente, o câncer de ovário apresenta índices de letalidade altos quando a doença se manifesta de modo avançado. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), por exemplo, indicam que o mal foi responsável pela morte de mais de 4 mil brasileiras só em 2019. Além disso, segundo a American Cancer Society, quando o câncer de ovário epitelial invasivo se dissemina para outros órgãos, a taxa de sobrevida em cinco anos da paciente fica em 31%.

“Não são números bons, mas o cenário vem felizmente se modificando com as novas medicações que são usadas primariamente na manutenção da primeira linha e depois nas recidivas”, aponta Maluf. Enquanto a cirurgia e a quimioterapia não sofreram muitas mudanças nos últimos 20 anos, afirma o médico, são as novas drogas que poderão mudar “completamente a história natural da doença, o que é um ponto de grande felicidade para quem lida com isso no dia a dia”.

*Com supervisão de Giuliana Viggiano.