• Andreea Font, para o The Conversation*
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A pesquisadora britânica Margaret Burbidge (Foto: Wikimedia Commons)

A pesquisadora britânica Margaret Burbidge (Foto: Wikimedia Commons)

Como Carl Sagan disse: “O Cosmo está dentro de nós. Nós somos todos feitos de coisas de estrelas.” Isso não é apenas poético — existem provas científicas sólidas de que o cálcio em nossos ossos, o ferro em nosso sangue e o cobre em nossos cabelos foram feitos em "fornalhas" no interior das estrelas. A astrônoma Margaret Burbidge divulgou a evidência disso em um estudo de 100 páginas em 1957. Seu trabalho, junto com o de Geoffrey Burbidge, William Fowler e Fred Hoyle, mudou para sempre a maneira como os humanos pensam sobre si mesmos e seus lugares no Universo.

Além do trabalho pioneiro na origem dos elementos, Burbidge tem interesse em galáxias, objetos cósmicos extremamente distantes e luminosos que abrigam buracos negros enormes chamados quasares, e a teoria do Universo em estado estacionário, uma alternativa ao Big Bang. Sua vida e trabalho influenciaram uma geração de astrônomos e deixaram um legado impressionante de descobertas. Ela alcançou tudo isso em uma época que mulheres frequentemente viam uma barreira em seus caminhos para uma carreira na ciência.

Burbidge recentemente fez 100 anos. Essa é uma grande oportunidade para as gerações de cientistas que foram influenciados por ele, seja por sua história de vida ou através de seu trabalho, celebrarem a vida dessa astrônoma verdadeiramente estrelar.

Burbidge nasceu na cidade britânica de Davenport, em 1919 (Foto: Divulgação)

Burbidge nasceu na cidade britânica de Davenport, em 1919 (Foto: Divulgação)

Um século na ciência
Eleanor Margaret Peachey nasceu no dia 12 de agosto de 1919, em Davenport, na Grande Manchester, mas passou seus primeiros anos de vida em Londres. Ela viu o céu estrelado pela primeira vez aos quatro anos, em um barco a caminho da França como sua mãe. A ciência corre na família — ambos os pais são químicos e seu pai tinha uma quedinha por invenções.

James Jeans, outro astrônomo, era também um parente distante. Embora nunca tenham se conhecido, ela ganhou seus populares livros de ciências como presente de Natal. Aos 12, já fascinada por grandes números, ela imergiu na leitura deles, Durante a Segunda Guerra Mundial, ela estudou astronomia no University College de Londres. Lá, conheceu Geoffrey Burbidge, com quem casou. Juntos, embarcaram em uma vida de aventuras na ciência.

Naquela época ela lecionava uma aula prática com o telescópio e teve um encontro por acaso com Arthur C. Clarke, que mais tarde virou o famoso escritor de ficção científica. O jovem Clarke era um estudante entusiasmado que queria aprender “tudo sobre os planetas e viagens interplanetárias”. 

Burbidge encontrou a força para superar os desafios com seu amor por astronomia. Ver uma galáxia espiral pela primeira vez em uma placa fotográfica a deixou eufórica. Ela lembra: “Eu sentia que era quase um pecado gostar tanto de astronomia, agora que isso era meu trabalho e minha fonte de renda.”

Inspirando mulheres na ciência
Mas o mundo ainda era um lugar pouco gentil com mulheres cientistas talentosas. Burbidge esbarrou na discriminação de gênero pela primeira vez quando se inscreveu em uma bolsa nos Observatórios Carnegie, nos EUA. Uma carta do diretor a informou que tais bolsas eram restritas a homens. Mais tarde, ela foi barrada de observar o céu no Observatório de Mount Wilson, na Califórnia.

Burbidge não desanimou e, com sua atitude habitual, sempre que esbarrava em “um bloqueio”, ela encontrava um caminho alternativo. Ela ganhou acesso ao Observatório de Mount Wilson fingindo ser assistente de Geoff. A cientista teve que esconder a gravidez ao escalar a montanha até em dias quentes e abafados, embrulhada em um casaco.

Burbidge frequentemente usava seu espaço profissional para falar em nome de outras mulheres nas ciências. Ela recusou o prêmio Annie Jump Cannon em 1971 — um prêmio que honra as conquistas em pesquisa de mulheres astrônomas. Ela argumentou que prêmios baseados em gênero tiram o reconhecimento justo das mulheres. Esse ato de rebeldia levou à criação do Comitê do Status das Mulheres em Astronomia, que encoraja mulheres que trabalham na área e promovem seus trabalhos dentro dela.

Atualmente, cientistas são confrontados com muitos problemas, de enfrentar as desigualdades que ainda existem dentro de suas próprias profissões, até resolver todos os tipos de crises humanitárias. Margaret Burbidge oferece um exemplo brilhante de como uma pessoa pode ser pioneira mesmo em tempos difíceis. Enquanto contemplava as forças destrutivas no mundo em 1983, Burbidge confessou sua esperança para o futuro: “Acredito que temos a capacidade de prever e evitar. Cientistas de todas as nações estão em uma posição em que podem melhorar as vidas de todos os humanos.”

*Andreea Font é professora sênior no Instituto de Pesquisa em Astrofísica, na Universidade John Moores em Liverpool. Texto originalmente publicada em inglês no site The Conversation