• Damian Bailey*
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O astronauta da Agência Espacial Canadense, Chris Hadfield, na Estação Espacial Internacional em 2012 (Foto: NASA)

O astronauta da Agência Espacial Canadense, Chris Hadfield, na Estação Espacial Internacional em 2012 (Foto: NASA)

A NASA firmou o compromisso de enviar humanos para Marte na década de 2030. Este é um objetivo ambicioso quando se pensa que uma viagem de ida e volta típica tenha entre três e seis meses e que as tripulações deverão permanecer no planeta vermelho por até dois anos antes que o alinhamento planetário permita a viagem de volta para casa. Isso significa que os astronautas tenham que viver em (micro)gravidade reduzida por cerca de três anos — bem além do recorde atual de 438 dias contínuos no espaço ocupado pelo astronauta russo Valery Polyakov.

Nos primeiros dias das viagens espaciais, os cientistas trabalharam duro para descobrir como superar a força da gravidade de modo que um foguete pudesse ser catapultado para fora da órbita da Terra e levar humanos à Lua. Hoje, a gravidade continua no topo da agenda científica, mas desta vez estamos mais interessados em como ela, reduzida, afeta a saúde dos astronautas - especialmente a de seus cérebros. Afinal de contas, evoluímos para existir dentro da gravidade da Terra (1g), não na ausência de gravidade do espaço (0g) ou na microgravidade de Marte (0,3g).

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Então, exatamente como o cérebro humano lida com a microgravidade? Mal, em poucas palavras — embora a informação sobre o assunto seja limitada. Isso é surpreendente, já que estamos familiarizados com o fato de os astronautas ficarem vermelhos e inchados durante a ausência de peso - um fenômeno carinhosamente conhecido como "efeito Charlie Brown", ou "síndrome das pernas de pássaro inchadas". Isso se deve ao fluido que consiste principalmente de sangue (células e plasma) e deslocamento do líquido cefalorraquidiano em direção à cabeça, fazendo com que tenham faces arredondadas, inchadas e pernas mais finas.

Essa mudança de também está associada à doenças provenientes da movimentação no espaço, dores de cabeça e náusea. Eles também foram, mais recentemente, ligados à visão embaçada devido ao acúmulo de pressão à medida que o fluxo sanguíneo aumenta e o cérebro flutua para cima dentro do crânio — uma condição chamada deficiência visual e síndrome de pressão intracraniana. Mesmo que a NASA considere esta síndrome como o maior risco para a saúde em qualquer missão a Marte, descobrir o que a causa e — uma questão ainda mais difícil — como evitá-la, ainda permanece um mistério.

Então, onde minha pesquisa se encaixa nisso? Bem, eu acho que certas partes do cérebro acabam recebendo muito sangue porque o óxido nítrico — uma molécula invisível que normalmente está flutuando na corrente sanguínea - se acumula na corrente sanguínea. Isso faz com que as artérias que suprem o cérebro com sangue relaxem, de modo que elas se abram demais. Como resultado deste surto implacável de fluxo sanguíneo, a barreira hematoencefálica — o “amortecedor” do cérebro — pode ficar sobrecarregada. Isso permite que a água se acumule lentamente (uma condição chamada edema), causando edema cerebral e um aumento na pressão que também pode ser agravado devido aos limites da sua capacidade de drenagem.

Pense nisso como um rio que transborda suas margens. O resultado final é que o oxigênio não chega a partes do cérebro com rapidez suficiente. Este é um grande problema que poderia explicar por que a visão embaçada ocorre, assim como os efeitos em outras habilidades, incluindo a agilidade cognitiva dos astronautas (como eles pensam, concentram-se, raciocinam e se movem).

Uma viagem no "cometa vômito"

Para descobrir se minha ideia estava certa, precisávamos testá-la. Mas em vez de pedir à NASA que nos levasse em uma viagem à Lua, nós escapamos do campo gravitacional da Terra, simulando a ausência de peso em um avião especial apelidado de "cometa do vômito".

Subindo e mergulhando no ar, este avião realiza até 30 dessas "parábolas" em um único voo para simular a sensação de ausência de peso. Eles duram apenas 30 segundos e eu devo admitir, é muito viciante e realmente nos deixa com o rosto inchado!

Com todo o equipamento preso, tiramos as medidas de oito voluntários que participaram de um voo diário por quatro dias. Medimos o fluxo sanguíneo em diferentes artérias que suprem o cérebro usando um ultrassom doppler portátil, que funciona eliminando as ondas sonoras de alta frequência das células vermelhas circulantes. Também medimos os níveis de óxido nítrico em amostras de sangue retiradas da veia do antebraço, bem como outras moléculas invisíveis que incluíam radicais livres e proteínas específicas do cérebro (que refletem danos estruturais no cérebro) que poderiam nos dizer se a barreira hematoencefálica acabou sendo aberta.

Nossas descobertas iniciais confirmaram o que se esperava. Os níveis de óxido nítrico aumentaram após episódios repetidos de falta de peso, e isso coincidiu com o aumento do fluxo sanguíneo, particularmente através das artérias que suprem a parte de trás do cérebro. Isso forçou a barreira hematoencefálica, embora não houvesse evidência de danos cerebrais estruturais.

Agora, planejamos seguir esses estudos com avaliações mais detalhadas de mudanças de sangue e fluido no cérebro, usando técnicas de imagem, como ressonância magnética, para confirmar nossas teorias. Também vamos explorar os efeitos de contramedidas, como calças de sucção de borracha - que criam uma pressão negativa na metade inferior do corpo com a ideia de que podem ajudar a “sugar” o sangue do cérebro do astronauta - assim como medicamentos específicos para neutralizar o aumento do óxido nítrico. Essas descobertas não apenas melhorarão as viagens espaciais, mas também podem fornecer informações valiosas sobre o motivo pelo qual a "gravidade" do exercício é um bom remédio para o cérebro e como ele pode proteger contra a demência e o derrame na vida adulta.

*Damian Bailey Professor de Fisiologia e Bioquímica da University of South Wales, no Reino Unido. Este artigo foi publicado originalmente em inglês no The Conversation.

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