• Redação Galileu
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Restos de 25 soldados das Cruzadas são encontrados em valas comuns no Líbano (Foto: PLOS ONE)

Restos de 25 soldados das Cruzadas são encontrados em valas comuns no Líbano (Foto: PLOS ONE)

Embora milhares de pessoas tenham morrido durante as Cruzadas, não é tão fácil encontrar restos de soldados que foram vítimas dessas batalhas sangrentas. É por isso que, ao identificar inúmeros ferimentos de arma em ossos escavados no Castelo de Sidon, ao sul do Líbano, uma equipe internacional de arqueólogos desconfiava estar diante de uma “descoberta especial”. Mais tarde, análises adicionais em laboratório apoiaram a suspeita: ao que tudo indica, os esqueletos pertenciam a homens mortos em conflitos ocorridos no início do século 13.

“Tantos milhares de pessoas morreram por todos os lados durante as cruzadas, mas é incrivelmente raro para os arqueólogos encontrarem soldados mortos nessas batalhas famosas”, conta Piers Mitchell, arqueólogo da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em comunicado. “As feridas que cobriram seus corpos nos permitem começar a entender a horrível realidade da guerra medieval”, avalia o especialista em cruzadas e um dos autores da investigação, cujos resultados foram compartilhados em agosto no periódico científico PLoS ONE.

Além dos ferimentos proeminentes nos corpos, a associação entre os restos mortais e as Cruzadas foi feita com base na descoberta de fivelas de cinto de estilo europeu e uma moeda que circulava na Europa à época — conhecida como "moedas de um centavo feudal" — dentro dos túmulos. Análises de DNA e isótopos dos dentes dos indivíduos revelaram ainda que alguns deles haviam nascido na Europa, enquanto outros tinham descendência mista — esses últimos eram, provavelmente, filhos de colonos cruzados que migraram para o Oriente Próximo e se casaram com pessoas locais.

Distribuição de todos os traumas perimortem definitivos (vermelhos) e prováveis ​​(amarelos) evidenciados no grupo esquelético decorrente dos sepultamentos 101 e 110 como um todo (Foto: R. Mikulski)

Distribuição de todos os traumas definitivos (vermelhos) e prováveis ​​(amarelos) evidenciados no grupo esquelético decorrente dos sepultamentos como um todo (Foto: R. Mikulski)

A datação por radiocarbono sugere que os soldados foram mortos em um dos dois grandes ataques feitos à Sidon, então controlada por cristãos, no século 13. Registros históricos escritos pelos cruzados revelam que a cidade foi alvo de um atentado perpetrado em 1253 pelas forças mamelucas de Damasco, na Síria, que saquearam a cidade e mataram centenas de pessoas enquanto as muralhas do local estavam sendo reconstruídas pelo rei Luís IX da França. Outro ataque viria em 1260, desta vez conduzido pelas tropas mongóis sob a liderança do oficial Quitebuga.

Enquanto alguns dos cerca de 25 esqueletos revelam ferimentos de espada na parte de trás dos corpos, sugerindo que esses soldados foram atacados nas costas enquanto tentavam fugir, outros têm marcas de espada na nuca. Esse segundo grupo, argumentam os pesquisadores, possivelmente corresponde a cativos que foram executados por decapitação após a batalha. “Todos os corpos eram de adolescentes ou adultos do sexo masculino, indicando que eram combatentes que lutaram na batalha quando Sidon foi atacada”, analisa Richard Mikulski, arqueólogo da Universidade de Bournemouth, na Inglaterra.

Exemplos de lesões de força penetrante dos depósitos de sepultura em massa do período do cruzado de Sidon (Foto: R. Mikulski)

Exemplos de lesões de força penetrante dos depósitos de sepultura em massa do período das Cruzadas na cidade de Sidon, ao sul do Líbano (Foto: R. Mikulski)

Os restos humanos também dão pistas sobre a maneira como os sobreviventes de Sidon lidaram com os corpos de seus mortos. Mudanças tafonômicas (referentes à decomposição dos organismos) indicam que os esqueletos foram deixados expostos por algumas semanas e, algum tempo depois, coletados e depositados em valas dentro das muralhas da cidade. A carbonização de alguns ossos sugere ainda que muitos deles foram queimados.

Imagens das valas comuns em Sidon : a) Enterro 110, camada 8, voltado para o leste; b) Sepultura 110, mostrando como a sepultura retangular truncou uma das primeiras almofadas de pedra da Idade do Ferro; c) Fotografia retificada do túmulo 101, demonstrando o maior grau de articulação esquelética; d) Enterro 110, camada 4, voltado para o oeste; e) Detalhe de As Horas de Jeanne D'Evreux , de Jean Pucelle , retratando o Rei Luís IX da França ajudando a coletar e enterrar os restos mortais dos mortos no ataque mameluco a Sídon em 1253 dC  (Foto: imagens: a), b) e d) R. Mikulski / DGA; c) cortesia de C. Doumet-Serhal / DGA; e) The Metropolitan Museum of Art, Nova York, The Cloisters Collection 1954, MS 54.1.2, fol. 159v)

Imagens das valas comuns em Sidon: a) Enterro b) Sepultura retangular truncou uma das primeiras almofadas de pedra da Idade do Ferro; c) Fotografia retificada do túmulo 101, demonstrando o maior grau de articulação esquelética; d) Enterro 110, camada 4, voltado para o oeste; e) Detalhe de As Horas de Jeanne D'Evreux , de Jean Pucelle , retratando o Rei Luís IX da França ajudando a coletar e enterrar os restos mortais dos mortos no ataque mameluco a Sídon em 1253 dC (Foto: imagens: a), b) e d) R. Mikulski / DGA; c) cortesia de C. Doumet-Serhal / DGA; e) The Metropolitan Museum of Art, Nova York, The Cloisters Collection 1954, MS 54.1.2, fol. 159v)

“Os registros dos cruzados nos dizem que o rei Luís IX da França estava em cruzada na Terra Santa na época do ataque a Sidon em 1253. Ele foi para a cidade após a batalha e  ajudou pessoalmente a enterrar os cadáveres apodrecidos em valas comuns como essas", observa Mitchell. "Não seria incrível se o próprio Rei Luís tivesse ajudado a enterrar esses corpos?".