• Dr. Carlos González
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Família feliz (Foto: Thinkstock)

Finalmente, acabamos os estudos, encontramos um par, abandonamos a casa de nossos pais. Podemos virar a noite em festas, ou ir para a cama a hora que quisermos. Temos nosso primeiro emprego, não muito bem remunerado, mas o dinheiro basta para ir ao cinema de vez em quando, a um restaurante, à praia e até para uns dias de férias.

E, de repente, um de nós dois diz: “E se tivermos um filho?”. Um filho, para quê? Para não podermos mais aproveitar as noitadas (nem ao menos dormir) durante anos? Para gastarmos todo o nosso dinheiro em roupas, fraldas, escolas, livros e brinquedos (e economizar o que sobrar, se sobrar, para a universidade?). Para nos próximos anos trocarmos pelo menos umas 5 mil fraldas sujas? Para não podermos ir ao cinema sem antes conciliar as agendas complicadas com os avós? Para gastarmos mais tempo lavando, passando, cozinhando e esfregando? Para passarmos noites em claro, primeiro entre choros, depois com tosses e febres?

Não, não acho que seja por isso. Então, seria para quê? Para ter alguém com quem gritar, alguém para repreender e castigar? Para nos deleitar dando sermões e impor limites? Para colocar no cantinho do pensamento (um minuto para cada ano de idade, cada vez mais divertido) quando se “comportam mal”? Para impedir que escapem? Para humilhar e ridicularizar (“que feia você fica quando chora!”, “que vergonha fazer assim com as mãos!”, “você é muito inconstante e nunca faz as coisas direito”)?

Não, não acho que ninguém queira fazer essas coisas quando decide ter um filho. Não seria melhor termos filhos para colocar em nossos braços, acariciar, encher de beijos? Para embalar e ninar com uma canção, talvez a mesma, quase esquecida, que nossa mãe cantava? Para nos aconchegar na cama com eles e sentir o calor e o cheirinho deles? Para fazer coceguinhas na barriga e brincar de “Cadê? Achou”? Para ouvir suas primeiras palavras, acompanhar seus primeiros passos e pensar que não existem no mundo crianças mais espertas? Para levar ao parque, balançar e ensinar a andar de bicicleta? Para consolar quando choram e demonstrar que sempre estaremos ali para protegê-los?

Será, talvez, que temos filhos para aproveitar, pensando que o tempo, o esforço e o dinheiro que, sem dúvidas, teremos que dedicar a eles terá valido a pena?

E, se é assim, se temos filhos para sermos felizes com eles, em que momento essa intenção se perdeu? Em que momento deixamos de beijar, abraçar e passamos a gritar e a castigar? Quem nos fez acreditar que nossos filhos são nossos inimigos?


Carlos González é um dos pediatras mais famosos na Espanha e autor de livros como Bésame mucho e Meu filho não come! (Foto: Divulgação)


Carlos González é um dos pediatras mais famosos na Espanha e autor de livros como Bésame Mucho e Meu Filho não Come! (Foto: Divulgação)